Olho para os Céus e vejo quatro corujas se aproximarem da Toca. Suspirei, já imaginando que seriam nossas cartas de Hogwarts chegando. Após o fim da guerra eu e Harry decidimos ficar na toca por algum tempo, a família Weasley estava devastada depois da morte de Fred, e tentávamos estar ali por eles, que se tornaram nossa família também.

Uma das corujas veio até mim, e procurei nos bolsos algo para que ela belisca-se, identificando antes mesmo de pegar, o brasão na carta. Ao ver a coruja alçar vôo novamente imaginei se a senhora weasley demoraria muito para conseguir tirar Ron da cama, pois era o único que ainda estava dormindo.

Soltei um breve sorriso. Ron era alguém que sempre me surpreendia, ele estava certo ao dizer que as vezes eu o subestimava. Mas a forma como ele estava lidando com a minha presença ali, sem me pressionar, apesar de já estar tendo que se segurar tanto, me fazia me sentir muito orgulhosa do meu amigo. Meu sorriso não durou muito ao pensar nessa palavra. AMIGO. Pois era exatamente isso que percebi que o Ron significava para mim. Mas ainda não tivemos coragem de termos essa conversa.

Ainda nos tocavamos o tempo todo, mas não da maneira que fazemos quando estamos apaixonados pela outra pessoa. Andávamos de mãos dadas, ficávamos sentados abraçados enquanto víamos filmes e até já dormimos juntos abraçados quando um percebia que o outro precisava. No começo achei que não passávamos disso devido ao trauma que havíamos passado, mas com o tempo percebi que todo aquele sentimento que me consumia desesperadamente por causa do Ron parece ter se evaporado depois daquele beijo que trocamos durante a batalha. Quanto mais o tempo passa mais certeza tenho que o amo profundamente, mas apenas como um amigo.

O que faz meu coração afundar um pouco, pois não conseguiria terminar com ele um relacionamento que nem mesmo tivemos a chance de começarmos, não depois de tudo que ele passou, não com nossas cicatrizes tão recentes ainda. Mas aquela carta em minhas mãos nos forçaria a encarar algumas coisas, pois tinha certeza que voltaria a Hogwarts para terminar meus estudos, e tinha sérias dúvidas sobre qual caminho Ron iria querer tomar.

Suspirei, pensando se deveria entrar na casa ou não, mas não tive tempo de decidir, pois escutei um barulho nos arbustos perto da árvore onde estava encostada, e me virei já com a varinha em punho. Meu coração batia descompassado, senti um suor frio descer pelas minhas costas quando escutei mais uns galhos se quebrando e um xingamento. A voz me era familiar, mas com a respiração acelerada e a cabeça fervilhando não conseguia associar a voz a ninguém.

Com o coração ainda descompassado me aproximei dos arbustos, e notei uma cabeleira loira quase junto ao chão, conversando com o que parecia ser uma batata com pequenos punhos. não sabendo se ria de mim mesma ou se dava uma surra na pessoa fiquei parada escutando a conversa.

— Tudo bem, prometo lhe trazer alguns doces novamente na próxima vez, mas gostaria que não puxasse mais minhas meias, estava apenas distraída pois vi muitos zonzóbulos perto dessa árvore. - aquela voz sonhadora combinava muito bem com a dona, Luna era um ser aparte, e não resisti a soltar uma risadinha ao perceber que ela estava alimentando os duendes que perturbavam a dona Wesley.

Os dois pareceram finalmente perceber que eu estava ali, pois o duende desapareceu e Luna se virou para mim abrindo um de seus sorrisos sonhadores.

— Oi mione, deveria saber que era você que atraia tantos zonzóbulos. Já está se preocupando sobre nossa volta a hogwarts? - soltei um suspiro, pois é claro que Luna com aquele jeitinho especial dela conseguia perceber tudo que se passava comigo ultimamente. Às vezes ainda ficava impressionada como uma pessoa que parecia passar a maior parte do tempo no mundo da lua conseguia ser tão consciente do que todos sentiam ao seu redor.

Dei de ombros e ela apenas soltou uma risadinha, se levantando e começando a andar em direção a Toca. Não estranhei seu comportamento, mas decidi seguir com ela. Luna se tornou uma amiga interessante depois da guerra, e não apenas para mim. Ela passou a frequentar a Toca diariamente, pois parecia ser a única pessoa com que Jorge se sentia minimamente bem perto.

Aí estava uma combinação que não imaginava ver, e apesar de não querer ficar especulando sobre a vida dos outros como andam especulando sobre a minha, não pude deixar de pensar que eles fariam um casal interessante. Luna parecia estar ciente o que todos pensavam sobre o significado das suas visitas diárias a toca, mas não reagia a nenhuma piada ou provocação, ignorando ou apenas culpando os zonzóbulos por as pessoas terem esses pensamentos.

—Então você também irá voltar para acabar seus estudos? - interroguei, tentando começar uma conversa amena com ela enquanto andávamos. Ela acenou com a cabeça e continuou em silêncio, como se soubesse que naquele momento não era apenas aquilo que passava na minha mente. Aguardei um pouco reunindo coragem, pois não conseguia me abrir muito bem com as pessoas ainda.

— Luna, como você acha que Jorge irá lidar com a sua partida? - Ela parou e me olhou, soltando um suspirando e depois ficou admirando os jardins da casa. Já estávamos perto o bastante para sentir o vento trazendo o cheirinho de ovos e bacon do café da manhã.

—Sabe Hermione, às vezes só nos surpreendemos com o comportamento das pessoas pois olhamos muito para o que se passa nas nossas cabeças e esquecemos de perceber pequenos detalhes sobre o outro que são essenciais para os entendermos. Jorge é um sobrevivente, mas ele não está apenas despedaçado com tudo que aconteceu na guerra, ele sentiu morrer uma parte de si ao perder Fred. Nós dois nos aproximamos pelo mesmo motivo que eu e Harry, ele se sente confortável comigo para compartilhar sentimento que acredita que vocês não entenderiam. - me sinto um pouco desconfortável, pois me lembro que Luna é realmente uma das poucas pessoas que Harry se sentia confortável para conversar sobre a morte de Sirius e de seus pais. Ela solta mais uma risadinha, como se sentisse meu desconforto - Hermione, não pense que tenho favoritismo com nenhum dos dois, pois sei que você é como uma irmã para Harry, e George ama a familia dele mais que tudo. Eles apenas sentem que vou entender alguns aspectos da vida deles, como você agora, que na verdade está apreensiva com a reação do Ron, e com o fato da família dele ainda achar que são um casal, e não sabe o que fazer sobre isso.

E aí estava, aquela capacidade da Luna de nos ler, e com isso voltava minha vontade de rir ou de dar uns tapas nela novamente, pois eu não me sentia tão confortável que alguém me lêsse tão facilmente. Dei de ombros e recomecei a andar, vendo que ela me acompanhava sem insistir no assunto. Não resisti , e senti meus lábios se abrindo em um leve sorriso, me sentindo a vontade novamente. Talvez no fundo eu entendesse porque era tão fácil se abrir com a Luna, ela não te forçava a nada, apenas jogava sementes e esperava que elas germinassem.



Pansy

Abri minha carta de Hogwarts, sentindo um leve peso nos ombros. Depois da guerra, apesar de meus pais não serem comensais, e não termos sofrido tanta represália, as pessoas ainda nos olhavam torto, e na escola seria ainda pior, pois apesar de não ter seguido aquele-que-não-deve-ser-nomeado, eu deixei bem claro minha opinião ao gritar que deveríamos entregar Potter aos comensais.

Me arrepiei ao lembrar daquela cena, e senti um peso ainda maior sobre mim. Não era como se me arrependesse do que fiz, pois consigo entender porque tive aquela reação. Eu estava apavorada, via a guerra chegando a Hogwarts, um lugar que imaginava estar segura, não achava justo me colocar, e aos meus amigos, em risco por causa de uma única pessoa. Ainda mais alguém que eu não gostava nada. Mas sabia que as pessoas achariam esse pensamento egoísta e mesquinho.

Claro que depois de tudo que aconteceu fico satisfeita de naquele momento ninguém ter me dado ouvidos. Apesar de apreensiva agora, não conseguia mais imaginar um mundo onde aquele-que-não-deve-ser-nomeado vencesse. Eu tinha um pavor enorme dele, e agradecia por meu pais nunca terem se alistado.

Me levantei e fui até minha escrivaninha, pensando em para quem escreveria primeiro. Já que eu recebi a carta, meus amigos com certeza também estariam passando pelo mesmo debate interno que eu. Queria muito poder vê-los, mas os Malfoys estavam confinados em casa, sendo monitorados constantemente, e não seria de bom tom que se encontrassem na mansão no momento. Theodore estava assumindo o controle sobre todos os negócios da família depois da morte de seu pai, e duvidava muito que ele iria voltar para Hogwarts. Restava Blaise, e Pansy suspirou quando pensou no amigo.

Blaise era uma figura aparte, ele e sua mãe atravessaram a guerra sem sua reputação sofrer nem um único arranhão, apesar de não terem lutado efetivamente ao lado da luz. Blas era uma pessoa espinhosa e ardilosa para se conviver, e isso vindo de uma sonserina nata como eu é dizer muita coisa. Mas a verdade é que sempre senti que ele ficava um pé atrás com qualquer pessoa que tentava se aproximar muito dele, e conseguia ter uma muralha ainda maior que a do Malfoy. Não sabia o que tinha acontecido para que seu amigo se tornasse aquela pessoa tão cética quanto a laços, mas gostava de sua companhia, e não foi fácil para que realmente se tornassem nem que fossem colegas na visão dele.

Após pensar um pouco, decidi mandar uma nota rápida para Blaise, o perguntando se iria querer companhia para as compras, e convidando ele e sua mãe para um chá. Sabia que ele não teria paciência para ler uma carta muito longa. Já Draco era outra história.

Eu estava realmente preocupada com ele.

Parei a pena sobre o pergaminho imaginando o que escrever. Minha relação com Draco já havia passado por muitos altos e baixos, e hoje vejo que muito das minhas reações preconceituosas eram para tentar chamar sua atenção. Não que eu o culpasse por isso. As ações tinham sido inteiramente da minha falta de percepção sobre eu mesma. Como poderia esperar que ele gostasse de mim sendo que eu mesma não acreditava que alguém poderia gostar de quem eu era, e por isso agia e fingia, tendo comportamentos que eu mesma não acreditava.

A guerra afetou a todos nós de maneiras diferentes, mas duras para todos, o que fez com que eu e Draco finalmente nos tornassemos amigos de verdade. Talvez porque amadurecemos, ou talvez porque ao ver como eles estão sendo julgados e todos se afastando eu finalmente tive coragem de dizer o que realmente acho e ser quem realmente sou perto dele. Suspirando iniciei a carta.

Draco,

Imagino que já tenha recebido a carta de Hogwarts, e assim como eu sabe que não será nada fácil. Sei que está tendo muitas conversas com seus pais. Espero que não retorne a escola apenas por pressão e por ser o melhor para os Malfoys, mas ficarei muito satisfeita se dividirmos uma cabine novamente no expresso.

Diga a sua mãe que convidei a senhora Nott a vir tomar chá conosco, e que o convite se estende a vocês dois. Sei que provavelmente não conseguirão comparecer, mas o convite fica em aberto também para um momento futuro. Seus pais irão precisar de companhia em algum momento, assim como os meus.

Chamei o Blaise para fazer as compras juntos, me avise quando seria o melhor para você, sabe que não me importo se formos vigiados, sempre estivemos mesmo sobre holofotes.

Até breve,

Pansy.

Fechei os pergaminhos e chamei meu elfo, o pedindo para enviar as cartas pela minha coruja particular. Me levantei , pensando em tudo que estava para acontecer. Não seria nada fácil voltar, mas minha preocupação maior era com meus amigos. Já havia me acostumado a muito tempo a que não gostassem de mim, e que poucos mereciam que eu baixasse minha guarda.