Unbreakable

Capítulo 14 - Crimson


Sherlock encarou Carmen e a menina fez o mesmo. O detetive vestiu sua roupa enquanto a ruiva tentava acertar o gancho do soutien. O mamilo do peito que Sherlock tinha apertado parecia explodir. Carmen não era uma pessoa com receios sobre sexo, mas aquela situação a deixou extremamente envergonhada. Ela vestiu um robe e saiu de seu quarto em direção a cozinha, e ao se deparar com um Mycroft lendo o jornal sentado na mesa da sala, soltou um grito.
Sherlock correu do quarto da menina e colocou-se embaixo do portal que separava o hall da sala, e fitou a cena.

– O que houve? - ele observou Mycroft abaixar o jornal e fitar o irmão sem blusa, todo descabelado (mais que o normal) e a companheira de apartamento do caçula só de roupão, com um decote suspeito, a maquiagem de ontem borrada e os olhos avermelhados. Carmen ficou mais vermelha do que ja estava, fechou o robe ao perceber o olhar demorado de Mycroft para seu busto e foi em direção ao fogão preparar o desjejum.

– Bom dia, Sherlock. Carmen - Mycroft fechou o jornal e o colocou em cima da mesa, cruzando as pernas, posicionando um de seus pés sobre o joelho oposto - Feliz Ano Novo.

– O que você quer logo de manhã, Mycroft? - Sherlock agarrou o jornal e comecou a lê-lo, antes de rosnar de fome. - Vambora, Carmine! Estou morto de fome.

– Não sou sua empregada, Sherlock Holmes. - ela colocou a bandeja que segurava na frente do detetive, com um bule de água, outro de leite e tres xícaras, torradas, um rocambole e um pote de geleia. - Larica do caralho.

Ela se sentou ao lado de Mycroft, que olhou para a menina analisando-a depois de seu comentário. Intrigado e perplexo ao mesmo tempo, Mycroft fitou seu irmão, que ergueu o jornal sobre seu rosto. O Holmes mais velho tentou não pensar e iniciou um novo assunto.

– Sem mais delongas - ele devolveu a xícara do chá que bebericou ao pires - explicitarei meu objetivo em incomodá-los logo no primeiro dia do ano. Hoje a noite haverá um baile beneficiente de mascaras para comemorar o Dia Mundial da Paz, e seria de suma importância para a investigacão de vocês. Eu recomendaria um disfarce. Aqui estão os convites, e Anthea vai passar por aqui as três para deixar os trajes.

Os dois pareciam não se importar com a presença de Mycroft: Carmen virou o chá fervendo goela abaixo, Sherlock serviu em duas torradas uma quantidade exorbitante de geleia, e as comeu de uma vez só. A menina serviu rocambole em seu prato, e ao tentar roubar um pedaço do doce, o detetive recebeu uma fincada do garfo da ruiva em sua mão.

O Holmes mais velho encarava os dois famintos com um olhar perplexo e surpreso ao mesmo tempo. Carmen percebeu o olhar e pigarreou, indicando a Sherlock parar de comer. A cara da menina estava cheia de farelos e uma gota de chá escorria de sua boca até pingar em um de seus seios. Sherlock olhou para o irmão como uma criança que é repreendida por comer chocolate demais pelos pais, com geleia pela boca inteira.

Mycroft colocou um par de convites sobre a mesa, e Carmen os fitou com olhos investigativos. Aquilo era suspeito. Ela dirigiu o olhar a Sherlock, e aparentemente ele compartilhava o mesmo pensamento dela.

– Por que você esta nos ajudando, Mycroft? - Carmen observou o homem com olhos frios, capazes ate mesmo de assustar o Holmes mais velho, que desviou da pergunta com um sorriso ordinário.

– Bem, eu vou indo. Muito obrigado pelo chá, Carmen. Sherlock - Mycroft ergueu-se da cadeira, arrumou o terno e caminhou em direção a Carmen.

– Anthea vai passar aqui às três com os seus trajes. Eu tomei a liberdade de especialmente escolher o seu vestido, Carmen. Você usa 34, certo? - ele segurou o queixo da menina com o polegar e o corpo do indicador. Carmen encarou Mycroft e ele, com um sorriso atrevido, se retirou do apartamento em silencio.

Carmen se virou para Sherlock e fitou com um olhar confuso, e o detetive respondeu com olhos duvidosos e uma careta que fez a menina acenar negativamente.

O dia seria longo.

Sherlock atendeu a porta às três, precisamente. Anthea entregou os dois trajes ao Holmes mais novo com a mesma rapidez que se retirou.

Antes de entregar o vestido a Carmen, ele tomou a liberdade de ver a roupa.

Suspirou.

– Carmine?

– Entra. - ela estava terminando a maquiagem e se deparou com um Sherlock ligeiramente desesperado.

– Você pode... ahem... me ajudar?

– Com o quê? - ela desviou o olhar do espelhinho de mão e encarou o detetive consultor com um sorrisinho cético no canto dos lábios.

– Você sabe - ele encarou a grande bagunça que era sua gravata-borboleta. - Não torne isso mais difícil, Carmen. Você sabe que eu não me dou bem com gravatas.

Ela se ergueu da cama e se aproximou de Sherlock, colocando-se sobre as pontas dos pés para reduzir a imensa distância entre suas mãos e o pescoço de Sherlock. Desfez o nó com carinho e refez o laço com lentidão, cantando passo-a-passo do que fazia.

– Obrigado - ele respondeu, sem graça. - E... você está muito bonita. - Ele saiu rapidamente do quarto, e deixou uma Carmen perplexa.

O que diabos foi isso?, ela refletiu.

Meia hora depois, os dois estavam dentro do táxi. Sherlock concentrava-se em sua respiração e Carmen fumava o segundo cigarro da viagem. Um silêncio sepulcral perdurava entre os dois como a fumaça que a menina expulsava compulsivamente dos pulmões.

– Você tem alguma pista do que Mycroft espera desse circo todo?

Sherlock se assustou com a repentina quebra do silêncio.

– Vai ver esses assassinatos estão atrapalhando os negócios. Como ele não pode resolver isso sem arriscar o próprio pescoço, ele recorre ao irmão. Pff. Chegamos.

A festa tinha um clima noir, toda em preto em branco. Sherlock vestiu sua máscara e Carmen fez o mesmo. O taxista parou e as duas portas do táxi foram abertas pelos recepcionistas da festa. Rapidamente, o detetive pagou o taxista e o casal saiu do carro. Carmen sentiu uma onda de vergonha ao perceber todos os olhos nela e em Sherlock, que capturou sua cintura e adentrou o salão.

– Temos de fingir que somos um casal. Meu nome é Patrick Staines, tenho vinte e oito anos, e vocé é Judi Cartwright, de vinte e cinco.

– Você não tem cara de Patrick. Tem cara de Sherlock.

– Calada, Judi. Você vê algum alvo em potencial aqui?

– Eu já identifiquei alguns parentes meus, mas nenhum que se identifique com o padrão que criamos.

Sherlock escorregou um anel de noivado falso no anelar direito de Carmen, o que assustou a menina.

– O que é isso?

– Nós somos casados. Se alguém perguntar, nos conhecemos em Glasgow.

– Por que estamos nos disfarçando, Sherlock?

– Porque o assassino pode estar aqui.

– Eu acho muito difícil que ele vá fazer seu espetáculo aqui.

– Quer pagar para ver?

Ela capturou uma taça de champagne e a bebericou, apenas para senti-la ser retirada de suas mãos por Sherlock.

– Estou muito sóbria para isso, Sh--

Ele dirigiu um olhar feio a Carmen.

– Patrick. Ahem.

Eles caminhavam em círculos como dois amantes que discutiam detalhes sórdidos do que aconteceria nas profundezas da madrugada, mas nada mais faziam além de deduzir sobre possíveis vítimas. Por muitos momentos, os dois tinham de se controlar para não voarem em seus pescoços, e elevar o tom de voz sobre um assassinato em meio de políticos e até mesmo um nobre ou outro não seria uma boa ideia.

Eles se direcionaram ao centro do salão quando a valsa começou a tocar. Sherlock guiou Carmen pelo suave toque de sua mão, posicionando-se para iniciar a lenta dança.

– Eu não sei dançar, Sherlock! - ela rosnou entre dentes.

– Só... me deixe guiar.

Eles dançaram um movimento desconhecido de algum compositor do século XIX lentamente. Sherlock parecia tranquilo com o corpo colado de Carmen contra o seu, que parecia se embriagar na colônia amadeirada do detetive.

A valsa terminou e Sherlock quebrou o encanto de Carmen.

– Você vê alguma coisa, Judi?

– Ahn?

Ele suspirou.

– Ah... pior que vejo. Tem um cara velho acompanhado de mais dois caras vindo pra cá.

O do meio era rechonchudo, com a cara vermelha de tanto beber. Os outros dois pareciam assistentes de gabinete.

– Carmen? É você, Carmen? É a filha do Henry, Michael! Olha que pitéu! - o homem praticamente gritava, com um típico sotaque italiano, chamando todas as atenções ao casal.

– Puta que pariu, Sherlock! É o meu tio Giacco. Ele vai fuder com o disfarce todo!

– Mantenha a calma.

– Ele está se aproximando!

– Olhe para mim, e preste atenção. Eu preciso que confie em mim. Ok?

Ela acenou.

– Eu preciso que me beije.

– Quê?!

– Agora, Carmen! Senão o disfarce vai ser descoberto!

– Mas-- a menina não teve tempo de reagir. Sherlock posicionou sua mão na nuca de Carmen e a puxou contra si, afundando seus lábios nos da garota. Os dois fecharam os olhos imediatamente, e após superar o susto, a ruiva abriu os lábios, permitindo a passagem da língua de Sherlock. No começo, o detetive parecia amargo, os lábios duros e em equilíbrio estático. Mas conforme o tempo passava, ele se tornava mais doce, brincando com os pêlos da nuca da menina, fazendo-a arrepiar. Ele enrolou seu braço livre pela cintura da garota, apertando-a contra seu peito, deixando-a mais escondida, dificultando ser visualizada na multidão.

Ela podia beijá-lo pelo resto da noite, mas ambos foram surpeendidos pela escuridão que tomou o salão. Com o som típico da queima de geradores, as luzes foram apagadas. Eles se separaram rapidamente.

– O que é isso?

– Marco... Polo.

Ele apontou para o palco. Alguns movimentos eram reconhecidos, mesmo com o breu que dominava o âmbito.

Eles permaneceram juntos por um pouco mais que sete minutos, até que uma voz ecoou pelas caixas de som.

– Boa noite, senhoras e senhores! Vocês continuam no escuro, queridos!

Um holofote branco dirigiu sua luz ao palco, que em um som metálico revelava um corpo pendurado por correntes, com um corte profundo no abdomem; as tripas do homem gordo pendulavam junto com seu corpo inerte, e uma poça de sangue se formava embaixo do cadáver.

Carmen via vermelho. Viu uma silhueta negra erguer seu braço em direção à ela e depois não viu mais nada. Sentiu a dor e depois a dormência da lateral do corpo. Tateou a cintura e descobriu o que esperava não ser.

– Sherl... - ela tentou se segurar antes de cair no chão, chamando a atenção do detetive. Ele estranhou o movimento, e quando a ruiva tombou contra o chão, as luzes se ligaram novamente. Os convidados fitaram o palco e começaram a gritar. Mas o que atraiu a atenção de Sherlock foi a ausência de sua parceira.

O corpo de Carmen encontrava-se inerte no chão, e uma pequena poça de sangue se formava.