Vidas Em Guerra - O Falcão e o Lobo

O início de tudo: a descoberta


POV Eliot Hawkey

Eu sabia que algo havia mudado e não era o fato daquela garota andar para cima e para baixo com o filhote de falcão. Algo estava diferente em Aria e eu sentia isso nas suas ações, respostas, olhares, em tudo. Algo que eu havia aprendido a fazer a muito custo quando tive de treinar Sarah foi aprender a observar certos detalhes que antes eram imperceptíveis para mim nas mulheres em geral. Seus olhos falavam muito mais do que qualquer outra coisa.

Lembro-me de Sarah me dizendo uma vez, depois de Aria nascer, que uma mulher, querendo ou não, tem que ser diferente dos homens em lutas. Ela mesma disse à mim que meu treinamento, apesar de muito bom, não foi o suficiente para ela, que ela teve de descobrir certos detalhes sobre lutas sozinha. Hoje, depois de assisti-la lutar tantas vezes, eu entendia sobre o que ela falava.

Querendo ou não uma mulher não poderia ter a mesma força bruta que um homem, nem ter um corpo tão resistente devido à falta de musculatura; que era outra coisa completamente diferente entre um e outro, mulheres não adquiriam tantos músculos mesmo sob o mesmo treino. Eu entendi isso e nos treinos físicos de Aria eu mudei parte das minhas técnicas para que ela ganhasse mais resistência e não me preocupando com a quantidade de músculos que ela conseguiria.

Mesmo assim era nítido que a garota ganhava mais músculos do que a mãe havia adquirido, talvez pela idade menor isso fosse facilitado, mas se eu comparasse isso com o Príncipe Rendon que eu também treinava era notável a diferença. Mesmo assim a diferença entre o nível de ambos continuava a mesma; ela ainda era ligeiramente melhor apesar de eu ainda não ter colocado uma arma em suas mãos para ter certeza.

Mas aquela mudança quase palpável que eu sentia nela me dizia que talvez já fosse a hora, apesar de que eu ainda achava 12 anos uma idade muito tenra para se começar a manusear armas de verdade. Então decidi começar por espadas de treino com ela; espadas de madeira com um peso menor, mas resistentes o bastante para machucar se ela se descuidasse.

Fazia apenas três semanas desde que ela havia se ferido quando eu resolvi que era a hora. Pela manhã, logo depois dela comer eu a guiei até o pátio dos fundos do castelo onde eu á havia deixado preparado o que precisaríamos. Ao chegarmos pude notar o mínimo sorriso que ela tentou esconder ao ver as duas espadas de madeira encostadas à uma árvore.

– Pegue uma delas – eu falei tirando a camisa de couro de mancas longas que eu usava por cima de uma outra de linho – Traga a outra para mim – completei enquanto soltava a bainha da minha espada deixando-a junto a uma outra arvore.

Aria deixou o pássaro entre as raízes da arvore onde estavam as espadas e pegou uma delas trazendo a outra para mim sem dizer palavra alguma. Ela não demonstrava mais a animação de pouco tempo atrás, eu podia notar a seriedade nela, mas sabia que aquela animação estava apenas mascarada.

– Vamos começar descobrindo o que você já sabe ou acha que sabe – eu disse de forma calma, mas deixando claro à ela que não pensava que ela já tivesse qualquer conhecimento útil sobre o manuseio de espadas.

Aria não me respondeu. Era uma característica interessante sobre ela e completamente oposta ao que Sarah tinha sido. Ela não contra atacava provocações sobre si mesma, era como se ela fingisse não ouvir ou não se importar, diferente de Sarah que sempre tinha uma boa resposta pronta. Aria geralmente traduzia seu descontentamento com brincadeiras e provocações pelos olhares que lançava. E apesar de odiar, tanto quanto a mãe, ser subestimada ela raramente discutia quando alguém fazia isso.

Naquele momento minha provocação, como sempre, não teve efeitos nela. Aria apenas se concentrou na espada de forma a encaixá-la da melhor maneira em sua mão e depois me encarou como se dissesse que estava pronta. Eu analisei minimamente a postura dela: ombros relaxados, braços soltos, a mão firme na empunhadura ainda permitia que a espada ficasse relativamente livre balançando levemente ao lado do corpo dela. Foi impossível não lembrar da forma com que Sarah se postava para uma luta; a diferença era que Aria parecia manter todo o corpo relaxado enquanto que Sarah estava sempre com as costas tensas e pronta para movimentos rápidos.

Assumi minha postura com a espada em frente ao corpo na horizontal, os ombros tensos e os joelhos levemente flexionados.

– Ataque – disse para ela e Aria me encarou.

Me surpreendendo completamente ela começou a caminhar na minha direção como se estivesse apenas andando pra mim. Eu poderia ter me distraído com isso, mas não me distrai e assim notei que ela não fez aquilo como alguma forma de distração. Ela estava realmente reduzindo a distância entre mim e ela de forma clara e sem rodeios.

Esperei que ela fizesse o primeiro movimento e ele veio, novamente me surpreendendo, de forma rápida e num ângulo incomum. Aria apenas ergueu a espada na direção do meu rosto, apenas um toque da minha espada foi o bastante para desviar o golpe, mas ela não impediu a trajetória da arma. Aria deixou a força dos dois golpes continuar a impulsionar a espada de madeira e com leves movimentos fez a arma voltar novamente na minha direção.

Não eram golpes pesados, nem mesmo incrivelmente rápidos, mas ela começava a adquirir precisão. Nas duas horas que ficamos nessa movimentação eu entendi um dos motivos para ela não ter parecido irritada com minha provocação: ela mesma ainda não sabia o que era capaz de fazer. Algo havia acontecido com Aria que fez com que ela começasse a tentar coisas diferentes. Sua movimentação era completamente diferente, era instintiva e fluida como se ela apenas seguisse um fluxo.

E no começo era isso mesmo, Aria estava seguindo um fluxo. E eu pude notar e entender algo que Sarah havia me dito muitas e muitas vezes antigamente. Mulheres não podem lutar como os homens, elas tem de descobrir sua própria forma de luta, seu próprio estilo de combate, sua própria maneira de se movimentar e enfrentar o oponente. Com o passar dos dias eu podia ver Aria moldar isso. Ela estava se descobrindo e descobrindo sua maneira de lutar. Ela estava se tornando uma guerreira como Sarah havia sido. Mas então eu notei: ela não seria nada como Sarah; ela seria algo completamente diferente e único.