Hope olhava maravilhada a pedra que levitava acima da mão de Ismira, mas isso foram só alguns segundos. Sírin dissera que a levaria até Ellesméra, lá elfos mais experientes a ensinariam mais aprofundadamente.

– Você é uma feiticeira agora? – Disse Hope incrédula. Seus olhos castanhos escuros fitavam a pedra preta na mão rosada de Ismira. Seus cabelos estavam soltos e penteados, usava um vestido vermelho simples, Apesar da cor forte, porém belo.

– Não, uma feiticeira não. – Respondeu Ismira sem animação. – Acha que ganharei uma batalha de magos levantando pedrinhas? – Atirou a pedra pela janela de seu quarto. – Não quero sair daqui. Não quero ir para Ellesméra, Sírin pode muito bem me ensinar aqui. – Já havia visitado a floresta dos elfos uma vez, e achou encantadora, mas passar uma temporada fora de Carvahall... Não, ela não conseguiria.

– Eu não recusaria. – Disse Hope olhando pela janela do quarto. Seu pescoço era longo e belo, e seus ombros bem alinhados. Hope tinha postura de uma dama, quando necessário, mas quando pegava no cabo de uma espada, era outra pessoa. – Passei os anos da minha vida olhando para essas montanhas. Sim, me orgulho de viver aqui, é... um bom lugar para viver, mas existem outros. Você não deseja experimentar uma vida diferente? Deseja passar o resto de sua vida dentro dessas muralhas?

Aquela era uma pergunta difícil de responder. Não queria passar o resto de sua vida em Carvahall, mas também não se imaginava em outro lugar.

– Eu não me importaria. – Disse indo contra o que pensava. Era difícil para ela admitir que Hope tinha razão. – Eu não sei ainda, não quero falar sobre isso.

Hope continuou olhando pela janela, seu olhar acompanhava o barulho das ruas, as carruagens, os cavalos, sempre constante. Até que seus olhos brilharam e focaram em algo especial.

– O elfos chegaram! – Exclamou olhando para baixo com curiosidade. – Venha ver, eles são magníficos.

Ismira levantou da cama e encostou-se na janela, junto de Hope. Dois elfos vinham em cavalos brancos, menores que os que Ismira costumava ver, mas tinham algo a mais de diferente que ela não conseguia perceber.

O elfo que seguia na frente, tinha o cabelo longo, que caia sobre o peito magro. Usava uma túnica verde e Tinha um arco prateado com uma aljava de flechas presos nas costas. Ali da janela de pedra não era possível ver muito, mas a alegria dos recém chegados era clara. O elfo que vinha atrás repousava a mão cuidadosamente em um dos alforjes do cavalo.

Os elfos deveriam ter chegado dois dias antes, mas a rota não foi bem elaborada.

No meio do pátio da cidadela, havia sido montada uma plataforma de madeira de aproximadamente um metro e meio de altura, uma escada a ligava ao chão branco de neve.

Em todos os lugares de Carvahall – Que sua vista podia alcançar –, Ismira via olhares curiosos direcionados aos elfos. A multidão estendia-se até os cantos da muralha esverdeada pelo musgo. E na muralha mais soldados do que de costume.

Ismira procurou, em todas as direções dos muros extensos, por Serje, e então o avistou imóvel, com os cachos cobertos por um meio-elmo. Friamente posicionado, com um arco em uma mão e uma flecha na outra, esperando por um aviso qualquer, para defender a cidadela de o que quer que fosse.

Às vezes Ismira admirava Serje, por ser um guerreiro, mas vê-lo postado na muralha, daquela forma, quebrava seu encanto. Não era daquela forma que ela via um guerreiro nas histórias que ouvia. Serje – Posicionado naquela muralha, daquela forma – Parecia mais com os homens que morriam na guerra.

Uma batida frenética levou seu olhar novamente ao elfos, que escoltados por homens de Carvahall, subiam a plataforma, passando por cada degrau como se não pisassem realmente neles, como se seus pés flutuassem por eles. Dois homens tocavam um único tambor, atrás dos elfos. Outros dois homens subiam a plataforma carregando uma espécie de mesa acolchoada, e colocaram-na no centro.

O elfo que protegia o alforje do cavalo, agora segurava seu conteúdo, Um ovo de dragão, de tamanho médio.

Hope olhou para Ismira, com seu sorriso travesso abaixo do nariz arrebitado.

– Vamos, vamos lá, começou. – Puxou Ismira pela mão e a guiou até a porta à passos rápidos, e em seguida pelos corredores.

– Não gosto deste festival – Disse Ismira tentando acompanhar os passos da Amiga. – Nunca sou escolhida.

Hope diminuiu a velocidade, dando passadas rápidas e bem abertas, mas não correndo. Ela estava pisando no vertido vermelho, mas parecia não ligar.

– Nos últimos dez anos só vieram três ovos à Carvahall incluindo este de hoje. Você só presenciou um festival, e nos demais ninguém foi escolhido de qualquer forma. – Ela disse frustrada. Suas sobrancelhas acentuadas deitaram sobre os olhos quando as franziu. – E você diz que não tem sorte por não ser escolhida. – Ela parou e olhou para Ismira que se obrigou a parar. – Eu fui a todos os festivais. Ainda lembro-me do primeiro, eu só tinha cinco anos. Me decepcionei tanto... – Todos os vestígios de alegria haviam sumido do rosto de Hope.

– Bem... Eu participei de alguns fora de Carvahall. – Dois ou três, pensou Ismira.

Por que Hope estava tão Irritada? Foi algo que eu disse? Pensou ela. Droga. Sempre digo as coisas erradas.

Vamos Hope, a fila vai ficar grande. – Disse pondo as mãos nos ombros da Amiga e levando-a pelos corredores imensos de Beoh.

Hope não disse uma sequer palavra durante o resto do percurso, e Ismira não se atreveu a falar.

Quando saíram do castelo, o frio invadiu o Rosto de Ismira. A neve invadia a entrada do castelo, mais de um metro para dentro. Era como se o castelo estivesse afundado um pouco no chão.

A cidadela estava exageradamente enfeitada, havia pessoas com o rosto pintado, outros com túnicas banhadas de pedras brilhosas, homens tocavam harpas debaixo de arvores. A festa estendia-se do muro sul, ao norte.

Algumas pessoas assustavam Ismira, pessoas que tinham as bordas dos olhos pintadas de preto, e outros desenhos esquisitos no rosto. Faziam caretas e davam gargalhadas agudas e estrondeantes para ela.

As duas andaram em meio às graças e aos horrores. Com certeza havia pessoas de fora ali, rostos esquisitos demais para serem dali, embora Ismira não conhecesse todos de Carvahall. Seus rostos os entregavam, não tinham nada em comum com as montanhas.

Quando chegaram ao final da fila, ainda não conseguiam avistar a plataforma.

– Acha que chegaremos lá até o final da tarde? – Perguntou Ismira tentando ver a plataforma, sem sucesso. – Raios! Acha que teremos vir para a segunda parte? Amanhã?

Hope bufou divertidamente.

– Eu vou esperar. – Cruzou os braços. – Devíamos ter vindo mais cedo.

As primeiras horas foram bastantes tediosas, as pessoas estavam desanimadas, mas então apareceram os amigos de Ismira. Todos fantasiados de algo.

Ismira sorriu quando os avistou.

– Só eu não me fantasiei? – Questionou Ismira.

– Não se esqueça de mim. – Lembrou Hope. Ela já estava suada, e o vestido, bastante colado no corpo pelo suor. – Se bem que estou fantasiada de sopa.

Um dos quatro que chegaram, aproximou-se de Ismira. Usava botas de couro cor vinho, roupas refinadas, e uma capa curta, que não passava das costas. Seus cabelos loiros estavam penteados para trás.

– Lady. – Ajoelhou-se. – Como é bom vê-la aqui. Até agora esta festa estava muito desgostosa.

Ismira sorriu. Aquele era Barton, filho do mestre de rendas de Carvahall. Ismira o achava engraçado, mas ele não gostava quando ela ria dele. Era um bom amigo, mas ele não queria apenas a amizade dela, e ficava frustrado quando ela o chamava de amigo.

– Barton, Não exagere. – Ela sorriu novamente. – Não posso causar tanta felicidade assim a alguém.

Os outros que o acompanhavam sorriram, Dorin, Milena, e Sinarea.

– Parem de rir! – Barton encarou-os ferozmente. – Que bela companhia são vocês. – Olhou novamente para Ismira com as Bochechas coradas.

Ele ficou em silêncio por um bom tempo, apenas olhando para Ismira. Barton sempre era assim, não conseguia falar muito quando estava perto de alguém, ou era só dela? Ela não sabia. O rapaz já tentara algo com Ismira algumas vezes, Ismira tentava ao Maximo não magoá-lo, mas era inevitável, ele sempre deixava de falar com ela por quatro ou cinco dias.

A situação estava desconfortável para ela.

– Então... Porque não estão na fila? – Ela quebrou o silêncio.

Dorin coçou as têmporas.

– Estávamos na fila. – ela disse indiferente.

– Nenhum de nós foi escolhido. – Disse Barton olhando para os lados, com sua cara franzida.

– Bom... Então nos desejem sorte. – Disse Hope puxando o vestido, grudado à pele. – Quem vai saber quando virá outro ovo para cá.

– Então, Boa sorte. –Disse uma voz grossa que veio de trás de Ismira.

Ismira virou e viu. A cota de malha simples brilhava ao sol da tarde, e seu elmo estava apoiado entre o braço e as costelas. Seus cabelos cacheados estavam soltos e mais volumosos do que de costume. Era Serje, que sorria para ela.

– Ainda estão aqui? Deveriam ter chegado mais cedo, Raposa, Aprendiz. – Disse ele referindo-se a Ismira e Hope.

– Em breve não serei mais aprendiz Senhor das Jubas. – Devolveu Hope.

– Ainda assim... O que fará? Seu pai não deixará você ir para as guerras, nem para as muralhas. Além disso, não é apropriado.

– Serje! – Ismira o Abraçou, e ele também repousou seus braços nela. – Até que enfim saiu daquela muralha velha.

– Ismira me solte. – Sussurrou ele. – O que as pessoas dirão ao verem um reles defensor da muralha abraçando a filha de Roran Martelo forte, Senhor de Carvahall?

Ela soltou-o e o contemplou incrédula.

– Como pode dizer isso? – ela o abraçou novamente, com mais força. – Abraço na frente de todos, é meu amigo. O que eles farão?

Ele cuidadosamente a retirou de seus braços.

– Ismira, por favor, pare. – Ele pediu quase implorando. – Isso pode me prejudicar. Posso ser punido. – Disse ele quase murmurando, para que apenas ela ouvisse.

Ismira achava aquilo um absurdo. E se ela abraçasse Barton ou qualquer outro? Estaria errado? Não. Mas Serje era apenas um guerreiro. Mas... Isso não fazia sentido algum.

– Tudo bem. – Disse ela sem conseguir esconder a frustração. – Volte para seu muro. Bem alto.

Ele cruzou os braços e olhou intensamente para ela. Seus olhos pareciam julgá-la.

– É isso que farei. – Disse fazendo uma reverencia. – Lady. – Girou nos calcanhares e andou à passos largos, sumindo no meio da multidão.

Ele não sente nada por mim? Ismira olhou ao seu redor. Barton e os outros não estavam mais lá. Apenas Hope na fila. Seus olhos fitavam Ismira como se a visse pela primeira vez, com interesse em saber quem ela era.

– Por que fez isso? – Perguntou ela como se perguntasse: “como foi o dia?” – Ismira, por favor, ele tem razão. E você foi bastante imatura.

Ismira odiava ser contrariada.

– Até você? Você acha certo isso? – Bateu o pé com força no chão. – De que importa o que as pessoas acharão?

– Qual o problema Ismira? Por que está tão estressada? – Disse Hope tentando segurar o sorriso. – É apenas um abraço, gosta tanto dele assim? Fale pra ele então.

– Acha que eu não disse? – Disse ela nervosa, olhando para as mãos suadas. – Tentei dizer a ele uma vez. – A frase saiu atropelada. – Estávamos na montanha do Por do Sol.

Hope sorriu, sorriu até não ter mais forças.

– Ah desculpa... – Disse ela pondo a mão na barriga, e voltando a sorrir.

Ismira já estava constrangida.

– Não vejo graça. Vai me dizer que nunca gostou de alguém? – Disse ela aumentando o tom de voz, Hope parecia não ouvi-la.

– Me perdoe... Ah eu não aquento mais. – Disse voltando a sorrir. – Sinto muito, é que eu estava imaginando vocês dois, lá... lá em cima, e você... você falando pra ele... – Não conseguiu continuar.

Voltou a sorrir, até que uma lágrima escorreu pela maçã do rosto de Ismira. Seu ataque de risos cessou instantaneamente.

– Ismira? Desculpe, eu não quis... – Abraçou a amiga. Não ligou se a fila andava ou não. – E o que ele respondeu?

Um nó na garganta atrapalhava Ismira a falar.

– Ele d-disse... Ele disse para eu não confundir as coisas – Lembrar aquilo a deixava triste. – Disse que somos apenas amigos, e que ainda assim, nossa amizade não deveria existir, e deixou-me... Deixou-me sozinha. – Ela saiu da fila chorando, com as mãos cobrindo o rosto. Tropeçando no vestido, deixou Hope sozinha.

Ismira caminhou sem direção, entre a multidão de estranhos. Havia varias barracas de madeira onde vendiam comida. O cheiro de linguiça de porco invadiu seu olfato, despertando seu apetite.

Uma das barracas lhe chamou atenção. Um homem de barba grossa espessa e grande, com os braços curtos apoiados no Balcão da barraca gritava.

– Iguarias e especiarias das montanhas Beor! – Sua voz era grave e estrondeante. – Deliciosas e saborosas! Direto das montanhas Beor.

Ismira aproximou-se do balcão da barraca, varias tigelas estavam amostras, seus cheiros misturavam-se no nariz da jovem. Cheiros estranhos, mas que aguçavam mais seu paladar, que qualquer outra comida. Cheiros açucarados, amadeirados, ela não sabia o que sentia, nunca sentira aqueles cheiros antes.

Seus pés estavam ardendo, passara a manhã inteira em pé, a cada dois minutos mudava o pé de apoio. Sentia frio, onde as lagrimas secaram na maçã do rosto e também nos olhos, eles ardiam de frio.

– Deseja algo senhorita bonita? – Disse o homem.

Ismira levantou os olhos das cheirosas iguarias. Para sua surpresa, não era um homem, era um anão. Usava uma túnica grossa, marrom bem escura. Abaixo da barba, um medalhão enorme balançava, preso a uma corrente.

Ismira tentou não parecer surpresa e curiosa.

– O que trouxe das montanhas Beor? – Perguntou ela olhando para as tigelas de comida.

Ele lançou a ela um grande sorriso.

– Veja, veja... – Disse levantando uma por uma as tigelas. – Tenho aqui... fanghur – Levantou uma tigela. – Ah sim... alguns de nós tem um espírito aventureiro e tanto. – Levantou outra tigela e abaixou a outra simultaneamente. – esta é carne de feldûnost. – Suspirou. – Alguns anões idolatram este animal, mas... Os deuses que me perdoem! Meu estomago já o idolatra. Tenho Nagra, O maior porco que pode comer moçinha, não duvide. – Ele ergueu a ultima tigela. – Carne de Shrrg. Esta eu aconselho a senhorita a comer. Sem duvidas que os deuses acertaram no gosto do Lobo gigante.

Ismira pegou a tigela com carne de Shrrg, e aproximou do nariz. O cheiro despertou um apetite selvagem em Ismira, O anão estava perfeitamente certo. ela sabia exatamente o que escolher.

– Quero a tigela inteira da carne de lobo. – Disse Ismira sem poder esperar mais, pegando a tigela de cima do balcão e entregando um saco de moedas ao Anão simpático.

Ele deu uma gargalhada.

– Você tem o apetite de um Anão, bela Jovem. Gostei de você. – Ele fez algo com as mãos e a cabeça que Ismira entendeu como uma reverencia. – Ilf gaunith!

Então Ismira afastou-se acenando para o Anão. Simpático. Pensou ela. Ismira gostava do povo anão, Adorava conversar com o rei Orik, sempre lhe ensinava novas coisas, e a tratava como uma amiga há muito perdida, sempre simpático.

Não estava mais triste, nem pensando em... Pensando em tudo o que aconteceu. Queria Apenas observar a festa, comendo seu delicioso Shrrg.

Ismira não ligava mais para o ovo de dragão, era jovem ainda, e teria muitas oportunidades. “Não importa quantas vezes você vai à celebração, o destino é que trará o cavaleiro ao seu dragão.” Dissera Sírin. Ah, mas que se dane. O destino me trouxe esta bela refeição. Pensou ela.

Ela caminhou pelas tendas, observando a movimentação. Entre as pessoas, ela ainda distinguia a fila, e, finalmente, o seu final. Lá estava a plataforma, e algumas centenas de espectadores. Ismira procurou por Elain e Host, que estariam assistindo a celebração, mas não os encontrou em meio à platéia. Albriech estava no seu lugar destacado, de governante de Carvahall.

Na mesa da plataforma, o ovo repousava, era Belo e brilhava como o sol nunca brilharia. Com a cor de mel, parecia transparente, e que não avia nada dentro dele, como mel endurecido.

– Próximo... – Chamou o elfo com uma voz cantante.

Um estranho silêncio se apoderou da cidade, enquanto um jovem subia a plataforma.

E o elfo sorria.

Pena que foi o seu ultimo sorriso. De algum lugar – Ismira não viu – uma flecha o atingiu, atravessando sua cabeça.

Foi tudo muito rápido, a platéia que circundava a plataforma se dispersou desesperadamente enquanto uma chuva de flechas atingia o corpo já sem vida do elfo e o outro, que caiu instantaneamente.

Ismira ficou sem reação, ela não acreditava que aquilo realmente estava acontecendo. Estava paralisada, olhando os corpos sem vida dos elfos e dos homens também atingidos, enquanto as pessoas desesperadas esbarravam nela.

Então viu arqueiros em cima dos telhados, dúzias deles. Miravam para todas as direções, parecia não importar quem eles atingiam. Não traziam nenhum símbolo ou estandarte, apenas a crua cota de malha.

Então chegaram os guerreiros de Carvahall, e tudo virou um caos.

– O que esta fazendo ai parada? – Mãos fortes lhe puxaram pelos ombros. – Vamos sair daqui! – puxou Ismira com violência e arrastou-a dali.

Era Albriech que puxava-a pelos ombros e arrastava-a para longe. Ele estava de espada na mão, e os guerreiros o atacavam. Os guerreiros o atacavam? Eram guerreiros de Carvahall, jamais atacariam Albriech, O mestre de Armas.

Albriech abateu mais um homem e parou abruptamente. Olhou ao redor.

– O que está acontecendo? – Perguntou Ismira. Só agora o desespero a invadiu.

Albriech a segurou pelos ombros obrigando-a a olhar para ele.

– Corra... Procure algum lugar seguro. – Entregou sua espada a ela. – Eu a encontrarei, agora vá.

Ismira correu sem olhar para trás, com a espada de Albriech na mão, mas não ousou usá-la até que realmente precisasse.

Tudo estava uma confusão, guerreiros de Carvahall lutavam entre si, outros abatiam as pessoas nas ruas, o Maximo que podiam. Guerreiros soltavam chuvas de flechas, de cima das muralhas, ou dos telhados. Ismira podia ser atingida a qualquer momento, ela sabia. Corpos decapitados e mutilados jaziam no chão. E um mar de mortos banhados de sangue, cobria a neve.

Ela tentou chorar, mas estava desesperada demais. Apenas corria, torcendo para que nenhuma flecha lhe atingisse. Tropeçava em meio aos cadáveres e soldados sem sorte que tentavam lhe acertar com suas espadas.

Raios! Raios! Pensava ela enquanto desviava dos ataques. Deve haver algum lugar. Ela procurava algum refugio, alguma saída daquele caos. Mas ela estava sem saída, tudo que tentasse só iria piorar as coisas.

Jogou-se entre os cadáveres, numa tentativa de camuflar-se. Fechou os olhos... E apenas escutou o som da guerra, que tanto desejara, enquanto as gotas de sangue dos inúmeros corpos pingavam nela. Ouviu as flechas zunirem, as espadas chocando-se, perfurando a pele, os tecidos internos, e atravessando. Os gritos de desespero, de agonia, de uma dor insuportável. Era demais para ela, não era daquela forma que ela imaginava, aquilo parecia mais... mais... Real era a única palavra que descrevia.

Respirou fundo, e bem devagar, concentrou-se no barulho, e uniu sua respiração a ele. Tentou transformá-lo em algo menos agonizante. Estava tão controlada, que poderia até dormir.

Mas outra vez, puxaram-na pelo braço, ela não tinha mais como defender-se.

– Apenas me mate. – Disse ela, controlada demais para preocupar-se com vida ou morte.

– O que está falando! – Disse uma voz familiar, mas ela não sabia quem era. Não podia ver. – Vamos levante. – Disse segurando-a pela cintura e erguendo-a.

Mas ela estava esquecendo-se de algo. Talvez de... abrir os olhos. Então os abriu, e olhou ao redor. Estava tudo tão estranho, tudo estava em caos. Os soldados lutavam entre si, outros abatiam as pessoas nas ruas, o Maximo que podiam. Guerreiros soltavam chuvas de flechas, de cima das muralhas, ou dos telhados. Corpos mutilados jaziam no chão.

Então ela lembrou-se. O que há de errado comigo? Estou ficando louca?

Era Albriech que a puxara dos corpos, e a colocara no seu cavalo. Ele esporeava o cavalo que corria entre a guerra. Estava indo em direção ao portão, e por sorte os guardas ainda estavam postados, prontos para abri-lo.

Ismira viu-se livre do Inferno quando passou por aqueles portões.

– E agora? – Perguntou ela. – Para onde iremos?

Ele esporeou o cavalo, mais uma vez, quando este diminuiu a velocidade.

– Para algum lugar seguro. – Respondeu ele friamente.

– E Hope? – Ela choramingou. – Host, Elain.

– Lady por favor, mantenha-se quieta. – Ele virou parcialmente a cabeça, lançando-lhe um olhar pedinte. – Estão todos bem.

Ismira chorou em silêncio. O olhar do Mestre de armas mostrava que eles não estavam à salvo.

A estrada nunca pareceu tão calma quanto antes, os únicos sons eram o zunido do vento que percorria o rosto de Ismira e o trote do cavalo. Ismira olhou para trás. A muralha esverdeada havia ficado para trás, mas... ela estaria realmente segura? Isso não importava. E sua melhor amiga?

E Serje? Estaria de qual lado? Poderia até estar morto.

Não... não.

Continuou a chorar em silencio, mas era um choro sem lagrimas, estas, já haviam sido gastas.

O Rio Anora nunca lhe pareceu tão triste. Cinzento e quieto, como os olhos de um cadáver, descia entre as montanhas.

Depois de mais algum tempo de cavalgada, lá estava. Vinho enegrecido eram as madeiras que formavam a casa que seu pai mandara reconstruir. A casa que vivera durante a infância, com o primo Eragon e o pai Garrow, antes de tudo, antes de seu tio, que nem conhecera, tornar-se cavaleiro de dragão. Já tivera bons momentos ali, mas quem sabe quando voltaria a vê-la. Quem sabe quando voltaria à Carvahall.

Ismira acompanhou com os olhos, a simples casa que ficava para trás, cada vez mais distante, até virar um ponto negro entre o rio e a floresta da Espinha. Agora estava completamente fora de seu lar, e não sabia o que ainda a esperava.

Já era noite, e ela podia ver as luzes, dispersas horizontalmente, revelando até onde possível, a fumaça que evolava acima do vilarejo.

Era Therinsford, ela sabia. Desejava parar ali, estava exausta, e já não totalmente lúcida. Durante o caminho encostara-se nas costas de Albriech, quase adormecida.

Então Ele mudou a direção, indo na direção das montanhas.

– O que?! – Ela exclamou. – Não vamos para Therinsford?

Ele fez que não, com a cabeça, e nada disse.

Quando passaram pelas duas montanhas que davam inicio à floresta, Ismira sentiu um frio na barriga. Não conseguia ver nada, apenas escutar... Escutava o farfalhar das folhas provocado pelas patas do cavalo, o som estranho dos animais, e outros sons desconhecidos.

– Seria melhor ficarmos em Therinsford. – Murmurou ela.

– E chamar mais atenção do que já chamamos ao sair pelo portão? – Ele parou o cavalo. – Não.

Ela o sentiu descer do cavalo, sentiu suas firmes pisadas no chão, mas não via nada, era agonizante. Com cuidado, desmontou o cavalo, mas seu cuidado foi em vão, caiu espatifada, de costas, no chão fofo de folhas secas.

– Ismira? – Albriech chamou. – Tudo bem?

Ela levantou-se com dificuldade.

– Sim. – Arquejou – Onde está? – Ela olhava, procurava pontos fixos na escuridão, mas era como se uma sombra acompanhasse o seu olhar.

Uma chama surgiu em sua frente, fazendo surgir também, o chão irregular, coberto de folhas amareladas, os troncos negros e enrugados das arvores, e Albriech. A fogueira que ascendera surgiu como as chamas de uma explosão, entre os galhos e gravetos que agora a alimentavam.

O rosto do Mestre estava sujo de terra e sangue seco, seus olhos negros olhavam fixamente para ela.

– Descanse um pouco – Ele desviou o olhar por um momento. – O dia deve ter sido terrível para você. Terrível e cansativo.

Albriech não era muito bom em tranquilizar as pessoas, mas ela sentia-se tranquila perto dele, afinal, era o Mestre de Armas.

– Acho que não eu conseguiria descansar, mesmo que quisesse. – Ela sorriu, mas do que exatamente ela não sabia.

Ele franziu o cenho, e olhou para ela com os olhos serrados, por um instante. E então lhe sorriu de volta, um sorriso forçado.

– Que bom que está melhor. – O sorriso aumentou.

Melhor... Por que estavam sorrindo? Não havia motivos... Talvez ele tivesse tentando confortá-la, e ela... Bem, ela sorria por educação.

– O que pretende fazer Tio? – Ela perguntou. – Para onde iremos agora?

O seu sorriso sumiu. Albriech era imprevisível, nunca se sabia o que estava pensando, o que suas expressões queriam dizer, ou o que estava prestes a dizer.

– Você decide, Lady. – Ele passou a mão pelas tranças da barba. – Talvez algum dia... ou agora mesmo, eu não possa mais pretender algo, ou fazê-lo. Compreende?

Ela tirou uma mecha de cabelo do rosto.

– Acho que sim, você pode morrer. – Ela disse friamente. Albriech era gelo, sabia que nada do que falasse o atingiria.

– E então, se eu morresse... Saberia exatamente o que fazer? – Ele perguntou, estudando-a, esperando ansiosamente a resposta.

Ela balançou a cabeça, ciente de que não saberia, claro.

– Então comece a pensar nessa possibilidade. – Ele abaixou o olhar frio. – e continue viva por mais algum tempo.