Acordo antes do horário e fico deitada na cama relembrando o final de semana com o James… Realmente, foi muito bom. Pode até ser estranho para outras pessoas, o fato de eu me sentir tão próxima dele, passando um fim de semana inteiro com ele na forma animal, sem comunicação… Mas é que para mim a comunicação é tão relativa… Nem sempre precisa ser feita através de palavras… Elas são sim importantes, tanto que eu vou precisar delas para que ele me dê aquela explicação sobre o toque… Mas mesmo que ele demore um pouco para me contar já estou feliz, porque ele vai se abrir para mim. Enfim, divaguei, ops. Então, palavras são importantes mas nós não precisamos dela destes dois dias. E nem sentimos falta.

Suspiro feliz me virando para o teto, passamos boa parte do tempo apenas sentados juntos, as cabeças encostadas, assistindo as árvores balançando ao vento... Brincamos e corremos por aí, ficamos deitados nos olhando… Pft, este momento eu estraguei caindo na gargalhada, mas não tinha como, ele deitado parecia só um cachorro muito grande. Quando a língua dele caiu para fora da boca eu não resisti, estava muito engraçado. Raspo a garganta para não começar a rir com a lembrança. Coitado, eu juro que não foi de propósito. Mas ele não ficou muito feliz não. Não gosta de ser comparado a um cachorro, mas eu ia comprar com o que? Eu nunca convivi com um lobo, outros animais não fazem sentido na comparação sem contar que foi completamente involuntário.

…Mas eu sinto muito. Não vou conseguir resistir não provocá-lo com isso. Sorrio levemente. Aposto que ele deve ficar ou bem fofo irritado ou estonteantemente irresistível… Suspiro. Ah, esta dualidade... Sorrio boba. ...Tenho que admitir, o melhor momento foi o da noite. Ele pareceu meio nervoso e inquieto quando chegou a hora de dormir e depois de perambular de um lado para o outro durante algum tempo, deitou o mais longe de mim na barraca. Mas esfriou muito e não tinham cobertores suficientes então eu me dei permissão de ir até onde ele estava e me chameguei em sua pelagem para me aquecer… Suspiro. Não sei se ele estava acordado ou não mas se ajeitou para mais perto também.

Em um chão duro, uma noite fria, ventando e com chuva. Acredite ou não, nunca dormi tão bem. A pelagem macia debaixo de meus dedos, o calor de seu corpo próximo, o som de seu coração… Suspiro. Ah, foi bom demais. Viro de lado me aconchegando na cama, olho o horário e suspiro, hora de levantar. Sigo para o armário colocando uma roupa bem quentinha e a minha bota impermeável. Quero manter essa sensação gostosa o máximo que eu conseguir. Pego as minhas coisas e sigo para a sala da sabrina, cantarolando baixinho e passando o dedo pelos meus cabelos. Abro a porta sem bater e encontro a Fabrina animada assobiando para si. Poderíamos começar uma banda. Rio chacoalhando a cabeça para esse pensamento besta. Mas parece que não fui a única com um fim de semana bom. Sorrio feliz e a comprimento.

— Alguém acordou animada. – Ela diz sorrindo para mim.

— Não só eu né? – Eu pisco um olho para ela e ela cora levemente. – Como estão os experimentos? – Seu sorriso aumenta e seus olhos começam a brilhar.

— Prontos. – Ela diz com um sorriso enorme.

— Não brinca, sério? Como? Desde quando?

— Terminei não faz muito tempo… Mas sabe como é, eu sempre fiz pequenas quantidades para os testes no microscópio, antes de podermos fazer um teste real eu preciso fazer uma quantidade decente.

— Mas isso é ótimo. Você é incrível Fabrina! – Eu pulo a abraçando. Ela ri comigo.

—Cuidado com os frascos. – Ela realmente está muito feliz. Seus olhos não param de brilhar. Ela dá um pequeno sorriso… – E aí como foi o acampamento? – Eu a olho surpresa, como é que sabe disso? Ela ri. – Anthor me contou que você ia sair com o sobrinho dele este fim de semana. Me contou que teve de ir até a floresta ajeitar tudo para lhe fazer uma surpresa… É bom que tenha valido a pena esse tempo que ele não pode estar comigo, viu? – Ela pisca um olho para mim. Eu rio.

— Se valeu a pena?! Foi maravilhoso... Bom, tirando o fato de que me fizeram andar um monte através de uma floresta apertada para chegar a um lugar que nem sabia qual era. – Suspiro. – Só consegui realmente aproveitar o momento um bom tempo depois de chegar porque olha, eu estava acabada da caminhada e escalada, por sinal, aí o James ainda me deu um puta susto… Quer dizer, foi bem fofo depois mas na hora eu estava quase tendo um ataque cardíaco. Por que né? Vamos combinar. – Eu digo revirando os olhos e rindo.

— Não sei se entendi. O que ele fez? – Ué.

— Anthor não te contou disso? Hum… Talvez ele nem soubesse… – Por quê isso faz tudo parecer ainda mais especial? Talvez porque agora eu sei que ele liberou o James realmente para passar o tempo comigo, e não para simplesmente treinar o tempo de transformação. Estou sorrindo toda boba e quase esqueço da Fabrina, que me olha impaciente. – James, sem avisar nem nada, começou a se transformar na minha frente! Foi realmente uma cena incrível... E chocante. É bem diferente ver a dor da transformação de perto e ler sobre ela…

— Ah. – Ela sorri. – Agora eu entendo. Ele é um mutante. Realmente uma boa combinação para você. – Eu tento sorrir em resposta mas estou um pouco confusa. Até porque acho que as habilidades não tem muito haver com compatibilidade, é uma coisa mais da personalidade, ou do espírito, veja o Lio e o Isoces como exemplo, anjo e vampiro quem diria que isso é compatível? Mas não é isso que estou estranhando...

— Você não sabia? Anthor e James são mutantes. E do mesmo animal... Apesar de não serem diretamente parentes, eles ainda fazem parte da mesma alcatéia.

— Alcateia…?! ...Como em Alcateia de Lobos?! – A expressão dela está um pouco estranha, vários sentimentos se passam através de sua face. Ela fica quieta por um tempo apenas tremendo e suando…

— Fabrina? Você está bem? – Eu estico o braço em sua direção, e com o mesmo olhar estranho ela sai correndo para fora da sala. – Fabrina! – Tento ir atrás dela mas eu a perco pelos corredores. Tento recuperar o fôlego. Ela é bem rápida para uma humana. Suspiro, o que será que aconteceu? Ela pareceu bem perturbada.

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Fabrina continua correndo sem rumo pelos corredores quando bate de frente com alguém. Desequilibrada ela tropeça para trás e cai no chão.

— Amor? Você está bem? Eu sinto muito, estava distraído. – Anthor estica a mão oferecendo ajuda para que levante. Fabrina continua caída no chão, o queixo caído e mil sentimentos passam novamente pelo seu rosto, até que um permanece. Raiva. Ela bate a mão de Anthor para longe e grita.

— Eu não quero ajuda de um animal como você. Eu não quero nada. Nada. Você é só um monstro disfarçado em pele humana. Eu não acredito que… – Sua expressão se altera para a de nojo. Anthor suspira e balança a cabeça.

— Eu sinto muito por não ter te contado. Eu imaginei que reagiria assim. Mas achei que me conhecendo você entenderia… – Ele a olha aflito. – ...Eu sinto muito pelos seus pais, mas...

— VOCÊ...?! SABIA...?! E EU AQUI ME ILUDINDO COM A POSSIBILIDADE DE VOCÊ NÃO TER NADA HAVER, MAS VOCÊ SABE. SEMPRE SOUBE… VOCÊ FAZ PARTE DOS MONSTROS QUE FIZERAM AQUILO COM ELES ...COMIGO! – Ela se levanta se afastando rapidamente. Anthor estica a mão em sua direção e ela o olha com raiva dando mais um passo para trás.

— Amor, não fale assim. Eu sinto muito por não te falar. Eu sempre soube, sim, mas não tive nada haver aquilo. Eu até…

— AMOR? EU NÃO SOU SEU AMOR! NÃO SEI NEM POR QUÊ ESTÁ DIZENDO QUE SIM. VOCÊ NÃO TEM SENTIMENTOS! É INCAPAZ DISSO. VOCÊ É UM ANIMAL, GUIADO POR INSTINTO SEMPRE PRONTO PARA MACHUCAR E MATAR. VOCÊ… – Ele novamente tenta se aproximar, lentamente, com as mãos em defesa em frente ao seu corpo. – NÃO SE APROXIME! NÃO OUSE CHEGAR PERTO. – Ele finalmente decide ficar parado, mas ainda não parou de tentar.

— Fabry… – Ele diz esperando reação. Ela apenas congela no lugar. – Fabry, por favor me escute.

— NÃO ME CHAME ASSIM! MEUS PAIS ME CHAMAVAM ASSIM. VOCÊ NÃO TEM ESSE DIREITO. – Uma única lágrima escorre de seu rosto – Nunca teve. – Ela vira as costas e sai correndo novamente. Anthor, que fica para trás, cai sobre seus joelhos e enterra o rosto nas mãos.

— As coisas não podiam continuar boas, podiam?