Underwing

Genocídio


Frisk

Mais quatro anos se passaram, quatro anos de convivência com o Leah, que, descobri, é nove anos mais velho do que eu, ou seja, agora está com dezenove anos. Durante esse tempo nossa relação não melhorou muito, eu fazia de tudo para que ele nunca ficasse perto de mamãe, ao mesmo que ele parecia saber disso, e tentava se aproximar dela só para me provocar. Mas houve um dia, enquanto eu e mamãe fazíamos mais uma de nossas patrulhas diárias no buraco da barreira, que eu achei um pequeno pedaço de madeira curvado, que depois Leah me disse ser um arco - por algum motivo, ele estava carregando isso junto com uma pequena aljava em uma mochila quando caiu, e acabou espalhando o que continha pelas Ruínas quando mamãe o carregou até em casa - e foi aí que nos aproximamos, eu estava interessada e curiosa para saber como funcionava, ele disse que sabia como usar e me ensinou.

Me acostumei e, ouso dizer, até me apeguei a ele graças a isso, quase o considerando realmente meu irmão mais velho. No começo essas aulas eram bastante agressivas, pois ele me dizia o que fazer, e eu muitas vezes acabava errando, o que me deixava muito brava, mas, com toda a paciência do mundo, ele continuava a explicação, repetia e demonstrava como era para ser feito, então eu finalmente consegui acertar no meio do alvo improvisado que ele tinha feito e pendurado do lado de fora de casa. Todo o meu ciúmes com relação a mamãe se esvaiu conforme as aulas iam ocorrendo, até que me vi apenas jogando conversa fora com Leah quando devíamos estar treinando. Ele me contava como era a superfície e eu ouvia atentamente, fazendo uma pergunta ou outra de vez em quando. Tudo o que ele me descreveu me fez imaginar como seria viver lá em cima.

Mas, voltando as Ruínas, tirando isso, tenho vivido praticamente da mesma forma de quando ainda morava somente com Toriel - descobri ser esse o nome da mamãe - , ainda vou sempre até aquele buraco ver se mais alguém caiu e, hoje, ela finalmente confiou o suficiente em mim para me deixar ir até lá sozinha, e nisso eu pude enxergar uma oportunidade de tentar saciar uma sede que só vem crescendo em mim ao longo dos anos, mesmo eu tentando, a todo custo, espremê-la para o mais profundo do meu ser, na esperança de que ela não voltasse mais.

Contudo, não houve jeito, caso não satisfizesse essa necessidade tive medo de, alguma hora, perder o controle e acabar descontando-a na minha… família.

—-- Estou indo, mãe! --- gritei para a monstra enquanto saia pela porta.

—-- Se cuida, baixinha. --- Leah se despede, bagunçando meus cabelos.

—-- Ei, para! --- disse rindo --- Eu só sou mais baixa que você porque você é mais velho.

—-- Ta bom, sua birrenta, vai logo, ou alguma coisa vai estar lá e você vai perder.

—-- Seria mais rápido se você não falasse tanto e me deixasse ir.

Eu sempre faço esse tipo de brincadeira com ele, e sempre funciona, digo que é muito tagarela e ele se cala na hora, fica meio emburrado, mas não se passa nem um minuto direito e ele já está falando de novo. É engraçado, mas às vezes irrita, e isso já acabou por se tornar motivo de briga entre nós.

Atravessei a linha que separava a parte de dentro da de fora, arco e flechas na mão, fechei a porta, mas não segui, apenas fiquei parada encostada na porta, ouvindo a conversa que se seguiu entre minha mãe e meu irmão postiços.

—-- Tem certeza de que ela consegue? --- Toriel perguntou, a voz carregada de preocupação, uma típica atitude dela.

—-- Não tem com o que esquentar a cabeça, mãe --- ele também acabou por rotular a monstra como mãe --- , nenhum monstro a atacará, e mesmo se eu estiver errado, ela sabe se defender, tenho absoluta certeza de que ela dá conta.

Ouvi-lo falar de mim assim me aqueceu de um jeito que não soube explicar. Apesar de estar com meus pensamentos voando, percebi quando os passos pesados de Leah se afastaram, juntos dos leves e quase impossíveis de se escutar passos de Toriel.

Decidi que já estava na hora e prossegui, mas assim que atravessei a porta, encontrei aquela estrela novamente, ela brilhava tão intensamente que não pude deixar de ser atraída a ela. Aproximei minha mão, cortando a luz até tocar o ponto de onde ela vinha, abrindo a tela preta. Dessa vez havia algo novo nela, EXP. Me perguntei o que seria aquilo, principalmente pois este indicava uma quantidade, só não sabia de que. Também notei que o botão salvar estava diferente, se comparado a última vez que o vi, nele dizia ponto permanente, mas não me importei muito, logo salvei e deixei o lugar.

Caminhei devagar e lentamente, como um predador em busca de sua presa, até que cheguei num dos quebra-cabeças que cortavam o caminho entre minha casa e o buraco na barreira. Avistei um monstro com a cabeça grande demais para o corpo, completamente branco. Me escondi atrás de um pilar ali perto e mirei, puxei a corda do arco o mais forte que consegui e soltei. A flecha disparou em direção ao monstro, tão rápido que, mesmo que ele a tivesse percebido, não conseguiria fugir.

Após ser acertado, não demorou muito para se reduzir a poeira. Aquilo tinha sido bom, mas não o suficiente, eu precisava de mais. Andei até onde estava o montinho sujo e peguei a flecha de volta.

Não…

Resolvi o quebra-cabeça e continuei meu caminho, não demorou muito e encontrei mais um monstro, dessa vez ele voava, repeti o processo da última vez.

Não.

E de novo…

NÃO!

E de novo…

PARA!

Minha cabeça me dizia, parecia até que gritava sem parar, eu conseguia identificar um tom de puro desespero, talvez fosse o que ainda restava da minha a muito perdida consciência.

Mas eu não ouvi.

Procurei por todas as Ruínas, matei cada um dos monstros que encontrei e, em certo momento, alguém iniciou uma luta comigo, me virei esperando mais uma brincadeira, mais um pouco de diversão, era tudo que eu precisava, mas tudo com o que me deparei foi o vazio do já conhecido cenário preto de lutas, e minha cabeça, quase chorando ao dizer, ecoou uma frase, como se esfregasse na minha cara o quão cruel e fria eu havia sido:

MAS NINGUÉM VEIO.