Suspiro animada. As coisas tem sido tão boas. Não acredito em como tudo se desenvolveu. Quero dizer, pouco tempo atrás, ...Ou nem tanto... Enfim, dois meses atrás eu conheci o James e fiquei sabendo de toda a loucura da vida dele, a luta, os ataques, a dor e sofrimento que ele é obrigado a suportar por causa de tudo isso... Teve o Anthor que foi contratado recentemente e logo se encantou com a Fabrina que também se encantou por ele; Lio começou a se relacionar mais comigo mesmo com o receio do seu namorado; Byan passou a ser monogâmico apesar de não admitir o relacionamento; Eu tive diversas crises com meu passado... Enfim, muita coisa aconteceu e faz tanto/tão pouco tempo...

Kalie não tem aparecido muito nem causado preocupações; os ataques à alcateia foram reduzindo até parar; Anthor e Fabrina são um casal oficial e não se desgrudam um do outro... Conseguem ser piores que o Lio e o Isoces. Estes que não tem estado tão grudentos, se é que isso é possível. Mas imagino que seja porque Isoces e eu estamos nos dando melhor e ele não sente mais a necessidade de ser tão superprotetor. ...Acho que os únicos que não mudaram muito desde então foram Bryan e seu namorado Daniel. Continuam indiscutivelmente apaixonados, sempre brigados e... Suspiro. Não oficialmente um casal. A teimosia deles é impossível.

E quanto a mim? Bom, eu não tive mais problemas com o meu passado. No começo até tive alguns mas James se ofereceu para me ouvir e isso me fez muito bem. Ele me entende. Agora consigo falar sobre meus pais e pensar neles normalmente, lembrando dos bons momentos, como deve ser. E falando no James, eu estou a caminho para encontrar com ele agora, seguindo o pulso de energia, que logo descobri que é a energia de seu lobo. No primeiro dia senti mais forte porque ele estava em sua forma animal, quando eu o senti nas outras vezes, estava em sua forma humana, fazendo com que o pulso seja mais fraco.

Enfim... Não acredito que estou tão nervosa que estou falando sozinha... Anthor tem diminuído o ritmo de treinamento do James e a Val tem me indicado apenas sessões de concentração e meditação para que eu aprenda um controle ainda maior sobre a minha energia mesmo quando estou fora de mim e consequentemente conseguir meditar para tentar acessar as habilidades que copiei e já se desfizeram no meu corpo. Isso tem sido bem mais difícil do que eu imaginei... Enfim, estou me distanciando de novo. Tudo isso está me permitindo passar mais tempo com o James. Criamos um grande laço de amizade com o tempo. Mesmo com alguns momentos estranhos, constrangedores e... Limpo a garganta, deliciosos que ocorrem depois que eu o toco. Como naquele dia que encontrei Anthor na caverna pela primeira vez...

— Argh! – Não consigo manter uma linha coerente de pensamento.

— Está tão ansiosa assim é? – Estou a alguns passos da abertura da caverna, James apoiado na entrada. Dou um meio sorriso e suspiro.

— Estou. E se te verem e reconhecerem? Vão te obrigar a lutar. – Anthor finalmente lhe deu permissão para sair da caverna. Ele estava enlouquecendo ali. E nós vamos em algum lugar fazer alguma coisa que James não quer me contar. Por isso estou uma pilha de nervos. Se Kalie o ver ou qualquer um de seus seguidores todo o tempo em que ficou aqui vai ser em vão. E Anthor vai me matar, porque me deixou responsável por ele.

— Nah. Não precisa se preocupar. Não vamos ficar muito tempo na cidade. E se aparecer alguém, não estou preocupado. Treinei por bastante tempo, estou preparado. – Eu arregalo os olhos – Mas não vai acontecer, seu cheiro vai mascarar o meu com certeza.

— Cheiro? O que que tem o meu cheiro? Você nunca comentou algo sobre isso. – Eu sei que Lobos tem um senso de cheiro apurado mas o que é que ele quer dizer com isso? Que eu fedo?

— Papo para outra hora, vamos? – Eu levanto as sobrancelhas e fico o encarando. Ele revira os olhos. – Não estou falando que você fede. Sua energia é poderosa então seu cheiro é mais forte. – Pisco lentamente, as sobrancelhas ainda erguidas. Ele suspira. – Não é um cheiro ruim. – Ele dá um pequeno sorriso e me olha intensamente com seus olhos brilhando. – Não mesmo.

Eu suspiro. Às vezes eu não consigo entender a binaridade da personalidade dele... Ele é todo intenso e malicioso em um momento e no outro é... Entregue e vulnerável. Não que eu não goste... Acho extremamente interessante, mas é confuso. Vou andando em sua direção e passo direto, seguindo o túnel. Finalmente vou descobrir aonde leva. James rapidamente me acompanha e vamos seguindo em silêncio. Logo encontramos uma ramificação e deixo James guiar o caminho. Começo a contar as ramificações e quando chego a sete não consego mais segurar.

— Até aonde vai este túnel? – Consigo ver seus lábios se repuxando.

— Eu não tenho certeza. Mas sei que se estende por toda a cidade e além. – Meus olhos se arregalam em surpresa

— E você conhece todos os caminhos de cor? – O vejo sorrindo

— Não. Fiz esse caminho apenas uma vez, e foi na outra direção. Estou me guiando pelo cheiro.

— Hum... Achei que não desse para cheirar nada comigo por perto.

— Ainda está insistindo nisso? – Ele suspira. – Dá sim. É só não prestar atenção nele. Eu só quis dizer que quem não te conhece, ficaria tão abismado pelo teu cheiro que não perceberia que está camuflando alguém. – Pelo menos agora sei por que Anthor me deixou responsável por ele. Com certeza estava contando com que eu mascarasse seu cheiro. Mas ainda não estou satisfeita com a explicação. Mais tarde vou insistir de novo... Hum? Ele está se guiando pelo cheiro? Só pelo cheiro?

— Você está enxergando alguma coisa?

— ...Não. – Observo sua expressão. Ele parece um pouco incomodado com isso.

— Interessante... – Ele para abruptamente e se vira na minha direção.

— O que quer dizer com isso? – Não sei... Tem muitas possibilidades passando pela minha cabeça no momento...

— ...Nada. Só achei interessante. – Ele avança na minha direção e para bem próximo a mim

— Mesmo que eu não consiga ver, ainda ouço muito bem. Não vai conseguir me pegar desprevenido. ...Não enquanto eu respirar. – Ele se inclina para frente e inspira levemente. Ele fecha os olhos em deleite, dá meia volta e sai andando. Completamente corada, chacoalho a cabeça tentando me destravar do lugar e o sigo. Pelo menos agora tenho certeza MESMO de que ele não está enxergando porque se não, não teria se aproximado tanto. Pouco tempo depois ele para e olha para cima. – Pode procurar uma tampa de metal e me direcionar para debaixo? – Eu franzo as sobrancelhas para ele.

Mas ele não pode ver. Suspiro e faço o que pede. Olho para cima tentando localizar... Uma tampa de bueiro? Nós não vamos surgir no meio da cidade, vamos? O corredor em que nos localizamos agora, apesar de estreito é relativamente alto então levo um tempo para achar. Explico para ele a direção em que deve ir, já que não me deixou guia-lo e espero para ver o que vai fazer. Garras crescem das suas mãos e pés, ele se agacha e salta. De queixo caído eu observo ele se prender ao teto e mover o bueiro. Assim que tem espaço suficiente ele pula para fora.

— Consegue subir? – Ele pergunta pela abertura. Balanço a cabeça para sair do meu estupor e fecho os olhos para me concentrar. Tento acessar o máximo do que eu consigo das habilidades copiadas da minha mãe. É bem mais fácil do que qualquer outra por causa da quantidade de vezes que a copiei mas ainda assim é complicado. Assim que sinto uma mudança na minha energia abro os olhos. Começo a pular de um lado da parede para o outro com o máximo de agilidade que consigo e me vejo chegando rapidamente ao topo. Falta só mais um pulo, só preciso acertar a abertura, pouco antes minhas pernas fraquejam e eu erro o ângulo. Fecho os olhos em susto e sinto um baque nos meus braços. Os abro e vejo que estou me segurando na abertura por pouco, só com a ponta dos meus dedos e escorregando. James aparenta não saber o que fazer. – Posso te tocar? – Morrendo de medo de cair demoro para entender o que ele quer dizer. Respiro fundo e tento me acalmar, se isso é possível. Minha energia está segura apesar do meu desespero. As sessões estão ajudando, ainda bem.

— Pode. Minha energia está segu... – Nem consigo terminar a frase. Me sinto ser puxada pelo ar e logo sinto terra firme em baixo de mim, me acalmando. James move o bueiro de volta ao lugar e retorna rapidamente ao meu lado.

— O que aconteceu? – Ele pergunta preocupado.

— Acessei a habilidade da minha mãe para subir mas no último pulo eu a perdi... Tenho que perguntar para a Val como eu faço para manter por mais tempo... – Ele me abraça fortemente.

— Fiquei com tanto medo... Você é poderosa, mas nem tanto. Tem que tomar mais cuidado. – Eu sorrio sentindo seus braços a minha volta. O afasto levemente colocando a mão em seu rosto.

— Eu estou bem agora. Obrigada. – Seus olhos suavizam e ele cora levemente. Começo a fazer carinho em seu rosto e sinto ele ficar tenso.

— De nada – Diz duramente se soltando dos meus braços e se afasta. – Precisamos ir. – Eu suspiro me levantando também. Vejo que ele escondeu o bueiro com galhos e folhas. Estamos entre a beira de uma floresta e uma parede gigante.

— Para onde vamos? – Pergunto incerta olhando para a floresta.

— Não. Se seguirmos pela floresta, podemos encontrar Lobos de guarda. Vamos pela cidade. – Fala virando de costas para mim e seguindo para o final da parede. Eu o sigo e encontro um pequeno caminho. Quando chego ao fim encontro uma rua pavimentada e deserta. Vejo que James não parou de andar e estou ficando para trás. Corro para o acompanhar e percebo que agora está calçado e usando boné.

— Onde conseguiu essas coisas? – Digo apontando para os dois.

— Anthor deixou para mim. Ia chamar muita atenção se andasse descalço pela cidade. – Aceno que sim. Logo chegamos a uma rua mais movimentada e eu redobro minha atenção. Fico tão concentrada que não percebo onde estamos até ele parar em frente aos campos verdes por onde sempre passo. Ele se afasta do caminho e começa a seguir em direção à eles. – Vamos até a floresta. Esta é uma região neutra, nunca tem Lobos na área então não precisa se preocupar.

Assim que chegamos à entrada da floresta deixo James ir na frente para mostrar o caminho. Ainda bem que eu gosto da natureza porque andar está sendo bem difícil. Não tem uma trilha para seguir. Eu já estou completamente perdida e a floresta está ficando cada vez mais densa. Sinceramente, não sei como o sol consegue passar pelas árvores e iluminar o ambiente da forma que está porque, olha no mínimo, a cada metro tem uma árvore. James começa a ir em direção a uma subida e eu gemo baixinho. Amanhã eu não saio mais da cama porque olha o exercício que as minhas pernas estão fazendo...

— Está tudo bem aí? – Eu olho para cima e vejo James tentando segurar um sorriso ao ver a minha expressão. Suspiro e continuo a subir. Se eu reagir ele vai rir e se ele rir é um homem morto. Mas como eu não tenho energia para assassinar ninguém hoje é melhor ficar quieta. Depois de um tempo, finalmente as árvores começam a ficar mais espaçadas e os troncos mais largos, facilitando o apoio. Isso se eu tivesse energia.

— Não aguento mais. Desisto. – Começo a choramingar.

— Não precisa. Já chegamos – “Já”? Como assim “já”? Isso foi o que um passeio para ele? Suspiro provavelmente foi mesmo. Olho para cima vendo James em pé em um local plano. Pouco acima de onde estou a terra fica plana, do nada. Isso é natural? Subo até onde ele está, me largo no chão e fico. Abro os olhos quando sinto algo gelado na minha bochecha. É uma garrafa de água. Olho para ele e em volta e vejo que tem um monte de coisa aqui em cima. Até uma barraca.

— De onde vieram essas coisas?

— Já estavam aqui. Você que estava aí morrendo não viu. – Ele fala zombando. O Olho feio e me sento. Bebo a garrafa inteira de uma vez. Suspiro já me sentindo melhor. – Não achei que ficaria tão cansada. Desculpe. – Ele fala ainda com um meio sorriso no rosto. Suspiro. Que homem lindo. Não tem como ficar brava.

— De boas. ...Qual que é a história desse lugar? – Me viro para ele. Que ainda está em pé e se movimentando de um lado para o outro. Por que está nervoso? Ele para e me olha sorrindo para mim.

— Quando era mais novo, sempre que tinha algum problema eu corria para cá. É o único ponto que permanece iluminado sempre. Mesmo a noite a lua está sempre mantendo tudo claro. Na alcateia diziam que os espíritos habitavam os pontos mais iluminados da terra. Meus pais diziam que não era bem assim. Falavam que o lugar era iluminado por que ser ocupado pelos espíritos. Eu nunca acreditei em nenhuma das versões mas sempre vinha aqui para me sentir próximo a eles. Um pouco controverso, não?

— Já estou acostumada. Acho que é uma característica sua. – Lhe dou um meio sorriso. Ele sorri de volta e começa a se movimentar estranhamente de novo. Suspiro. – Por que você está tão nervoso? – Ele para.

— Quero te mostrar que confio em você. Plenamente. – Ele se afasta um pouco de mim, começa a se contorcer e dá alguns gemidos de dor. Eu me levanto assustada. Logo escuto o barulho de ossos se quebrando e os gemidos se tornam urros. Ele está se transformando. Me prendo no lugar e observo a sua transformação. Ele já está de quatro, as costas formando um arco o pescoço esticado para baixo. Logo seus pés e mãos se transformam e patas, um rabo surge de suas costas, as pernas e torso aumentam de volume, sua face se estica e seu corpo é coberto de belos pelos negros. A transformação está completa. Eu suspiro aliviada. Ele abre os olhos e se vira em minha direção. Eu sabia que ele seria belo nessa forma mas isso é pegar pesado. Encantada sigo em sua direção. Ele dá alguns passos para trás. Hum... Não sei o que está pensando, assim fica difícil. ...Mas eu imagino.

— Está tudo bem. – Lhe dou um sorriso sereno. – Não estou com medo. – E estico minha mão em sua direção. Ele inclina sua cabeça me analisando e depois de uma pausa segue lentamente em minha direção até parar na minha frente. Depois de outra pausa ele inclina sua cabeça em direção à minha mão. Sinto seus pelos macios e começo a lhe fazer um carinho. O observo esperando que se afaste. Ele não o fez. Apenas fecha os olhos em deleite. Começo a fazer carinho com a outra mão e ele começa a se aconchegar em mim de tal forma que quase perco o equilíbrio. Me sento no chão e ele me segue se aconchegando de novo. – ...Um dia precisa me contar porque é tão hesitante em deixar que eu o toque na forma humana. Ele fica um momento sem se mexer e depois acena lentamente com a cabeça. Eu sorrio e me aconchego a ele também, sussurrando perto de sua orelha. – Muito obrigada por esse presente. – Ele dá uma bufada pelo nariz e lambe a minha mão. Eu começo a rir.

Ficamos assim pelo resto do dia, dormimos juntos na barraca e no próximo dia a tarde nos preparamos para fazer o longo caminho de volta. Ele sempre em sua forma de lobo, fiquei impressionada. Consegui aprender muito mais sobre ele do que imaginei. Mas ainda acho que ele se manteve na forma animal em parte para se esquivar da minha pergunta...