Um Novo Aluno

Cap. 06 Um Pouco de Etiqueta


Assim que chegaram ao terceiro andar, viram vários alunos agitados que gritavam em coro “briga! Briga!”. Finn e Marshall se embrenharam na selva de pessoas, tentando chegar ao centro da confusão. O loiro pisou em algo e deu um olhar de relance para o chão. Seus olhos se arregalaram, seu pé estava sobre o boné de Marceline, que não era mais completamente preto, sua aba reta estava completamente manchada de algo branco.

Ele ligou os pontos, Flame tinha ido se encontrar com Jujuba na biblioteca, e Marceline tinha ido atrás dele e o boné dela estava ali, largado, enquanto várias pessoas atiçavam uma briga.

Desejou estar errado, mas quando ele e Marshall quebraram a barreira de alunos se depararam com duas garotas engalfinhadas. Os dois pararam em choque. Marceline e Jujuba eram uma confusão de puxões de cabelo, pontapés, tapas, arranhões e, principalmente, gritos.

— Eu já tentei separa-las, mas...! — a voz agoniada de Flame pareceu despertar Marshall, que saltou em direção as duas.

O vampiro segurou sua irmã, puxando-a, o que foi um erro. Levou uma cotovelada da vampira e a largou dizendo um palavrão. Finn e Flame, percebendo que o vampiro sozinho não daria conta das duas, correram em seu auxilio.

Depois de muito esforço e levarem alguns chutes, os três conseguiram imobiliza-las. Finn e Marshall seguravam os braços de Marceline, que ainda tentava avançar, e Flame tinha um braço passado pela cintura da Princesa doce, a levantando do chão e impedindo-a de partir para cima da vampira.

As duas se debatiam, mas estavam bem presas. A multidão que assistia calou-se de repente. Então, a discussão de Jujuba e da Abadeer ecoou pela biblioteca:

— Sua vadia insensível! — Marceline rosnou, a respiração ofegante — Cadela arrogante!

— Insensível?! Como ousa?! Sua... Sua... — a Princesa gritou com sua voz fina, puxando o ar para os pulmões em grandes golfadas, como se “insensível” fosse o pior dos insultos que a vampira dissera — Hipócrita!

— O que está acontecendo aqui? Que gritaria é essa?

Marshall assobiou um palavrão, Finn tirou os olhos de Jujuba e voltou-se na direção de quem fizera a pergunta. Um homem atarracado de cabelos loiros e dono de um grande bigode se destacava da multidão, seu terno marrom bem passado.

O Rei de Ooo, diretor do colégio, esperou uma resposta que não veio, mas não precisou de muito tempo para adivinhar.

— Na minha sala, as duas. — falou em tom grave apontando para as garotas.

Finn e Marshall, percebendo que Marceline parara de tentar avançar, a largaram. Flame pôs Jujuba no chão como se estivesse se dando com uma boneca de porcelana.

Descabeladas, arranhadas e roucas, as duas saíram da biblioteca juntas do diretor, os queixos erguidos diante dos olhares dos colegas.

— O que vai acontecer com elas? — Finn perguntou, estava sentado na mesma mesa de antes, com um Marshall furioso e um Flame espantado.

— Provavelmente serão suspensas, nenhuma Princesa é expulsa do Colégio Ooo. — o vampiro respondeu em uma voz baixa de dar calafrios enquanto rodava o boné da irmã em uma das mãos.

— Eu... Eu não sei o que aconteceu... — Flame murmurou olhando para a mesa — Saí para pegar um livro de Biologia e quando voltei...

Ele não precisou terminar, Finn e Marshall tinham uma ideia do que o Príncipe de fogo viu. O humano fitava o moreno, preocupado. Sua irmã e sua melhor amiga tinham acabado de brigar feio.

O loiro também se encontrava deprimido, Jujuba e Marceline tinham se tornado suas novas amigas, e se agora ele tivesse dificuldade para falar com uma por causa da outra?

— Não se preocupe, isso nunca atrapalhou minha amizade com as duas. Elas não podem esperar que cortemos laços. — Marshall o tranquilizou, como se soubesse exatamente o que Finn estava pensando.

— A Jujuba... Eu não imaginava que ela podia bater daquele jeito! — Flame comentou, uma súbita animação pondo um grande sorriso em seu rosto e as bochechas colorindo-se, sem contar com o calor mais intenso que passou a irradiar.

Finn surpreendeu-se com o que Flame disse, como assim não sabia daquilo? Será que não frequentava as aulas de duelo? O loiro lançou uma interrogação muda ao vampiro, ao que ele respondeu:

— Pessoas apaixonadas não enxergam bem.

O humano ficou muito surpreso com a frase, nunca ficara apaixonado e, pelo visto, nem queria, gostava de seus olhos como estavam.

Marshall deu um soco na mesa, fazendo Finn se sobressaltar e tirando Flame de suas divagações sobre a Princesa doce. O moreno encarava a própria mão e Finn teve um impulso inconsciente de segura-la. Conteve-se. “Mas que merda você está pensando, Finn?!” se indagou mentalmente.

— Sabe, desde o início Marceline estranhou Jujuba.

Estranhou? — o ruivo não entendera.

— É o que acontece com alguns cachorros, não conseguem ficar perto um do outro sem rosnar.

O Príncipe fez um barulho de compreensão e Finn prendeu os olhos em alguns livros distantes. Imaginou se fora isso que acontecera com Chiclete quando se conheceram. Talvez o primo de Jujuba o estranhou.

— Eu achei que ia ser só uma questão de tempo para se darem bem, mas as coisas foram piorando. Penso que hoje elas chegaram ao limite. Eu... — então o vampiro olhou para Finn e o humano esperou que continuasse — Eu queria poder entender o motivo de tanta hostilidade.

***

— Boa tarde. — a voz seca da professora Schmid cumprimentou a sala.

Todos responderam com um “boa tarde professora”. A sala de Etiqueta era circular, com várias mesas de chá espalhadas e janelas abertas que deixavam a brisa e a claridade de fora iluminar o lugar. Marshall avisara a Finn que a senhora Schmid era a pior de todos os professores de Ooo.

Enquanto esperavam-na, o vampiro fez questão de dizer que certa vez...

“Resolvi levantar o dedo do meio ao pegar a xícara de chá e ela me colocou para fora da sala, mas não antes de me passar um dever de casa enorme sobre as Regras Inquebráveis do Chá da Tarde.”

Finn pediu que Marshall falasse mais sobre a professora, primeiro por que não queria ser posto para fora da sala de aula logo no seu segundo dia e, segundo, pensava que distrair o vampiro do acontecimento da biblioteca seria bom.

Entretanto, não tinha como Marshall esquecer o que toda a escola estava comentando. E como se não bastasse, ainda apontavam para os dois e diziam “o irmão e o novato ajudaram a separar a briga”.

— Hoje iremos esquecer um pouco sobre a forma correta de se cumprimentar alguém da realeza. — Schmid falou sob toda a atenção da turma posta em seus um e sessenta de altura.

Seu olhar negro era duro e infalível, e lembrava o de uma ave de rapina. Ela mantinha os cabelos cor de palha em um coque apetado perfeito no cocuruto da cabeça. O terninho estampado que moldava o corpo ossudo parecia ter a mesma idade da dona, uns quarenta e cinco anos.

— Soube por intermédio de alguns bons e educados alunos, (Chiclete e Lumpy trocaram uma risadinha abafada) que na hora do intervalo, duas alunas dessa turma cometeram uma falta grave no que diz respeito a bons modos.

Finn sentiu a mesinha de chá tremer, Marshall a segurava firmemente, o rosto impassível escondendo sua raiva. O humano lançou um olhar irritado para a mesa em que o primo de Jujuba e Lumpy se encontravam juntos de Cake.

— Devo dizer que Marceline Abadeer estar envolvida em algo do tipo não me surpreende, sendo Princesa de um lugar como a Noitosfera ela não fez nada inesperado. — Schmid mirou os olhos de águia em Marshall, desafiando-o a dizer algo.

Finn sentiu os músculos de seu rosto se contraírem, que tipo de professora falava assim de um aluno?

— Já Bonnibel Bubblegum, é lamentável ver como caiu de nível quando se misturou com pessoas de caráter duvidoso. Sim Fionna?

Schmid viu a mão da loira levantada no ar e a deu permissão para falar.

— Professora Schmid, minha vó sempre me disse que se um homem se rodeia de selvagens é provável que ele se torne um, isso é verdade?

Um dos cantos da boca fina da professora se ergueu no que Finn imaginou ser um sorriso, e ele também começou a tremer ao ver Cake, Lumpy e Chiclete se sacudindo enquanto prendiam o riso. Ódio líquido subiu sua cabeça, ninguém iria falar assim de seus amigos. Só conhecia os Abadeer e Jujuba a menos de dois dias, mas nenhum colega o tratara da forma como os três fizeram.

Deu um olhar de esguelha para o vampiro a tempo de ver os olhos negros o fitando. Finn tentou passar para Marshall o que tinha em sua mente, mas não foi preciso, porque quando Schmid declarou:

— Não tenho certeza se é, mas usando o exemplo desse colégio, que vem regredindo cada vez mais graças a escória vinda da Noitosfera...

— CALA A BOCA!

Duas cadeiras delicadas foram ao chão e a turma inteira se voltou para Finn e Marshall, que estavam de pé, as respirações ofegantes por conta da raiva e os olhos presos na professora como se pudessem queima-la somente a encarando.

Depois de alguns longos segundos de silêncio, todos viraram a cabeça de novo para Schmid. A professora não podia estar mais satisfeita com a explosão dos garotos. Claro que só queria atingir o selvagenzinho da Noitosfera, mas pelo visto o novo aluno também era um mal educado.

— Para a sala do diretor. — mandou com um sorrisinho desagradável.

***

Jujuba caminhava apressada, logo atrás do Rei de Ooo, e evitava com todas as suas forças olhar para Marceline. Ainda tremia pela adrenalina liberada durante a briga e um de seus ombros doía horrivelmente. Além disso, pressentia uma dor de cabeça chegando por causa dos puxões que a vampira dera em seus cabelos.

Desejava que Marceline estivesse sentindo a mesma dor que ela multiplicada por mil. Como ela ousava chama-la de insensível?!

E agora, Bonnibel Bubblegum, Princesa doce, aluna exemplar, estava indo para a sala do diretor do colégio por conta da vampira. Marceline ia se arrepender por aquilo, Jujuba não sossegaria até se vingar pelas tapas e insultos.

— Entrem. — o Rei de Ooo disse abrindo a porta de madeira lisa.

Marceline passou por ele calmamente e, sem rodeios, largou-se em uma das poltronas de frente a mesa do diretor. Jujuba a imitou, com a diferença de ter sentado como uma verdadeira Princesa, embora suas costas estivessem doídas.

— Muito bem, — ele se acomodou em sua cadeira acolchoada e olhou para as duas, alisando o farto bigode — expliquem-se.

— Essa ridícula me provocou!

— Ela pediu pelo que recebeu!

Marceline começou feroz e Jujuba rebateu tentando manter calma, embora sua voz não escondesse em nada sua raiva. Daí a vampira prosseguiu com sua versão da história e a Princesa continuou a desmenti-la.

— Ela me atacou com um corretivo sem motivo algum!

— Ah, por favor, você me chama de... como é mesmo a palavra? Piranha e ainda espera que eu fique quieta?!

— Viu só?! Me atacou por eu ter dito a verdade!

E a discussão perdurou por mais alguns minutos, até o Rei de Ooo levantar uma das mãos e declarar:

— Já basta, entendo o que está acontecendo aqui. Para mim, este é um caso claro de inimizade sem causas.

— Tá doido?! — a vampira perguntou incrédula — eu posso garantir que existem muitos motivos para eu detestar essa coisa doce!

Jujuba deixou o queixo cair, tanto pela forma como Marceline falou com o diretor quanto pelo que disse. Ela olhou abismada para o Rei de Ooo, mas ele não pareceu nem um pouco incomodado com os modos da Abadeer.

— Claro Marceline, aposto que você também tem muitas razões para ter pichado o muro da minha casa, mas isso não quer dizer que elas tenham fundamento. — falou calmamente.

A Princesa doce não conseguiu se segurar e lançou um olhar de esguelha para a vampira. Ela realmente não tinha noção das consequências de seus atos. O Rei de Ooo poderia muito bem denuncia-la por vandalismo. Tirou sua atenção disso, pois “por que eu deveria me preocupar com ela?!”pensou, e tratou de contrariar o diretor, porque existiam sim vários motivos para as duas se odiarem.

— Diretor, eu tenho de dizer que está enganado, se há alguém de quem eu desgosto imensamente, e com razão, é essa delinquente!

Jujuba ignorou o “boboca” que a vampira soltou e avaliou a expressão do homem atrás da mesa. Ele alternava o olhar entre ela e Marceline, impassível.

— Certo, — disse e deixou um suspiro escapar — então me digam quais.

As duas pareceram ter a mesma reação ao mesmo tempo, arregalando um pouco os olhos e emudecendo-se. Jujuba sentiu o pulso acelerar e suas mãos começaram a suar. A vampira não diria nada, Marceline prometera... Porém, ela não parecia tão fiel a sua palavra mais cedo, na biblioteca...

— Ela é uma sabe-tudo irritante, sonsa, arrogante, uma mimadazinha falsa! Quer mais motivos? — Marceline enumerou.

Jujuba quase desmontou de alívio, a vampira não revelara seus segredos. Quase esqueceu que ela era o motivo da Princesa estar ali, na sala do diretor, mas uma pontada em seu ombro doído a fez recobrar toda a raiva que sentia por Marceline.

— E ela é uma estúpida cheia de preconceitos! — a Princesa retorquiu.

A vampira revirou os olhos "ah, por favor".

— Ótimo, não irei suspendê-las, eu... — o Rei começou, entretanto, se interrompeu ao ouvir uma batidinha na porta — Entre.

Finn e Marshall adentraram a sala silenciosamente. Os dois traziam as mãos em punhos e a cara torcida de fúria contida. Jujuba e Marceline os encararam com uma mistura de preocupação e perplexidade nos rostos.

— O que querem?

— A professora Schmid nos mandou vir aqui. — Marshall falou entredentes.

Finn estava tão irado com a atitude da professora (ironicamente) de Etiqueta, que não ousou abrir a boca por medo de dizer alguma besteira na frente do diretor.

— Mais uma vez desrespeitando a senhora Schmid Marshall? — o Rei perguntou sem realmente esperar uma resposta e Finn teve vontade de esmurra-lo.

— Isso. — o vampiro concordou, controlando-se.

Aí o humano não conseguiu se impedir de encarar o moreno com uma cara do tipo “que merda você pensa que está fazendo?!”. O loiro não podia deixar seu amigo baixar a cabeça, ele estava na sala quando o vampiro fora humilhado. Somente a lembrança da injustiça o fez voltar a tremer.

— Não, não é verdade! Ela que o desrespeitou! O chamou de selvagem e também a irmã dele! — Finn exclamou rapidamente, os olhos azuis presos no homem loiro de bigode.

Sentiu a mão de Marshall puxar um pouco a manga do moletom branco e os olhos negros do vampiro queimarem sua pele.

— Maravilha! — o diretor comemorou, levantando-se da cadeira e surpreendendo os quatro estudantes — Eu precisava mesmo de alguém para cuidar de um probleminha para mim. Como é seu nome garoto?

Finn estava sem palavras por causa do sorriso repentino no rosto do Rei de Ooo. A voz doce de Jujuba foi que lhe respondeu:

— Ele é Finn Mertens, um Cavalheiro.

— Bom, bom. — disse alisando o bigode — Você e Marshall vão pintar o muro da minha casa.

O humano ia discordar do castigo sem sentido, mas recebeu um pisão no pé do vampiro e tudo o que fez foi quase murmurar um palavrão.

— Abadeer e Bubblegum, a partir de hoje, vão fazer todos os trabalhos em dupla. — sentenciou.

— Você só pode estar brincando?! — a vampira ergueu-se da poltrona.

— Por favor, tudo menos isso! Fazer par com essa desmiolada vai prejudicar minhas notas! — Jujuba implorou inclinando-se para frente.

Porém, o Rei de Ooo já tinha se decidido, e estava irredutível quanto às escolhas dos castigos.

***