Os primeiros raios de sol invadiram seu quarto aos poucos – ela estava tão cansada que adormeceu sem ao menos ativar o mecanismo de escurecimento das janelas. Sentindo uma dor latejante percorrer sua cabeça, sentou-se sobre a cama com dificuldade; seus olhos estavam turvados e ardiam. Suas mãos suavam frio. Um ligeiro desconforto tomava conta de cada parte de sua anatomia. Havia se passado dois dias desde a batalha em Sokóvia, mas seu corpo reagia como se ainda estivesse lá, em meio ao caos.

Não era a primeira vez que Natasha se recuperava de um combate intenso. Como uma agente extremamente perita e requisitada, já havia experimentado dias de folga acompanhados de hematomas e enxaquecas. Porém, agora julgava que algo estava acentuadamente diferente. Era uma coisa muito além das dores físicas. Era a sua alma que estava incompleta. Sua mente e coração, esmagados.

Em seu corpo despido debaixo do chuveiro, podia ver as marcas da sua última batalha. As primeiras gotículas de água morna caíram sobre seus cabelos com vagarosidade. Com os olhos marejados, em poucos segundos sentiu o rastro úmido que as lágrimas solitárias deixaram sobre seu rosto. Os lábios trêmulos sussurravam coisas sem nexo. Já havia sentido a dor do abandono – mas por que estava tão abalada dessa vez? Estaria perdendo o controle sobre si mesma?

Por ora, não queria entender o que aconteceu. Expulsaria os pensamentos, os mandaria para bem longe até que pudesse compreender a razão pela qual Bruce se foi. Dessa forma, talvez, sentiria um pouco de paz.

Envolvendo seu corpo num roupão felpudo, caminhou com desânimo até o armário embutido numa das paredes do cômodo. Não haviam muitas roupas ali; na realidade, todas as peças eram parecidas demais – calças jeans justas, camisetas básicas em cores neutras e jaquetas no estilo casual. Alguns pares de botas que combinavam com os cintos de couro fino que Natasha gostava muito. Coldres e coletes para trabalho em campo faziam parte de seu enxoval. Tudo caberia perfeitamente numa só mala, o que era motivo de orgulho para ela quando precisava mudar de endereço de uma hora para outra.

Depois de se vestir, desceu para o café da manhã. O complexo estava quieto, apesar da intensa atividade que foi retomada logo após a derrota de Ultron. Wanda estava de olho na torradeira, Visão organizando as xícaras e os talheres sobre a mesa e Falcão empenhado em preparar panquecas. O aroma delicioso do café tomava conta do lugar, deixando-o com cara de lar. Steve ainda não estava ali, mas logo se juntaria a eles na primeira refeição do dia.

—“Bom dia, Nat!”, saudou Sam.

—“Bom dia...!”, respondeu ela, sentando-se numa das cadeiras. “Onde estão os outros?”

—“Steve ainda está no quarto e Rhodes na academia.”, disse ele, derramando melado sobre a generosa porção de panquecas que havia feito.

—“Dormiu bem?”, perguntou Wanda, com seu sotaque russo característico.

—“Como se não tivesse dormido há muito tempo...”

—“Suponho que seu cansaço se deva aos dias difíceis que enfrentamos. Logo se sentirá melhor, srta. Romanoff.”, disse Visão, esforçando-se em ser empático. O mundo dos sentimentos lhe era algo totalmente novo.

Natasha sorriu de leve, balançando a cabeça positivamente. Não queria mostrar como estava em frangalhos por dentro, então um tímido sorriso enfeitava seus lábios. Ninguém pareceu perceber sua tristeza. Cada um estava lidando com os fatos de seu próprio jeito, sem querer incomodar os outros ou deixar o clima ainda mais esquisito.

Todos se postavam ao redor da mesa quando Steve adentrou na cozinha.

—“Bom dia, pessoal! Que mesa bonita!”, disse ele, sentando-se ao lado de Natasha.

—“Bom dia!”, disseram eles, em uníssono.

—“Estavam esperando por mim?”

—“Qual é, brother! Com a fome que estamos não dá pra esperar, não!”, respondeu Sam, sorrindo.

—“Não podemos correr o risco de deixar o café esfriar.”, Wanda disse, enchendo sua xícara com o líquido fumegante. “Quem vai querer?”

—“Eu, por favor.”, Natasha prontamente respondeu. “Steve, pegue a garrafa para mim...”

Estendendo um dos braços, ele apanhou o recipiente e o entregou para ela, sorrindo e olhando diretamente para seu rosto um tanto abatido. Conhecia-a muito bem e sabia que não era seu estado normal. Do seu ponto de vista, Natasha estava diferente e não era de uma forma boa; parecia incomodada com alguma coisa.

—“Está tudo bem com você, Nat?”, sussurrou Steve.

—“Por que não?”, questinou ela.

—“Não me parece bem.”

—“Impressão sua, Rogers.”

—“Se precisa de um ombro amigo, estou aqui.”, disse ele.

Sem responder, Natasha bebeu um pouco do seu café e mordiscou uma torrada. Apanhou uma maçã da fruteira e se levantou sem cerimônia.

—“Estava ótimo, gente. Espero por vocês na sala de treinamento.”

O silêncio reinou enquanto eles a viam se afastar da cozinha.

—“Que bicho mordeu ela?”, perguntou Sam.

—“Fiquem aqui.”, ordenou Steve, levantando-se rapidamente. “Vou falar com ela.”