Unbreakable

Capítulo 8 - Tulipas


6 horas atrás


Via-se em uma casa iluminada, com paredes beges. A pequena criatura loira encostou-se na beira da porta, escutando um par de vozes que conversavam dentro do quarto.


– "Helena, acho que ela não vai aguentar por muito tempo. Ela vai começar a perguntar pela viagem "do pai" que não acaba nunca."

– "Uma hora teremos que dizer a verdade para ela, Henry. Não poderemos sustentar essa mentira por muito tempo. Um ano, no máximo." ela soltou um suspiro. Seu pai achava que ela era burra, no mínimo. Já sabia que ele se casaria novamente. Abraçou os cotovelos, com o olhar baixo. Sentiu um par de mãos em seus ombros e gelou, puxando o fôlego; virou-se rapidamente e fitou uma figura de cabelos negros e olhos azuis como o mar. Ela abriu um sorriso e abraçou o irmão, envolvendo sua nuca com as pequenas mãos.

– "V!"

– "Oi, Minnie." ele abriu um sorriso. "Fazendo o que de bom?"

– "N-nada. O que você tem aí atrás?" ela esgueirou o olhar para as costas do irmão, que retirou de lá uma caixa vermelha, enrolada por uma fita da mesma cor.

– "É pra você. Feliz aniversário, Minnie." Viktor abraçou a irmã novamente, antes dela abrir o presente. Dentro da caixa jazia um colar dourado com um pingente de coração. "Era da mamãe. Vai te proteger." o rapaz colocou o colar em volta do pescoço de Carmen. Abriu o coração e mostrou o retrato da mãe. A menina abriu um largo sorriso e voltou a abraçar o irmão. Francis Henry e Helena, pai e avó de Carmen sairam do quarto e fitaram a menina e o rapaz. A expressão facial de Viktor se fechou ao visualizar o pai de criação, e ergueu a irmã no colo. A avó de Carmen entregou uma boneca de porcelana à menina, que abraçou-a no mesmo instante.

– "Era de Olga, Carmen, da mamãe. Cuide com carinho." o sorriso de Helena se desfez em uma grande escuridão.

Carmen acordou e escutou o barulho do telefone.



Fechou os olhos e sacodiu o rosto, suspirando. Sua visão voltou ao normal, enquanto Sherlock e Greg se aproximaram dela. Carmen soltou a cabeça da boneca de porcelana, deixando-a cair no mesmo local aonde a recolheu.



– "Você está bem?" os dois falam em coro. Sherlock dirige um olhar irado a Lestrade, e volta a prestar atenção em Carmen.

– "Nunca estive melhor. Eu preciso..." Ela caminhou até a rua principal e parou um táxi vazio que passava pela avenida. Adentrou-o com demasiada rapidez e fechou a porta. Ou quase, por ter sido interrompida por uma longa e pálida mão. Sherlock adentrou o táxi e pronunciou um "221b, Baker Street" com severidade ao taxista. Sentou-se defronte a Carmen e fitou-o com olhos leitores. Em vão.

– "Aonde você passou a noite?"

– "Interessa?"

– "Claro que interessa. Se não fosse de meu interesse, não estaria perguntando." Carmen fitou Sherlock com olhos sombrios, as grandes esmeraldas encarando um mar após a tempestade.

– "Quem lhe disse que aonde eu passei a noite é do seu interesse?"

– "Ninguém. Mas é de minha preocupação saber aonde minha companheira de apartamento passou a noite."

– "Não vou te responder, Sherlock." ele bufou. "Ora essa, você não precisa da minha resposta, pode ler o que quiser. Não é?"

Ele não respondeu. Longos quinze minutos se arrastaram até que o táxi parou no 221b. Carmen saiu antes de Sherlock, que pagou o taxista. Ele andejou até a menina que estava parada na frente da porta do apartamento. O homem abriu a porta e Carmen saiu em disparada, escutando mrs. Hudson vociferar do segundo andar:

– "Carmen, Sherlock! Vocês têm visita!" a primeira escalou as escadas de dois em dois degraus, sendo acompanhada por Sherlock. Fitou uma alta figura de cabelos negros, bem vestido, se virar ao casal que acabara de chegar no apartamento.

– "Quem é este homem, mrs. Hudson? Um dos cavalos de Lestr--" Sherlock foi interrompido ao ser empurrado brutalmente para o lado, sendo atropelado por uma Carmen enlouquecida. Ela se jogou contra o homem, que abraçou-a da mesma forma, forçando-a a entrelaçar suas pernas pela sua cintura.

– "V!"

– "Minnie!" ele passou a mão pelos cabelos de Carmen, rodopiando pelo apartamento com ela no colo. Sherlock se recompôs rapidamente e viu tudo em câmera lenta. Pela primeira vez em uma semana, conseguia ver Carmen, com seus próprios olhos. Leu-a com olhos vorazes. Todas as informações apareciam ao lado de seu corpo, como se a cada segundo uma curiosidade nova sobre aquela esfíngica figura surgisse. O cabelo era loiro platinado antes de pintar; fumante desde os dezessete anos de idade; mãos delicadas e dedos finos indicam que toca diversos instrumentos, provavelmente canta, não tem uma boa relação com o pai, maquiagem feita com delineador velho, roupa amarrotada, pés inchados, transou ontem à noite.

Até que tudo desapareceu.

Ele sacodiu o rosto e viu tudo sumir como fumaça, esvairar-se pelo ar quando Carmen tocou os pés no chão e dirigiu os olhos a Sherlock. Poof.

– Sherlock, esse é meu irmão, Viktor. V, esse é Sherlock, um amigo."

Amigo? ele sacodiu o rosto e fitou Viktor com olhos furiosos. Leu-o com a maior facilidade do planeta. E Viktor fez o mesmo. Os dois pareciam se comunicar mentalmente. Faíscas saiam de suas orbes, até que Carmen beliscou o ombro de Viktor.

– "Minnie, é?" Sherlock comentou, engolindo em seco. Carmen sacodiu o rosto e caminhou até seu quarto, puxando Viktor consigo. Eles trocaram um par de ideias e gargalhadas que Sherlock não conseguiu identificar. A porta se fechou em um baque surdo. Sherlock soltou um suspiro e caminhou até o seu próprio quarto. Finalmente podia dormir em paz.



Assim como Carmen. Rápidas três horas se passaram enquanto Viktor e sua irmã conversavam no quarto. Ela acabou por encostar a cabeça no peito do irmão e adormecer. V acariciava a cabeça de Carmen e pensava quietamente, observando seu quarto. Parecia cair no sono também, ao observar uma sombra se formar embaixo da porta do quarto. Lentamente, Viktor saiu de baixo da cabeça de Carmen sem acordá-la e caminhou até a porta. A sombra rapidamente se desfez e Viktor escutou passos se distanciarem. Ele abriu a porta e viu nada. Saiu do quarto da irmã e desceu as escadas, e viu Sherlock na cozinha, preparando um chá. Viktor aproximou-se de Sherlock e segurou-lhe pelo colarinho da camiseta. Os dois eram da mesma altura.

– "Presta bem atenção no que eu vou te falar. É bom você cuidar direitinho da minha irmã, ou eu te caço até a morte, espertalhão. Ela é a única coisa que me resta nesse mundo."

– "Então eu estava certo."

– "O quê?"

– "Você é meio-irmão dela, por parte de mãe. Agora, o que aconteceu com a sua mamãezinha eu já não sei dizer. Um ótimo chute, diga-se de passagem."

– "Fica a mensagem. Faça alguma coisa de mal à ela e eu corto a sua cabeça." Viktor soltou o colarinho de Sherlock e arrumou seu próprio terno, retirando-se do apartamento. Carmen desceu as escadas com um olhar sonolento, vestindo uma longa camisola branca.

– "O que houve? Aonde está Viktor?"

– "Acabou de sair. Disse que tinha um compromisso importante. Quer chá?" ela tinha uma expressão confusa no rosto.

– "Por favor." Ela caminhou até a cozinha e coletou a carteira de cigarros que estava em cima da janela. Acendeu um dos cigarretes com o fogo do fogão e levou-o aos lábios, sentando-se na poltrona preta, com a almofada bordada com a bandeira do Reino Unido no colo. Seu telefone tocou. Era Lestrade. Ela rapidamente coletou o celular e levou-o ao ouvido.

– "Oi.

– "Tudo bom?"

– "Arrã. E contigo?"

"Tudo firme. Quer jantar hoje?" ela abriu um sorriso.

– "Pode ser."

"Passo aí às sete."

– "Certo. Até logo." Sherlock se aproximou com a bandeija e fitou Carmen sentada na sua poltrona.

– "Saia daí."

– "Por que deveria?"

– "Porque esse é o meu lugar."

– "Sente-se aí, homem." ele bufou. Entregou o pires com a xícara à Carmen depois de adicionar um torrão de açúcar. Ela agradeceu com o olhar e repousou o cigarro no canto dos lábios, bebericando o chá. Ele se sentou na frente de Carmen, que baforou a fumaça do cigarro contra o rosto de Sherlock para irritá-lo. Ele bebericou seu próprio chá, inspirando com tudo a fumaça que Carmen liberou.

– "Com quem estava falando?"

– "Interessa?"

– "Se não fosse do meu interesse, eu não estaria perguntando."

– "Não vou entrar nessa discussão novamente." ela finalizou o chá e deixou a xícara de lado. Tragou o cigarro com força e Sherlock se controlou para não roubar o cigarro de Carmen. "Que horas são?"

– "Cinco e trinta e sete." ela se ergueu em um pulo e entregou o cigarro pela metade a Sherlock.

– "Pode ficar." caminhando rapidamente até seu quarto, trancou a porta e foi até o banheiro. A noite promete.

Eram seis e quarenta e cinco da noite quando Carmen desceu de seu quarto até a sala. Estava bem vestida e com uma fragrância nova, o que atiçou Sherlock.

– "Aonde você vai assim, Carmine?" ela soltou um suspiro e caminhou até Sherlock, sussurrando no seu ouvido.

– "Vá cuidar da sua vida." ela deu um beijinho na bochecha de Sherlock antes de sair do apartamento. Aguardou alguns minutos e lá estava ele dobrando a esquina com um sedan prateado. Lestrade parou o carro próximo a Carmen e ela abriu a porta rapidamente. Sentou-se no banco do passageiro ao contornar o sedan e fechou a porta. Lascou um beijo rápido e intenso no homem, que logo após receber o muxoxo, deu partida no carro e dirigiu até sua casa.

A cortina do 221b se fechou. Sherlock não conseguira ver quem dirigia o carro.

Após alguns minutos chegaram no flat de Lestrade. Ele estacionou o carro ao lado da porta de casa e saiu deste rapidamente. Abriu a porta de Carmen e a menina abriu um sorriso caloroso. Ambos se dirigiram a porta da casa do detetive, e este abriu-a ao girar a chave um par de vezes. Carmen adentrou-a rapidamente e observou a ambientação. Estava escuro, à iluminação de velas. A mesa possuia dois pratos, taças e talheres. Ela se virou rapidamente e Lestrade segurava um buquê de tulipas.

– "Feliz aniversário, Carmen." ela agarrou o buquê e abriu outro sorriso. Lascou um beijo de Lestrade e foram jantar.

No 221b, Sherlock revirava o quarto de Carmen. Sapatos, roupas, caixas voavam pelo âmbito, enquanto ele procurava por algo. Após algumas horas, desistiu e ligou o computador da companheira de quarto. Descobriu sua senha não tão facilmente e começou a fuçar o PC de Carmen. Parecia que ela escondia algo de alguém. Provavelmente seu pai. Abriu o navegador e o MySpace estava aberto. Ela tinha aproximadamente duzentos amigos, algumas fotos. Nada de mais. No fundo da enorme pilha de roupas que jazia sobre a cama seu celular começou a apitar. Ele se levantou e observou o relógio. Três da manhã, em ponto. Cavou seu caminho pelas roupas e pegou seu celular. Era Viktor.

"E aí. Alguma coisa?

V"

Ele jogou o telefone em cima da pilha de roupas e sentou-se na beira da cama, bufando. Nunca tinha sentido isso na vida. Seria preocupação, ou ciúmes? Ele não sabia.

Carmen saiu de cima de Lestrade e se jogou para o lado, coberta em suor.

– "Meu Deus." ele soltou, tentando recuperar a respiração. Ela soltou uma risadinha e arrastou o corpo pela cama, alcançando a bolsa. Retirou um cigarro da carteira negra junto com o isqueiro e acendeu-o, pendulando dos lábios. Agarrou a taça de vinho e aproximou-se de Lestrade, sentando-se entre as suas pernas. Carmen deu uma tragada no cigarro e assoprou a fumaça. Lestrade pediu o cigarro e ela o deu. "Você não pede pra desligar a luz, não tem frescura." eles ficaram por alí algum tempo, até o cigarro estar no talo. Carmen escutou alguns estalidos no andar debaixo e olhou para trás.

– "Você estava esperando alguém?"

– "Não que eu saiba." ela escutou uma voz feminina do térreo. "Greg, voltei!" alguns segundos depois, a porta do quarto se abriu e uma mulher de 1,70, de cabelos morenos e olhos azuis adentrou o quarto e visualizou a cena. Carmen sugou o cigarro, praticamente, acabando com este em um trago.

– "Mas o que é isso, Gregory?" Carmen baforou a fumaça do cigarro e virou a taça de vinho. Levantou-se rapidamente da cama. Greg não sabia o que dizer.

– "Elisa, essa é Carmen." A menina estava se vestindo e Carmen escaneou a ex de Greg com rapidez.

– "Acho que vocês precisam conversar, ela acabou de brigar com o amante e quer voltar pra você." Carmen já estava vestida quando saiu do quarto e desceu as escadas. Coletou o buquê e saiu do apartamento. Fitou o relógio. Eram quatro da manhã. Caminhou até a rua principal e suspirou. Estava completamente deserta. Retirou os sapatos e caminhou por vinte minutos até chegar no 221b.

Abriu a porta com a chave silencisoamente e subiu as escadas de fininho. Sem acordar ninguém, foi até o seu quarto. Impecavelmente arrumado. Ela jogou o buquê para o lado e se jogou na cama, adormecendo instantaneamente.

Passaram alguns dias sem que Carmen saísse de sua rotina normal. Ela estava magoada após o acontecimento no seu aniversário. Tentava não pensar nisso, mas a imagem da ex de Greg adentrando o quarto atormentava-a. Cozinhava, cozinhava, cozinhava. Seu telefone não tocara, no máximo algumas mensagens de seu irmão. Toda vez ao entrar no seu quarto, fitava aquele buquê de tulipas avermelhadas. Agarrou-o com brutalidade e o arremessou pela janela.

Três dias se passaram após o último assassinato e Sherlock passara esses três dias sem se mover. Parecia um esqueleto de tão magro. Era noite quando a campainha tocou e Carmen foi atendê-la. Era Lestrade.

Ela soltou um suspiro.

– "Posso ajudar?"

– "Pode." ela caminhou até Lestrade, que segurou-a pelos ombros e jogou-a contra o carro, com os punhos para trás.

– "Carmen Morrigan, você está presa pelos assassinatos de Camilla Belucci e Francesca Harry."