Rikka

Recobrei a visão aos poucos, assim como meus sentidos.

Quando adormeci? E essa coberta?

Tirei com calma o braço de Ira de cima de mim, bocejando e sonolenta ainda. O sol já está se pondo, deixando o quarto mais escuro. Me levantei um pouco para ver a horas no meu despertador e me veio a memória o que tinha acontecido antes. Briguei com Ira e nisso, acabei conhecendo um lado que nunca percebi em Ira. De baixo de uma personalidade agressiva e medrosa, tinha um garoto pedindo socorro, solitário e com medo de sentir o abandono de novo.

– Confiar nos outros é a mesma coisa de se ferrar. Uma hora ou outra, eles vão te apunhalar pelas costas.

Foi o que ele disse antes, não foi? Será que... Eu consigo mesmo ser o seu sorriso? Depois de tudo, será que Ira consegue realmente confiar em mim? Estamos nessa situação juntos, mas ainda existe tantas coisas que não sei sobre ele. Tivemos um mês e meio de altos e baixos, quase uma brincadeira de montanha russa. Ouvi dizer que quando temos muitas mudanças drásticas de sentimentos, significa que está ruim, mas, ontem...

— Se você me deixar, eu te mato.

Depois de tudo o que ouço, ele ainda não diz firmemente os seus sentimentos por mim. Quero perguntar, só não tenho coragem de força-lo a fazer algo assim, afinal, estamos juntos. Não deveria me sentir preocupada com isso se já mostramos até demais.

Ira quer estar comigo. Não deveria ser o suficiente? E se...

Sorri.

Por que não?

Me ajeitei um pouco para observá-lo e acariciar seus cabelos. Ira está sorrindo, envergonhado, ansioso ou irritado. Raras são as vezes que consigo o ver tranquilo como está, ou melhor dizendo, estando em paz.

Ira fica tão lindo quando está calmo.

Não pude evitar de sorrir e corar. Meus pensamentos indecentes tomaram conta dos meus desejos e dos meus olhares. Será que eu posso beijá-lo estando dormindo? Ira irá gostar se estiver abraçada a ele e o enchendo de carícias antes de acordar?

Subi em cima dele com cuidado e dificuldade, as cobertas por cima não ajudam em nada, ainda mais com uma leve ventilação fria que entrou entre a gente. Aproximei-me aos poucos, apoiando meu braço direito na cama e deixando minhas pernas cada uma do lado do seu quadril. Com a mão livre, segurei meu cabelo para não atrapalhar e fui beijando seus lábios agradecendo mentalmente por seu sono não ser tão leve quanto poderia ser.

Me afastei após um demorado selinho que dei e o ouvi chamar meu nome.

Droga, que indecência é essa que estou sendo?

Ignorei qualquer julgamento que me veio a mente e comecei a beijar seu rosto. Primeiro a sua testa e depois perto do olho.

— Diga, Ira.

Segui espalhando-os como desejei, sem seguir uma regra ou sequência e quando vi seus olhos entre abertos, direcionei-me para sua boca que foi retribuída lentamente.

Admito, isso me deixou feliz, muito feliz.

— Bom dia, dorminhoco.

Contando os segundos, Ira corou a partir do 4 e foi muito. Seus olhos arregalados e sua ofegação já denunciam tudo o que preciso saber nesse momento.

Talvez devesse provocá-lo um pouco mais?

Me afastei um pouco dele permitindo-o se sentar. Deixei o trabalho todo para os meus joelhos e pernas para aguentar meu peso na cama.

— Me desculpa, se não gostou, eu-

— O que pensa que está fazendo, idiota!? Está abusando demais!

Acho que ele... Não gostou...

— Não se preocupe, eu não-

Ira, de repente, me puxou para mais perto dele.

— Idiota, Não precisa parar, ok?

O que foi... Que eu... Perdi?

Respirei fundo.

— Você gostou ou não? Decida-se.

O senti bufar através da roupa e ouvi um "tsu", irritado.

Não responde nem que sim e nem que não. Como sempre...

Ira me puxou pela cintura e me forçou a sentar em seu colo. Nossos corpos ficam grudados, me permitindo sentir seu calor fervescente e seu coração que bateu com descompasso, ou talvez era o meu mesmo.

Isso é mal! Não consigo deixar de ficar nervosa com essa aproximação.

O preenchimento de baixo da bermuda jeans que chamou muita minha atenção, como se cutucasse uma parte de mim e me enchendo de fogo. Que sentimento é esse?

— Safado.

Brinquei com seriedade antes de calar-lo. Diferente dos outros beijos que demos, esse continha algo estranho, como se Ira tivesse acabado de me viciar mais do que o normal. Não consegui parar, nem sei onde minhas mãos passou nesse tempo.

— Ira.

O chamei, em meio ao breve afastamento.

Não posso... Não quero!

— Huh?

Dei o ultimo toque e afastei nossos rostos o olhando com um sorriso falso.

Vai ser isso!

— Tirando isso, o que achou?

— Isso de novo, Rikka!?

Ira, com toda razão, ficou indignado por voltar ao assunto anterior. Não sei, mesmo sentindo seu coração e sua respiração através das minhas mãos no seu peito, não consigo deixar de ficar insegura. Só sei que me sinto culpada por não me permitir a aproveitar esse momento.

Por que não consigo me sentir amada agora? Nunca foi um problema!

— O que eu sou pra você, Ira?

— Ah? Como assim? Você é minha... Namorada.

Ira desviou o olhar, envergonhado. Vi sua indecisão de onde olhar, se é melhor olhar para meus olhos ou pra baixo.

É agora ou nunca!

— O que você sente por mim?

— Eu que te pergunto! Por que está me perguntando tudo isso agora?

Dessa vez, foi a minha vez de abaixar o olhar, cerrar os punhos puxando um pouco sua camisa pra minha mão. Meu rosto ainda está quente, não sei se é por causa do beijo ou se é agora. Ter que admitir isso, é constrangedor, não é?

— Quero saber... Você me ama? Me odeia? Me adora? Tem uma queda por mim?

Nas várias opções que o dei, virei o rosto para todos os lados e quando voltei a prestar atenção nele, só consegui ver seu rosto todo vermelho e paralisado.

Nem nesses momentos, ele me leva a sério? Idiota!

— Ei, Ira!

— Para com isso!

— Mas eu quero saber!

Ira, idiota!

— Não isso! Para de... Se mexer...

Ira desviou o olhar. Não demorou muito para entender do que ele realmente está falando. Devo ter mexido várias vezes meu quadril sem perceber.

— Ei! Esquece isso e me responde logo!

— Sou louco por você! Isso te-

A porta se abriu, junto com Raquel que entrou segurança a maçaneta. O olhamos quase em sincronia.

— Rikka, sua mãe... Chegou...

Raquel ficou como gelo, não moveu um músculo e nem mesmo seus olhos se mexiam. Logo ouvi Mana falar com ele e olhar para nós dois, entrando no quarto se queixando de não tê-la atendido.

— Nós combinamos de dormir na casa da Alice, esqueceu?

Apenas concordei, saindo de cima de Ira, em um impulso, e me despedi apenas acenando, correndo para arrumar as roupas na mochila e tudo o que precisarei.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.