Acordo e abro os olhos lentamente, temendo o brilho da luz. Meus olhos se adaptam rapidamente. Até aqui tudo bem. Olho em volta, ainda me encontro na enfermaria. Suspiro. Com cuidado mecho o braço, nada. O outro, nada também. Apoio o corpo e me levanto lentamente esperando, pelo menos, uma pancada na cabeça, mas nada. Não sinto nenhuma dor. Bom, já que é assim... Pulo da cama e sigo até um pequeno armário onde pego as minhas roupas e me troco. Tenho certeza que meu cabelo está uma bagunça mas como não tenho um elástico, não tem muito o que fazer. Abro a porta do quarto e sigo pelo corredor olhando os quartos, todos vazios. Este lugar parece tanto com um hospital que é quase assustador. A única diferença é que geralmente o pessoal não fica aqui muito tempo. O Bryan consegue curar quase qualquer coisa rapidamente então são liberados em no máximo um dia. Falando em dia... E eu? Fiquei aqui quanto tempo? Suspiro. Não tenho energia para me preocupar com isso. Não que eu esteja cansada, na verdade me sinto incrivelmente bem, mas não tem o porquê de esquentar a cabeça. O tempo que fiquei aqui não vai mudar. Logo chego na sala geral, onde o Bryan faz o atendimento inicial. Aqui tem apenas sua mesa e cadeira e algumas camas separadas por cortinas.

— Mhn. – Minha cabeça vira em direção ao som. Vejo duas sombras através da cortina de uma das camas. Ah não. Não mesmo.

— Tantos lugares. Tantos quartos. Vocês precisam se pegar bem aqui?! Em uma área aberta? Na sala de consulta! – Depois de não ouvir resposta eu fico ainda mais irritada. – Bryan. Eu sei que é você aí. Pode se ajeitar e sair daí já. O seu namoradinho também. Eu não vou embora só porque não estão me respondendo. Tem sorte que fui eu que te encontrei, de novo, só para constar. Agora. Se mecham, os dois. Se não eu vou até aí e nem vocês nem eu vamos gostar do que vai acontecer. Tenho traumas suficientes nessa vida. – Escuto um barulho de cortina e fecho os olhos fortemente. Como disse, não preciso passar por isso de novo. Além de eu não ficar confortável com os seus hobbies, é a intimidade deles afinal de contas. Mesmo que não saibam cuidar dela.

— Como assim, “de novo”? e “traumas”? Você já pegou o Bryan se pegando com alguém aqui?! Mesmo que ele não me deixa nem chegar perto? É tão difícil convencer ele de fazer alguma coisa aqui... Quem que baixou a guarda dele? Me diga agora! – Eu suspiro. Menino complicado. Não sabe que não tem como ser ciumento se for se relacionar com o Bryan? Não importa quão sério ele está com a pessoa agora, o passado vai sempre perseguir. E não é que ele tenha baixado a guarda com outros... O problema é que ele não estava nem aí. Não se importava com hora, local, ou qualquer coisa. Se estava a fim, fazia. Precisei dar muitas broncas antes que ele começasse a ficar mais cuidadoso. Que estranho. O Bryan não falou nada até agora. – Ah. Desculpa amor. Prontinho. – Eu escuto o barulho de tecido e resisto dar uma espiada.

— Tudo seguro? Posso olhar?

— Claro. Problema nenhum. – Eu estreito os olhos. Por que ainda não ouvi o Bryan?

— Não confio em você. Bryan, tudo certo? – Escuto mais um barulho de tecido e alguém engolindo, depois limpando a garganta.

— Está tudo bem. Pode olhar. – Bryan fala em uma voz rouca. Eu abro os olhos e tento me segurar para não corar. Como se isso fosse possível. Bryan está todo corado, o pescoço cheio de chupões, os olhos mansos e avoados, os pulsos marcados e duas largas linhas nas bochechas, seguindo até a boca... Pelo menos agora sei porque não podia me responder. E tenho que dizer, o namorado não está em uma situação muito melhor. Completamente descabelado, lábios inchados, ainda sem camisa e cheio de marcas de mordidas. Eles não estavam ali a pouco tempo. Estou feliz por ter um sono tão pesado. Suspiro.

— Bryan. Não se deixe levar assim. Quantas vezes falamos sobre local e hora? – O olho repreensiva. Depois viro em direção ao namorado e sigo em sua direção. – E você. Não tem essa de convencer. Este não é o local para esse tipo de coisa. – Aponto o dedo para o seu peito. – Pode ser que VOCÊ não entenda, mas este é o local de trabalho do Bryan. E é isso que é para ele fazer aqui. Só isso. Ou quer mesmo que ele seja demitido? O nosso mundo não é tão rigoroso quanto o humano no relacionamento professor aluno, mas existe um limite. E se eu ficar sabendo que você o fez sair da linha de novo... – Dou uma pequena risada – Bom, pergunta para o Bryan... – Reviro os olhos – quando ele estiver consciente de novo. – E saio rapidamente da sala. Não estou a fim de ficar ali até o Bryan sair dos devaneios e decidir dar aquela bronca que me prometeu ontem... Realmente, estou tão feliz por ter fechado os olhos.

Sigo pelo corredor direto para a saída do prédio. Vejo a minha turma fazendo o treinamento da aula de Desenvolvimento no gramado. E por quê? Anthor está lá ensinando defesa pessoal junto com a Val. Parece que a ideia dele deu certo. Vou em direção a eles. Quando chego perto descubro que não deu tão certo assim. Eles não param de discutir. Que antiprofissional. Realmente, vai demorar um pouco até que se entendam. A cabeça dos dois é muito diferente.

— Olar. – Lhes dou um pequeno sorriso em comprimento. Eles param de brigar na hora e vem na minha direção. Me abraçam um atrás do outro perguntando se estou bem e tudo mais. Os alunos logo começam a me olhar feio. Para manter a paz, logo Val volta a guiar a aula e eu seguro o Anthor para agradecer.

— Não foi nada querida. Não precisa se preocupar... – E me dá um sorriso calmante.

— Sr. Anthor, ainda está em horário de expediente. Coopere com a aula. – Ele revira os olhos para mim, pisca um olho e segue em sua direção. Eu dou uma risadinha. – K. Por que você não vai à floresta dar uma volta? Isso sempre te faz sentir melhor e está liberada das aulas de hoje. – Ela diz dando uma discreta olhada nos alunos que não conseguem focar na aula, provavelmente por causa da minha presença. Eu assinto e vou em direção à floresta. É uma ótima solução na verdade. Eu não sabia como poderia vir para cá sem parecer estranho... Quero muito visitar o James...

Ando por um tempo distraída pela floresta, inspirando o ar úmido e passando a mão nas árvores. Realmente, esse lugar me faz muito bem. Mas agora já deu. Quero ver o James, não sei quanto tempo eu fiquei sumida mas... Quem sabe ele ficou preocupado. Dou um pequeno sorriso e fecho os olhos deixando o já familiar pulso de energia me guiar. Quando abro os olhos já estou em frente à minha amiga rocha.

— Olá de novo. – Digo passando de leve a mão por cima dela e sigo até a escada. Dou uma pequena parada no caminho. Que louca. Conversando com a rocha. Dou uma pequena risada e chacoalho a cabeça. Não estou com dor mas a minha cabeça não está tão no lugar ainda... Me apresso em direção a “porta” e entro sem hesitar. James está segurando nas barras em cima da Jaula e se levantando. Como ele chegou ali em cima afinal? Sua expressão está exausta, seu corpo encharcado de suor, mas ele não para. Observo uma gota de suor escorrendo de seu rosto pelo seu peitoral até... Dou uma risada baixa. – Onde conseguiu essa bermuda? Podia ter arranjado ela beeem antes, hein? – Ele olha para mim sobressaltado perde o equilíbrio e cai. Eu corro em sua direção o mais rápido que posso. Estico minha mão pela grade e seguro o seu braço. – Você está bem? – Ele olha em minha direção, um sorriso enorme no rosto. Puxa o braço até que esteja segurando a minha mão e vai se levantando lentamente. Eu o sigo.

— Eu me curo bem rápido. – Ele estica a mão livre pela grade e a coloca no meu rosto. Eu me inclino em direção a ela. Minha pele começando a formigar onde ele me toca, é uma sensação ótima. Fecho brevemente os olhos. – Eu... Sinto muito por tudo. – Rapidamente os abro. Ele está me olhando com uma mistura de culpa e alívio. – Eu fiquei tão preocupado. Mesmo que ele tenha dito... Depois que não apareceu ontem, achei que não te veria de novo. – Eu franzo a sobrancelha. Ele se preocupa comigo, isso é ótimo, quer dizer, não. Ele não precisava se preocupar dessa forma ...mas eu fico feliz. Argh. Meu ponto é “ele”? Quem é “ele”?

— James... Quem é “ele”? – Pergunto tremendo de leve. Ele me responde com um pequeno sorriso e olha para trás de mim. Eu viro rapidamente me grudando na Jaula, sem soltar a sua mão. Mas não tem nada ali, não vejo ninguém.

— Imaginei que já teria ligado os pontos até agora, Kátia. – Anthor entra pela abertura da sala com um pequeno sorriso no rosto. – Não achava mesmo que tinha chego de alguma forma até a floresta depois de desmaiar, certo? E eu tenho quase certeza que estava acordada quando cheguei... Deve ter ouvido meus passos, não? – Tensa eu aperto a mão do James com mais força. Ele coloca a mão direita no meu ombro, fazendo carinho na minha nuca com o dedão. Provavelmente tentando me acalmar.

— Tio, eu sei que gosta de fazer um pouco de drama, mas está assustando a Katia. – Eu dou um pulo para longe da jaula e fico olhando de um para o outro.

— Tio? O que está acontecendo? Alguém me explica. – Os dois me olham assustados. – Agora! – Sinto a minha energia se desprendendo e com um rosnado eu me jogo no chão, um pouco mais longe dos dois, apertando os olhos e tentando controlar a minha energia. Mantenho meus olhos fechados por mais um tempo, controlando a minha respiração. Os abro quando escuto um barulho de metal.

— Gostei do rosnado. – James está na minha frente, um grande sorriso no rosto, estendendo a mão para me ajudar a levantar. Coro. Um pouco confusa, mas com a energia seguramente bloqueada, seguro a sua mão e me levanto. Me afasto um pouco, desconcertada com a sua proximidade.

— achei que não podia sair da jaula. – Ele me dá um sorriso.

— É complicado. – Ele diz. Com os seus olhos presos nos meus, levanta a sua mão novamente em direção ao meu rosto, mas é interrompido por um limpar de garganta.

— E nós vamos explicar tudo a você. Por que não se senta? – Anthor aponta para a cadeira de escritório. Faço o que ele pede e sou seguida pelo James que se senta em uma outra, que em outras vezes não havia ali. – Antes de mais nada, tem alguma pergunta que queira fazer? – Só uma? Eu tenho um monte... Suspiro. Bom, vamos começar pelo básico.

— Você é Tio do James? Então o James é um lobo também? – Isso explicaria, por exemplo, porque eu não conseguia identificar que tipo de Ser ele era. – James me dá um sorriso.

— Não e sim. A minha família morreu a muito tempo, Anthor me acolheu e é como um Tio para mim, mesmo que não seja meu parente diretamente. Mas eu sou um Lobo, sim. Isso é um problema? – Eu coro com a intensidade do seu olhar e a incerteza e preocupação em seu rosto.

— Não. É claro que não. – Viro a direção do meu olhar para Anthor, desconcertada demais com o que tudo significava aquela pergunta e a minha resposta. Limpo a garganta. – Acredito que minhas dúvidas maiores sejam sanadas com a sua explicação. Por favor comece. Qualquer coisa eu pergunto depois. – Ele faz que sim.

— Você lembra que eu te contei sobre a guerra entre os Lobos e que houve a separação por alcateias? – Eu aceno que sim. – Então. Nós fazemos parte da Alcateia Lobos do Sul, a maior de todas. Está na hora de um novo Alfa assumir a Alcateia e James e seu primo Kalie foram indicados para o cargo. Toda alcateia possui um conjunto de lobos que fazem parte do que chamamos de conselho. Este reúne os lobos mais velhos, experientes e/ou sábios. E são os que ajudam o Alfa a cuidar da Alcateia, eu faço parte deste conselho e quando a família de James morreu, eu o acolhi e criei. Kalie foi acolhido por outro membro do conselho que infelizmente tem uma visão diferente do que significa ser um Alfa e tem o desejo de juntar as alcateias do Norte e Sul, a força. Para reinar sobre as outras. Como não podemos deixar isso acontecer, James não abdicou da sua indicação ao cargo. O problema é que, se nenhum dos dois abdicar, eles devem lutar pelo cargo. – Ele suspira e balança a cabeça. – É desnecessariamente medieval, mas eu já tentei de tudo e parece que não temos escolha. Por isso estamos aqui. Eu lhe contei que esse já foi o lugar de uma Alcateia. A maior parte foi destruída, mas este local sobreviveu. A rocha que fica em frente a escada que você usa para chegar aqui é parte do que já foi um local sagrado para nós. O local ainda tem uma grande concentração de energia e proteção, por isso o escolhi para treinar o James.

— Mas por que precisa de uma jaula para fazer o treinamento? – Eu pergunto confusa. É muita informação para digerir.

— O forma humana não é tão compatível com a forma animal como se acredita. É cansativo se transformar, é difícil manter a transformação e o controle durante ela e é cansativo e doloroso, como você descobriu, retornar da transformação. Nós usamos a jaula para que James possa treinar tudo isso, e tudo com segurança, para ele e para os outros. Na luta ele terá que ter um incrível controle de seu corpo e mente. Se retornar à forma humana durante a luta estará vulnerável e com certeza perderá, isso se não morrer. – Eu aceno a cabeça. Isso faz sentido. Para se transformar, os mutantes quebram quase todos os ossos do corpo. Isso explica aquela dor impossível que eu senti quando a absorvi do James. – Você o encontrou naquele dia logo após retornar a sua forma humana. Ele estava mais cansado e dolorido que o normal porque eu tive que aumentar o seu treinamento. Nós estamos recebendo alguns ataques na fronteira do acampamento, começou faz apenas uma semana mas a intensidade dos ataques tem aumentado cada vez mais. Estávamos encontrando os Lobos desmaiados, ainda em sua forma animal e cobertos com o cheiro de sangue, mas com as feridas já curadas. Recentemente quando os encontramos estão presos em meio a transformação, entre a forma humana e a loba. As feridas estão demorando cada vez mais para se curar. Ainda não foi causado nenhum dano permanente mas estamos preocupados. Até porque Kalie e seu guardião estão culpando a Alcateia do Norte e usando a situação como desculpa para tentar começar uma guerra.

— Mas isso não faz sentido. Por que eles tentariam descobrir uma forma de impedir a transformação e a cura de Lobos se isso poderia ser utilizado contra eles também? – Anthor suspira.

— Exatamente. Não faz sentido. Mas pessoas assustadas tendem a culpar qualquer um que aparece pela frente. Agora. – Ele dá uma olhada no relógio. – Está na hora de você voltar. Pode não ter aula hoje, mas a sua Tia vai ficar preocupada se você ficar tanto tempo na “floresta”. – Eu aceno com a cabeça e me levanto da cadeira. James segura o meu braço. – Vou indo na frente. Te espero lá fora. – Anthor dá as costas e vai em direção a saída. O silêncio toma conta do local. Eu me viro em direção a James, que ainda está sentado.

— O que foi? – Pergunto de forma mansa. Ele está de novo com aquela expressão sem sentimentos que eu conhecia tão bem. Levo a minha mão em direção ao seu rosto e faço carinho na sua bochecha. Ele fecha os olhos e sua expressão suaviza. Ele fica tão mais bonito assim. Dou um pequeno sorriso. Ele meche o rosto até que meu dedão esteja agora fazendo carinho em seus lábios. Meu corpo treme. Hipnotizada eu contorno seus lábios de novo, de novo e de novo, até que ele os separa levemente. Deslizo o dedo pela abertura sentindo seus lábios quentes, macios e agora molhados. Sinto seus dentes perfeitamente alinhados parando de leve nos caninos levemente pontudos e sigo para a fileira de baixo onde ele curiosamente, também tem dois dentes mais pontudos. Circulo levemente o dente de baixo quando sinto o calor da sua respiração, repito o movimento. Isto foi um gemido? Eu tremo deliciada. Ele captura o meu dedo com seus lábios e começa a circular a sua língua pelo dedão, dando leves sugadas. Coro instantaneamente saindo do transe. Limpo a garganta. – Eu ...Eu preciso ir. – Ele libera rapidamente o meu dedo e pula para trás assustado. Coloca a mão na boca e cora violentamente. Desvia o olhar a acena em resposta. Sem conseguir dizer mais nada vou em direção a abertura. O coração quase saindo pela boca, o dedão pulsando loucamente e a respiração fora do normal. Isso foi tremendamente embaraçoso ...E delicioso. Não consigo decidir. A entrega dele... E a situação fora do normal. Não sei se eu rio ou coro mais. Suspiro. Que dia...