Ira

Rikka.

A chamei pela quarta vez aumentando cada vez mais o tom de deboche em minha voz. Mesmo a encarando, ela me ignora.

O que, desgraça, aconteceu ontem?

Ei! Ri-

Ira, precisamos nos ver menos.

Ela se virou repentinamente em minha direção e ficou me encarando seriamente com aquele óculos que só me fez entender que o assunto é sério.

O... Quê?

O que você quer dizer?

Olhei pra ela, esperançoso que fosse apenas uma brincadeira e que esteja só querendo me pregar alguma peça, mas as mesmas palavras foram repetidas e explicadas. A facada no peito que recebi me incomodou, ainda mais por ser mais intensa do que todas as outras que algum dia ganhei.

Ela está... Indo embora...

Segurei firme a fronha de sua cama com o rosto baixo. Odeio essa sensação, é como o dia em que percebi que meus pais me abandonaram enquanto dormia. Gradativamente, eles diminuíram o tempo que passavam comigo até chegar o momento em que mal trocávamos palavras e assim, me deixaram em um beco qualquer longe de casa.

Não sou bom o bastante? Não sou nada pra ela!?

A ouvi se justificar, mas nenhuma palavra consegui entender. Percebendo isso, ela veio a mim chamando meu nome, o que acabou um pouco mais comigo. O que fiz pra ela não foi suficiente? Não consegui trazer confiança? Minha mente rodou mais e mais com todas as dúvidas que não consigo evitar de pensar.

Ira! Me escuta!

Mais que merda! Vai se foder!

Me virei contra ela batendo em suas mãos próximas ao meu rosto. Se a encarar agora, com certeza vou chorar e o que menos quero agora é que me veja frágil. Se for pra ela ir embora, prefiro que me odeie, prefiro nunca mais ter que saber da sua existência... Prefiro que não saiba o quanto mexe comigo.

Você é muito egoísta! Só estou querendo nos proteger e deixar tudo mais oculto possível! Não podemos continuar assim, estamos deixando brechas demais!

Egoísta... Eu?

Mudei de humor em segundos, como um vulcão calmo prestes a explodir. Me virei a ela.

Eu? Egoísta? E quando que eu concordei com seu plano? Ah, é, tem sempre que ser do jeito seguro da Rikka.

A provoquei.

Rikka pousa gentilmente suas mãos em meu rosto com um olhar surpreso e após gentil preencheu seu rosto. A senti enxugar as lágrimas que caiam do meu rosto e, no mesmo local, beijou. Num momento tão séria e depois tão calma... Como ela consegue mudar seu humor desse jeito?

Seus beijos se espalhou pelo meu rosto de forma lenta e a cada momento entre um e outro, ela chamou o meu nome. Parecia tão tranquila, tão amável. Nunca gostei tanto de ouvir meu nome e muito menos, de apreciar a paz vindo de alguém.

Meu amor.

Amor!?

Em um segundo, meu rosto queima junto com o ritmo das batidas do meu coração. Sem pensar muito, a empurro e escondo meu rosto olhando totalmente pra baixo. A forma como me chamou ecoa na minha mente como tortura.

Eu te amo, meu amor.

De novo...

Droga, não consigo encara-la e nem respondê-la da mesma forma.

Respirei fundo e o mais debochado que pude na voz, desviei o olhar deixando meu rosto mais a mostra e com um sorriso, tentado ser, convencido.

C-cala a boca. E-eu não-

Suas mãos vieram de apoio as minhas, e como mandei, ela se calou, e consequentemente a mim também, com um beijo. Fui deitado na cama a força e logo após, ela deitou ao meu lado me abraçando enquanto brinca com meus cabelos.

Quem te deu permissão pra-

Me desculpa. Não achei que a ideia de estarmos mais afastados te machucaria.

Droga... Ela percebeu...

A puxei para o meu peito, cheio de incertezas por relembrar. Estar próximo dela me faz perceber o quanto ainda está por perto, Rikka está aqui comigo com o aroma dos seus cabelos, que até hoje não entendo como faz isso, e com o seu calor.

Se você me deixar, eu te mato.

Isso era pra ser uma declaração?

Com uma risada leve, ela se aproximou e me presenteou, de forma rápida, com seus lábios. Não entendo. Como ela consegue ficar calma depois de ouvir uma ameaça? Droga de insegurança!

Ira, você não precisa guardar tudo pra si mesmo. Também quero saber seu lado da história, quero poder compartilhar os momentos ruins e vencê-los com você, mas não consigo fazer nada se não consigo saber o que sente ou pensa. Você diz que não quer fazer do meu jeito, só que o que você quer fazer então? Não sei se está bom ou ruim, se está tudo dando errado ou se está dando certo.

Rikka me encarou como nunca a vi fazer, um bico e uma cara de coitada, ou sei lá o que posso comparar essa expressão. Mas nisso, pelo menos, fui capaz de entender também seu lado. Durante algum tempo, tive medo de que se enjoa-se de mim e se afastasse, ou quando não pensei nisso, duvidei se ela queria realmente estar comigo. Mesmo com todas as confissões, mesmo com todos os momentos juntos, não queria que soubesse que, em algum lado de mim, estaria sofrendo por ela.

A apertei ainda mais, procurando palavras para me expressar que fosse fácil de ser entendido e que não cause mais maus entendidos do que já havia feito. Ouvi-a chamar meu nome mais uma vez e logo emburrar.

Foi mal, Rikka, mas não sie me expressar bem.

Apenas tente! Quero saber.

Sua voz manhosa, me fez acalmar um pouco e ganhar a confiança para começar a contar. Iniciei com os meus pais, detalhando como eles me deixaram e quando começou a dar errado. O quanto os procurei, mas nunca consegui encontrá-los novamente mesmo com a casa vazia quando finalmente fui capaz de retornar. Lembrar que me deixaram sem nada e ainda ter que explicar pra minha namorada e até mesmo admitir esse medo, me trouxe desespero, vergonha e tudo o que menos queria que percebesse. A apertei mais e mais em puro descontrole.

Não quero que me abandone! Não vou te deixar ir embora! Você é minha! Só minha!

Aumentei gradativamente meu tom de voz ao ponto de gritar em seus ouvidos todo meu desespero. Até que... Seus braços me acolheram.

Não vou te deixar.

Não minta! Sei que os humanos trocam de amor rápido!

Critiquei-a ou apontei-a essa observação. Durante o pouco tempo da minha vida, notei sempre que os humanos trocavam de amor rápido. Todas as vezes que encontrava uma mesma pessoa, não demora muito para logo estar com outra como se fosse uma comida que se degusta e depois, se enjoa e se joga fora. Como Rikka seria diferente?

Então vamos fazer dar certo entre a gente e fazer esse amor nunca acabar, ok?

Analisei um pouco o que falou. Dar certo seria o que? Viver abraçados como a maioria dos casais fazem? Trocar presentes nos dias comemorativos?

O que você quer dizer com "Dar certo"?

Hum... Quero dizer...

Rikka começou a pensar, buscando formas para me explicar o que pedi.

— É tipo estarmos sempre admirando o outro, respeitando e querendo estar perto do outro sempre que puder. Mais ou menos isso.

— Hum... Entendi.

Sorri, acariciando sua bochecha e, antes de beijar no mesmo local, compartilhei meu pensamento a ela.

Então, farei tudo dar certo.