O teto feito de pedra tinha vários buracos, de várias formas. Abrira os olhos mais uma vez, desistindo, definitivamente, de dormir até o momento de obter um esclarecimento sobre tudo aquilo. A única coisa que poderia fazer era observar as formas dos buracos, indisposto a levantar. Dois deles pareciam olhos que o observavam.

No canto oposto a ele, estava deitado, agora sem sua armadura reluzente, Lemond. Sua bela túnica de tecido fino fora substituída por trapos velhos, assim como a de Roran. Estava agindo de forma estranha. “Você mentiu!” dissera a ninguém, frustrado demais para dar atenção à presença de Martelo Forte. A todo o momento andava em círculos pela cela, como se aguardasse algo. O analisou. Teria ele algo com aquilo? Se tivesse, poderia ser a chave para sua liberdade.

As grades daquele lugar não eram familiares. Por mais que tentasse, não conseguia descobrir onde estava. Katrina deveria estar em algum lugar por ali, Ele tinha de salva-la. Lembrou-se dos dois homens carregando-a, desmaiada. Mas... Um homem de Carvahall? Porque?Ele não entendia. Talvez não fosse um homem de Carvahall. Ele descobriria quem estava por trás daquilo e salvaria Katrina, ah sim... tinha de fazê-lo, se não... o que seria de sua lucidez?

— Hei, garoto. – Grunhiu Roran. – Quem mentiu para você?

O olhar de Lemond vacilou, ergueu as costas e as encostou-as na parede.

— Do que está falando, Conde? – Ele cerrou os olhos, abandonando a hesitação inicial. – Desculpe-me a confusão, mas não consigo entender perfeitamente a sua pergunta, pois estou ocupado demais fitando estas grades e meditando sobre eu ser um prisioneiro! – Gritou, por fim. – Então peço que seja mais claro, por favor.

Roran levantou-se da pedra dura.

— Não. – Disse indo em direção ao rapaz. – Eu estou sendo perfeitamente claro. – Parou em sua frente, contemplando seu olhar amedrontado. – E é bom que me fale a verdade. O que está acontecendo aqui? Sabe quem nos trouxe até aqui.

Ele afastou-se mais para trás, colando completamente as costas na parede.

— Senhor... Tudo o que sei, é que me colocaram numa cela, o que mais haveria eu de saber? Fui capturado junto com você, talvez você também saiba a resposta?

— Quem mentiu para você? Responda-me, infernos! – Roran contraiu todo o rosto de raiva.

— Muitos... – Respondeu Lemond suspirando, abandonando aquela interação de vez, Roran viu em seu olhar.

O que quero arrancar dele, Pensou. Estamos numa maldita cela, o que ele tem a perder, e a oferecer? Sabia que Lemond jamais diria algo.

— O que estão falando aí? – Interrompeu um soldado recém chegado, dando pancadas na grade. – Calem a boca e me acompanhem. – Abriu a cela.

Eram dois soldados, um segurou o Braço de Lemond e o outro, o seu. Usavam cotas de malha brutais, e espadas simples na cintura.

Eu poderia matá-los.Pensou Roran. Mas de que adiantaria? Mais deles viriam, e eu poderia morrer.Morrer poderia custar caro para Katrina.

A mão do soldado apertava o seu braço com força, guiando-o pelos corredores em espiral. O chão de pedra bruta tinha nível crescente. Suas pernas doíam por causa disso, e a caminhada não foi curta, como esperava.

O local de pedra era úmido e quente, as paredes eram escuras, em um tom de marrom avermelhado, tochas presas nelas iluminavam fracamente o caminho.

Roran olhou para Lemond. O rapaz parecia não estar preocupado com o que o aguardava como se soubesse que nada demais aconteceria, suas pernas, assim como o corpo todo, acompanhavam o ritmo dos soldados sem relutância. Aceitava sua condição de uma maneira tranquila, que irritava o conde.

O corredor terminou na entrada de um salão de teto arqueado e base arredondada. Não havia outra passagem, apenas o corredor por onde entrara. A parede arredondada era incrustada de tochas, deixando tudo ali com um brilho amarelo avermelhado. O amplo espaço era composto por um complexo de escadas que levavam para áreas mais altas, assim como para uma depressão no centro do salão.

No centro da depressão artificial estava, em total destaque, acompanhado de algumas dúzias de degraus para alcançá-lo, um trono, bastante semelhante ao que Nasuada sentava-se, a não ser pela elevação exagerada. Sentado nele, acompanhando com olhos frios os recém chegados, estava um homem de barba feita, cabelos negros, lisos e curtos de pontas assanhadas, aparentando ter quarenta anos. Seu olhar era pesado, suas sobrancelhas negras pareciam desenhadas e imóveis para todo o sempre. Em seus joelhos repousava uma espada longa, o aço era de um aspecto amarelado devido às inúmeras tochas.

Ao redor do trono, na parte mais baixa dos degraus, postados como estatuas, sem o menor vacilo de movimento, mais soldados.

— Marbrayes... – Lemond falou com a voz exaltada, seus olhos estavam fixos no homem do trono. – Porque exatamente me colocou numa cela? – Soltou-se com violência das mãos do soldado. – Preso? – Gritou.

— Cale-se! – A voz alterada soou. – De que outra forma traria você até aqui sem que suspeitassem de Dras-Leona? – Inclinou-se para frente revelando olhos de um verde escuro intenso. – Tudo o que menos precisamos neste momento é uma guerra. Com Carvahall e Dras-Leona unidos, você e Martelo Forte raptados, a união dos dois será maior. Tudo o que farão será enviar uma patrulha a procura de vocês. – Ele suspirou. – Você foi realmente essencial, Lemond Grorvan, sem você, eu não estaria aqui. Mas aprenda a ouvir antes de espernear como uma criança. Caso contrário, se tornará descartável, afinal, agora já não tem tanta utilidade assim. – Socou o braço do trono. – há treze anos viemos elaborando uma forma de tomar o Império, e você finalmente me concede uma ponta de esperança. Não quer acabar com tudo isso agora, quer?

O rapaz relaxou os ombros.

— Poderia ter me contado. – Os cabelos desgrenhados caiam de lado cobrindo seu rosto, mas seu cansaço era visível.

— Poderia – O homem respondeu calmamente – Mas não o fiz, e precisava de você mergulhado na incoerência para tudo sair perfeito. Tudo o que preciso saber agora é se vai continuar a me obedecer.

— Sim – Bufou. – Desde que me ofereça um quarto com uma cama quente.

O homem franziu as sobrancelhas.

— Levem-no para um dos aposentos. – Apoiou o queixo sobre a mão.

Os soldados acompanharam Lemond de volta pelo corredor.

— Vamos, Martelo Forte. – Levantou-se do trono. – Lhe mostrarei o Lugar. – Disse enquanto descia as escadas com segurança e pacificidade elegante. Suas botas negras não faziam nenhum barulho, e o som de sua espada embainhada pontuou sua presença ali.

Roran permaneceu calado, sabia que não era o momento de falar.

— A viagem deve ter sido um pouco desconfortável. A noite passada também, mas infelizmente não posso libertá-lo. Veja... Você nunca irá trair Nasuada, eu sei disso. – Pousou a mão no ombro do conde. Os dois andavam pelo corredor, e os soldados os acompanhavam. – Mas não se preocupe, quando nossos planos funcionarem, lhe concederei terras em um bom lugar.

Roran deu uma gargalhada estrondeante, que não cessava, mas não tinha vontade nenhuma de rir, queria apenas mostrar seu desprezo, e a insignificância daquele homem.

— No dia que você tomar o poder, me mate, a não ser que já tenha passado um século até este dia. – Ele gargalhou novamente. – E todos nós já estejamos mortos.

— Então assim farei Martelo forte, atenderei seu nobre pedido. – Deu-lhe um sorriso e fez uma reverencia. – Levem-no de volta a sua cela.

Roran foi atirado à cela com o rosto inexpressivo, e encontrou o chão com gratidão... Agora, sentia ser capaz de dormir e pôr a cabeça no lugar, pois apenas assim conseguiria sair dali...

...Mas deitado de costas no chão, tudo o que conseguiu, novamente, foi fitar os buracos do teto.

— Infernos. – Praguejou – Tem de haver uma saída.

Talvez da próxima vez que vierem me pegar.E eles viram, ele tinha certeza.

Katrina... Marbrayes – Lemond o chamara assim – nada falara sobre ela. Ele tinha de sair dali o mais rápido possível.

Roran Martelo Forte andava de um lado para o outro, socava as paredes, chutava as grades, gritava o nome de Marbrayes, era a única coisa que podia fazer, enquanto não era chamado mais uma vez, mas só estava gastando suas energias.

Sentou-se no canto da sela, socou o chão e olhou para a grade, desejando com todas as forças que ela estivesse aberta. Desejou cada vez mais, como se seu desejo pudesse tornar-se realidade.

Então sentiu um de seus dedos esquentarem... esquentava cada vez mais. Olhou para a mão, era um de seus anéis, o dos elfos. Verde claro, ele brilhava mais que o normal, emitindo uma luz própria. Roran pensou em tirá-lo, mas não teve a reação. Foi então que simples e magnificamente a porta da grade abriu, com um barulho que era música para seus ouvidos. O anel esfriou e voltou ao brilho normal.

Roran não sabia como aquilo tinha acontecido, mas iria até Ellesméra apenas agradecer a Arya.