O seguinte dia letivo seria decisivo. Dulce tinha pensado em tudo, nas palavras do namorado, nas palavras dos amigos, em suas próprias razões para continuar ou descontinuar o projeto. A decisão, de sua parte, seria positiva. No entanto, nesse dia teria que comunicar à diretora, com maiores detalhes, todo o planejamento e todos os recursos que precisaria para seguir adiante com os meninos.

Dulce dava aula de coral para as crianças inscritas nessa modalidade extracurricular apenas duas vezes na semana, nas terças-feiras e nas sextas-feiras. No restante da semana, ela planejava suas aulas, ajudava na organização de projetos da escola e, quando necessário, estava livre para cumprir com compromissos relacionados à sua saúde, os quais eram bastante frequentes no cenário atual, mas tenderiam a diminuir à medida em que ela fosse se recuperando.

A sala de professores estava cheia de docentes, com livros e pastas a postos, em volta de uma mesa grande e larga, como se fosse um grande culto ao item que se colocava no centro da mesa: a garrafa térmica de café. Dulce se uniu a eles, agarrando uma caneca com seu nome e completando-a com o líquido preto, a fim de se preparar para a conversa com a diretora.

— Ouviram o que aconteceu na clínica? — um dos professores de matemática perguntou, puxando assunto com outros que estavam à sua volta. — O prefeito comentou que essa pessoa pode ser perigosa.

— Talvez — a professora de artes considerou. — Não podemos saber ao certo, nem sabemos direito o que aconteceu. O que será que ele procurava?

— Na clínica? — A professora assentiu em resposta. — Provavelmente o protocolo médico de alguém. Mas por que alguém quer pegar registros médicos de outra pessoa?

— Mas ainda houve os outros dois eventos, na casa dos padeiros e no depósito da cidade. Não é possível que tenha sido a mesma pessoa… Ou seja, com que intuito destruiria coisas da cidade e invadiria uma casa e mataria um gato e reviraria uma clínica?

— Não saberemos enquanto não descobrirmos quem foi — concluiu o professor de matemática logo depois de escutar o sinal que acusava o início das aulas. — Bom dia, pessoal!

Dulce escutou a conversa em silêncio. Não queria ter mais um tema martelando em sua cabeça logo de manhã e logo no começo da semana. Já era sofrimento demais passar por toda a confusão que tinha passado durante o final de semana com tantas inseguranças em relação à filha, ao trabalho, a ela mesma. Caminhou até a diretora, que se sentava em um dos lados da mesa mexendo em alguns papéis.

— Margaret, bom dia. Precisamos conversar — ela anunciou, puxando uma cadeira para também se sentar. — Você pode falar agora?

— Dulce, querida, precisamos, eu estava pensando exatamente nisso. Como foram os exames na sexta?

A professora de canto desviou o olhar para suas próprias anotações, deixando visível o incômodo sobre o assunto. Esperava que Margaret puxasse o assunto do coral, e não de seus exames de saúde. Mesmo assim comentou rapidamente, apenas para não deixar a diretora sem respostas.

— Tudo bem, como sempre. É um processo meio chato e os resultados demoram um pouco para sair, então não estou pensando muito nisso. — Esperou um sinal de compreensão por parte da colega de trabalho e então prosseguiu, entrando no tema que realmente queria conversar. — Margaret, estive pensando na proposta do concurso que os meninos fizeram na sexta. Podemos falar sobre isso?

Margaret abaixou os papéis em sinal de atenção.

— Claro! E então, o que você esteve pensando?

— Acho que as crianças não podem perder a oportunidade de colocar em prática aquilo que estão aprendendo e eles são realmente bons no que fazem, mesmo que eu não esteja confortável com isso. — Dulce fez uma pausa, buscando entre suas anotações o cronograma que havia preparado. — Olhe, no final de semana pensei em algumas formas de cumprir com o que pede o edital do concurso e algumas músicas possíveis. Organizei tudo o que era necessário, desde coisas como tempo para ensaiar, alguns passos para as coreografias e o que vamos precisar que a escola ajude.

A diretora recebeu os papéis com receio. Pela experiência de Margaret, quando um professor propunha algum projeto explicava a proposta em forma de ideias, mas a maioria deixava de lado o material que precisaria e ela era a responsável por pensar em todo o resto. Dessa vez, Dulce antecipou esse trabalho e ela foi grata.

— Bom, sendo a apresentação uma atividade não-obrigatória, precisamos então de um pouco mais de tempo na sala para dividir o horário da aula. Uma parte para fazer a aula normal, e outra para os meninos que forem se apresentar. — A professora olhou com cautela para Margaret. — Acha que é possível dispor de mais esse tempo?

— Bem, esse tempo a mais faria com que as crianças que forem se apresentar precisassem faltar de outra atividade. Mas isso é conversável com os outros professores e também com os pais. Vamos fazer uma comunicado para as crianças levarem para casa amanhã explicando tudo, o que acha?

Dulce novamente revirou os papéis.

— Eu deixei mais ou menos pronto com a explicação de como ocorrerá o concurso — disse, tendo o papel retirado de sua mão com certa euforia pela diretora. — Só preciso que você coloque na folha timbrada e escreva nos moldes certinhos de comunicado para os pais.

— Você é um anjo nessa terra, mulher, já te disseram isso?

Dulce riu.

— Já, mas não vem ao caso. — Dulce tinha flashes de lembranças de sua vida antes de chegar a Paraíso Real. Recebia muitas mensagens pelas redes sociais, algumas bem críticas, mas havia também aqueles que faziam com que ela se sentisse especial. E dizer que ela era um anjo era uma das coisas que ouvia destes seguidores. — Queria mostrar para você também o que eu pensei que eles pudessem cantar, quero saber se você acha adequado, se tem outras sugestões… E também o cronograma.

Entregou os dois a Margaret, retirados do meio da pilha de papéis que carregava.

— A intenção é que as crianças possam escolher as cinco músicas pedidas entre essas que eu vou disponibilizar, para que eles também façam parte do processo de planejamento e aprendam a fazer isso — explicou.

— Ótimo! São habilidades de organização, crianças precisam aprender a se planejar. E eles têm alguma preferência de música no edital? Estipulam alguma coisa assim?

— Eles querem homenagear a música nacional dos anos dois mil. Escolhi algumas que foram mais influentes nesse período.

A lista era composta por algumas músicas que Margaret tinha uma lembrança vaga. Desde artistas solos, como Belinda, até grupos, como Camila, Reik e RBD. A diretora aprovou as escolhas, dizendo que já tinha ouvido algo nos rádios e ainda referindo que as crianças iam adorar conhecer essas canções.

— Assim espero — considerou Dulce.

— Elas vão, garanto a você. E esse é o cronograma, certo? Acho que está justo, tem bastante tempo. Se você, que é a professora e está a par das habilidades dos seus alunos, considera possível, eu assino embaixo.

Dulce soltou o ar que tinha mantido preso durante a conversa, aliviada. Com a aprovação da diretora seriam várias coisas a menos com que se preocupar. Agora precisava colocar o plano em prática e preparar as crianças o máximo que podia. E talvez essa seria a parte mais fácil do que estava por vir. Essa preparação toda ainda envolvia o trabalho de ela, Dulce, conseguir se preparar para estar lá presente. Não seria uma tarefa muito fácil.

— Obrigada, Margaret. Então você pode preparar os comunicados para que eu entregue aos meninos amanhã?

— Com toda certeza.

— Eles ficarão felizes em saber que irão competir.

— E quanto à sua presença no evento? — Margaret perguntou com semblante sério, deixando claro que tinha uma opinião sobre o tema. — Decidiu se você vai?

— Isso é assunto para quando estivermos mais perto da apresentação. Vou trabalhar nisso.

***

A hora do almoço era sagrada para Dulce, e sendo assim ela sempre fazia com que fosse um momento especial. Normalmente, Luísa ficava em período integral fazendo atividades na mesma escola em que a mãe trabalhava, exceto se Dulce tivesse algum problema que precisasse tirá-la das aulas mais cedo. A escola inclusive proporcionava almoço para as crianças de período integral, facilitando a vida daqueles pais que tinham pouco tempo de intervalo entre um turno de trabalho e outro. Luísa, no entanto, raramente comia na escola: ela e a mãe iam para o café da cidade quase todos os dias comer algo preparado por Lucas e passar um tempo juntas.

De mãos dadas com a filha, elas saíram da escola rumo ao café e como sempre Dulce passava o trajeto indagando como tivera sido o dia da pequena e tentando traduzir algumas palavras que ela ainda não sabia falar.

— Então agora vamos almoçar, comer direitinho para ter forças para brincar a tarde toda, o que você acha?

A dupla já se aproximava na praça principal. Era o local em que tudo ocorria na cidade: todos os eventos, todas as reuniões, todos os piqueniques, as tardes em família, as saídas da escola. Paraíso Real girava em torno dessa praça e a considerava o maior bem que o município possuía. Geralmente, à hora do almoço, as pessoas não paravam por lá. Apenas era possível ver pessoas que passavam, como Dulce e Luísa faziam. Mas nesse dia, a praça estava cheia, com um aglomerado de pessoas que chamava atenção de longe.

— Vamos tomar sorvete — disse Luísa, olhando divertida para a mãe. — De chocolate.

— Você está me dizendo que quer almoçar sorvete? — Dulce provocou a pequena, enquanto tentava entender o que acontecia por ali.

A filha riu.

— Ah certo. A gente almoça sorvete e fica sem energia para brincar o resto do dia. Passa o dia deitado, sozinho e triste. Acho que pode ser.

— Não! — Luísa respondeu, ainda risonha.

— Então a gente come comida e, se tiver tempo, a gente toma sorvete depois — Dulce deu por encerrada a conversa, aprovada pela criança.

Elas atravessaram o resto do caminho da praça até o café em silêncio. Em meio ao aglomerado de pessoas, havia as que falavam alto e discutiam, um par delas, enquanto o restante ouvia atento. Dulce não conseguia entender sobre o que falavam, mas parecia ser importante e, cedo ou tarde, ficaria sabendo do que se tratava toda a confusão, sendo assim, foi encaminhando-se para seu destino e sentando-se com Luísa a uma mesa livre da cafeteria.

— Qual é a desse grupo aí na praça? — Lucas perguntou, aproximando-se da mesa em que a dupla estava. Ele carregava um bloco de papel e uma caneta, pronto para anotar o pedido do almoço. — Faz uma meia hora que eles estão discutindo, mas até agora, estranhamente, ninguém entrou aqui contando.

— Eu também não consegui ouvir, Lucas. Mas vamos querer comer o de sempre.

Lucas a olhou com desgosto como todo dia o fazia quando ela pedia a comida. Dulce seguia uma dieta vegetariana e sempre que almoçava no estabelecimento de Lucas, pedia pratos sem carne tanto para ela quanto para Luísa. Era parte de seus valores.

— Vocês vão acabar morrendo de anemia.

E se afastou. Dulce sorriu com a reação do dono do local e continuou dando atenção à filha, explicando o que comeriam e que desta vez queria ver a pequena usando os talheres sozinha. Foi interrompida por um grupo de pessoas, que chegou falando alto e que claramente vinha do aglomerado que estava formado por um tempo na praça, mas que agora estava dissipando.

— É o cúmulo! — Gritava um deles. — Causou um problemão na clínica e agora isso!

Todos, inclusive ela, viraram as cabeças na direção da porta com o intuito de entender o que havia acontecido de tão frustrante.

— Teremos que ficar atentos! — Completou um segundo homem. — Houve uma tentativa de invasão ao laboratório! Esse desconhecido só pode estar indo atrás de material para fazer uma bomba!

De repente, o café explodiu em vozes alarmadas e arrastos de cadeiras por toda parte. Lucas trazia os pratos de Dulce e Luísa com uma expressão de raiva no rosto que Dulce só via quando alguém o incomodava em relação a mudança da fachada do lugar. Um grito mais alto que todos ecoou e foi seguido de um silêncio. Lucas odiava bagunça em seu estabelecimento.

— Atenção! Todos fora daqui! É proibido falar alto nesse lugar! — ele começou a conduzir as pessoas até a porta visivelmente irritado e era conhecido que, quando ficava assim, ninguém mesmo poderia ficar perto dele. — Vamos, senhor, já deu muito o falar aqui na cidade, não é mesmo? Então fale lá fora, deixe meu café em paz!

Lucas bateu a porta e respirou fundo. Apenas Dulce e Luísa ficaram e fizeram o possível para não incomodá-lo mais. Ele foi para dentro da cozinha, como um bichinho que volta para a toca quando algo o incomoda.

— É, Lulu. O tio Lucas não está muito legal hoje.

Luísa comia com dificuldade e tentava olhar para dentro da cozinha, curiosa com o temperamento ruim de Lucas, enquanto Dulce fazia sua refeição em silêncio.

Foi quando Jorge chegou. Ele era o especialista em saber de todos os acontecimentos da cidade, conhecia a todos, conversava com as pessoas que estivessem em seu caminho da escola até a casa, tanto que seu percurso normalmente demorava três vezes mais que Dulce levava para voltar a pé com Luísa e seus pequenos passinhos de criança.

— O que aconteceu por aqui, gente? Que caos é esse? E essa gritaria?

— Uma bagunça mesmo, o Lucas ficou tão bravo que expulsou todo mundo e foi lá para a cozinha — Dulce respondeu.

— Ah! E eu perdi tudo isso?

— Você sempre chega atrasado, amigo. Acaba perdendo todos os eventos.

— Eles estavam lá fora conversando sobre os atentados na cidade. — Jorge puxou uma das cadeiras vazias e sentou-se ao lado de Dulce enquanto ela almoçava e auxiliava Luísa na tarefa. — Olha só, disseram que viram uma pessoa estranha rondando o laboratório hoje. Um homem de moletom, calça jeans e tênis, todo mundo que viu disse que não conhecia. Muito esquisito, aqui todo mundo conhece todo mundo. E é ainda mais estranho depois que a clínica foi arrombada, você não acha?

— É como eu disse, essa história toda é muito mal contada. E aí esse cara entrou aqui dizendo que estão querendo montar uma bomba. E o Lucas ficou doido quando ouviu as pessoas entrarem em pânico.

— Poderia até ser. Mas sei lá, ninguém sabe de nada ainda.

— Eu odeio esse tipo de coisa… Uma pessoa inventa hipóteses dentro da cabeça e, ao invés de procurar saber se isso pode ser uma opção real, ele espalha como uma verdade certa. — Dulce se lembrava como era ser vítima de algo desse tipo, sabia que já tinha passado por situações assim, mas não quis comentar o fato com Jorge. As pessoas de Paraíso Real não eram grandes fãs da mídia e de artistas, pela sua sorte. — Claramente uma fofoca.

— É, imagina só. Vai ver tudo que pensamos está errado mesmo. Quem seria capaz de fazer coisas assim?

— Talvez alguém que não se importe com a cidade — ela rebateu.

— Ou seja, alguém que não seja daqui. Todos daqui gostam de ser daqui e respeitam Paraíso Real.

— As pessoas não chegam nunca de fora? Ou sou a única que apareceu aqui do nada?

Jorge não respondeu. Não era normal que a cidade recebesse visitas, era tão pequena e tão invisível no mapa que era comum que os viajantes passassem por ela sem nem perceber. Mas Dulce chegou há três anos, vinda da Capital, com um coração partido e tentando viver algo fora de sua rotina por uma semana, na tentativa de se acalmar e voltar com a cabeça fria para resolver seus problemas. Ela se lembrava de como tinha sido tratada nessa época: todos a bajularam e ela, nesse mesmo café, conheceu Lucas, que indicou que ali não havia nenhum hotel, porém ela devia procurar Jorge e Paola, pois eles tinham um quarto extra para alugar em sua casa. Com eles, ela ficou por uma semana antes do evento que a fez ficar em definitivo.

Era interessante. Quando alguém de fora chegava, toda a cidade ficava sabendo, era um acontecimento. Havia uma assembleia, uma organização de todos para que o hóspede não fosse maltratado. Mas não nesse caso. Uma pessoa nova chegou, porém ninguém soube e, no menor sinal de uma presença estranha, todos temeram. Uma série de coisas estranhas aconteceram num curto espaço de tempo e a explicação era essa: uma pessoa estranha estava na cidade sem que ninguém soubesse de antemão.

Dulce foi tirada de seus devaneios quando a porta rapidamente foi aberta e fechada, no entanto ninguém entrou no local. Lucas saiu da cozinha e sentou com eles à mesa, enquanto Jorge foi quem se levantou e caminhou até a porta buscando pistas, apenas encontrando um envelope com letras desenhadas e um pequeno bilhete dentro. Ele o levou até a mesa, onde a amiga terminava a refeição com a filha, ainda com o olhar fixo na janela, tentando buscar quem pudesse ter deixado o envelope com tanta pressa.

— Deixaram isso — comentou ao mesmo tempo em que mostrava o envelope a Dulce. Ela se virou, tentando buscar em vão alguém que estivesse do lado de fora com alguma expectativa no olhar. — Será que a gente abre?

Ela não respondeu, apenas pegou o papel de dentro do invólucro e leu.

“A mídia vai ficar bastante impressionada quando souber.”

Dulce sentiu que o coração parava. Seria possível que alguém a tinha encontrado depois de tanto tempo?

***

Um aglomerado na praça era o local ótimo para passar despercebido. Enquanto todos discutiam a bagunça que foi feita, ele poderia caminhar tranquilo e perfeitamente depois que já havia ficado alguns dias para entender a cultura dessa cidade, a forma como se comunicam e sobre sua rotina.

Do ponto onde estava podia ver que ela se aproximava com uma criança segura pela mão. Esse dado era bem novo, mas nesse momento não poderia registrar nada: as pessoas ali estavam reunidas para um fim muito específico, que era criticá-lo. E essa era realmente a intenção, deixar todos muito impressionados com acontecimentos aleatórios, plantar pistas falsas para que o caminho dele ficasse livre e ele pudesse ter cada vez mais informações sobre ela.

Os dois homens ainda falavam muito alto e podia ver que algumas pessoas começaram a sair do grupo. Ela já não andava a céu aberto, estava na cafeteria, como ele sabia que ela faria. Era só uma questão de tempo para o dono do lugar se irritasse e assim ele teria a oportunidade de ir até lá sem ser visto.

O envelope provocador estava pronto e ele teria que ser rápido para cumprir com o plano, já que agora tinha mais uma pessoa ali com ela. O bilhete seria levado e teria que ser no exato momento em que alguns fatores ajudariam: algumas pessoas teriam que passar na calçada, os que estavam dentro do local deveriam estar de costas. O menino que faria o trabalho já estava recebendo o envelope das mãos de outro e então aconteceu. Eles viram a carta.

Era impagável.

Ele se sentiu satisfeito. Boa parte agora ocorreria naturalmente e era só uma questão de dias para que pudesse expor onde estava Dulce depois de todo esse tempo. Faltavam apenas detalhes, informações que acreditava logo poder conseguir, com outras estratégias, claro. Seria cuidadoso.

— Você também ficou sabendo da última?

Ele se assustou. Ninguém até então tinha considerado que ele era um morador de Paraíso Real. Era uma passo importante em sua empreitada.

— Todos ficamos sabendo! — ele respondeu, fingindo indignação. — Não estamos mais seguros.

— Fiquei sabendo que o prefeito vai convocar mais uma assembleia. Agora foi o laboratório, onde vamos parar?

Ele queria sorrir mas não podia. Estava dentro de um personagem, por mais que ele nunca tivesse sido um ator, e assim deveria ser.

— Quem sabe alguém pode ter uma ideia de como pegar esse cara. Imagine só, material para bombas!

— Nunca na história de Paraíso Real tivemos uma ameaça assim — o homem seguiu, melancólico.

— E vamos continuar não tendo, se depender de nossa sociedade.

O homem sorriu e se afastou. Ele estava realmente satisfeito, seu plano até então estava cada vez melhor. Deveria conversar com mais pessoas, ser parte integrante desse sistema para que pudesse estar preparado. Sendo parte, ele poderia frequentar as assembleias e ouvir tudo, se precavendo das ações da cidade e criando seus planos de ação a partir disso. Seria incrível. E Dulce ficaria mais vulnerável enquanto o foco dos moradores fosse o criminoso que ameaçava a paz e a civilidade de Paraíso Real.

E mais: o quão conveniente era estar em um lugar onde as pessoas não tinham a cultura de acessar as mídias? Ninguém ali assistia televisão, ninguém sabia quem ela era, nem quem ele era. No máximo assistiam filmes e desenhos animados alugados na locadora, enquanto o mundo vivia de streaming. Não havia sinal de internet naquele lugar. Um Paraíso travado nos anos 80. Perfeito para que uma artista internacionalmente conhecida ficasse escondida. Mas não por muito tempo. Seria um furo de reportagem que o deixaria milionário.