— Eu preciso de uma explicação que seja verdadeira. — Implorei a Jack, pela milésima vez para que ele me contasse quem era a tal da Bridget.

Jack fechou a porta de geladeira bebericando um pouco de sua coca-cola, balançou sua cabeça negativamente e revirou os olhos.

— É a sua Bridget? — Eu estava disposta a saber de toda a história. — Quem é ela?

— Uma amiga. Uma amiga! — Ele deu ênfase em todas suas palavras.

— Amiga? Você sempre passa doze horas trancado no quarto com essa sua amiga?

— Não. Não! Estávamos estudando! — Eu o irritava cada vez mais.

— Você a beijou! — Eu desci da bancada da cozinha e me sentei no banco giratório. — O nome dela é Bridget, Jack. Você mentiu pra mim? Sua Bridget é real?

— Não. Droga, não! — Ele amassou a latinha que segurava.

— Jack! Você mentiu! — Levantei-me do banco e coloquei minha mão na minha cintura fina. — Por quê?

— Cara! Me deixa em paz. — Ele retirou outra latinha da geladeira e bateu a porta com ferocidade. — É minha vida, certo? Deixe que eu cuide dela!

— Quer dizer que essa história de anjo da guarda é apenas mentira? O que foi? Não queria me apresentar a Bridget? Ela morde ou o quê?

Jack me ignorou e saiu da cozinha. Devagar, fui atrás dele e parei na frente da porta de seu quarto. Quando me viu, fez uma careta e bateu a porta na minha cara.

Explodi de raiva. Jack com seu jeito misterioso sempre me irritava. Era desatento, ignorante e estranho, e eu tinha remorsos e medo de quem era esse novo Jack. Como ele poderia ter um relacionamento com uma Bridget viva e uma Bridget morta? Isso existe? Se isso não existir, tudo, tudo o que ele me disse, não se passa de uma grande mentira.

— Porque você passou a mentir pra mim? Eu sei que estou parecendo uma garota irritante, mas não me importa. Você me contou parte de seu segredo, agora eu quero saber a outra parte. — Gritei, abrindo a porta. Lá dentro, Bridget e Jack estavam sentados na cama. Pareciam apenas a conversar.

— Que insistência, Belatriz! — Jack gritou alto, fazendo-me pular quase um metro de altura.

Bridget se levantou e assentiu.

— Deixe comigo, Jack. Relaxa. Você já fez sua parte, agora eu faço a minha.

— Que parte? — Eu também gritei.

— Jack, saia daqui. — Bridget sorriu maliciosamente para ele, sem olhar para mim.

O cabelo dela, preso em um coque foram soltos e seus cachos caíram sobre seu rosto. Quando fechou a porta, ela ergueu o canto de sues lábios e olhou fixamente para mim.

— O que aconteceu? — Perguntei tudo o que se formava na minha cabeça. — Quem é você?

Bastaram poucos segundos para uma risada boba sair de seus lábios. Sentou-se numa cadeira e continuou olhando para mim.

— Jack nunca mentiu pra você.

— Isso não explica nada! — Sussurrei, irritada.

— Eu sou a Bridget, certo? A única e verdadeira.

— Então! Ele disse que ela...você...estava...

— Morta. — Respondeu de modo tão natural e normal, como se estivesse dizendo um simples “oi” para uma pessoa qualquer. — Eu sou ela.

— O quê? Ei, eu estou te vendo! Você não é real? Anjos da guarda só aparecem para a pessoa que estão protegendo. — Eu sabia muito bem desse assunto, mas essa de Bridget era uma novidade. Como, Como ela estava viva e inteira bem na minha frente?

— Você precisa saber da verdade, mas mantenha sigilo. — Pediu.
Concordei, afinal, sou ótima em manter segredos.

— Eu tenho vinte anos. Eu tinha dezoito anos quando morri.
Tentei falar alguma coisa, mas ela fez um sinal para que eu me calasse.

— Era um fim de tarde e eu saia às pressas do meu trabalho. Eu havia recebido uma ligação que meu pai estava em fase terminal de um Câncer maligno e então eu entrei em desespero. Sai correndo do meu trabalho para ao menos despedir dele, porque seria a última vez em que eu o veria. Sai pelas ruas feito uma doida, mas em plena avenida movimentada, eu não quis saber de nada. Fui atropelada por um ônibus escolar, repleto de criancinhas, que por sua vez tirou minha vida. — Seus olhos pareciam que iam inundar em lágrimas.

Comovida, fiquei perplexa e olhei para ela.

— Isso foi há dois anos atrás, certo?

— Sim. — Deu um sorrisinho severo.

— Então me diga, Bridget, se você morreu há dois anos atrás, atropelada, com pode estar aqui na minha frente, conversando comigo e em perfeitos estados? — Eu tinha medo da resposta dela.

— No decorrer da minha morte, Belatriz, aconteceram muitas coisas. Coisas que mudaram minha vida.

— Claro que mudaram. Você estava morta e agora está viva. Você ressuscitou?

Ela riu e pediu para eu me calar.

— Eu contei tudo ao Jack e ele passou a correr perigo. Não por acidente, mas de propósito. Começou a se arriscar mais para que eu pudesse salvá-lo mais vezes.

— Como pular da pedra e bater a cabeça, não é?

Ela balançou a cabeça positivamente.

Meus olhos se marejaram e senti uma imensa vontade de chorar de felicidade. Uma fantástica ideia se formava na minha cabeça.

— Depois que vocês voltaram aqui para Nova York eu voltei a ter minha vida normal. — Murmurou, cheia de orgulho e sabedoria.

— Como?

— Foi como se estivéssemos voltado no tempo. Era de tarde e era o mesmo dia da minha morte. Em vez de sair desesperada correndo pelas ruas, eu peguei um táxi e fui para o hospital. Percebi tudo o que estava acontecendo e depois de ver meu pai, liguei para Jack.

— Voltaram no tempo? Vocês dois.

— É, apenas nós dois. Você não percebeu, mas nós dois sim. Apenas nós dois estávamos envolvidos e naquele dia, ao invés de atravessar a rua, eu não atravessei. Foi como uma segunda chance na minha vida.

— Todos esqueceram sua morte?

— Todos. Foi como se eu nunca estivesse morta.

— Mas porque você passou tanto tempo para encontrar o Jack?

— Esse sacrifício foi apenas meu. Eu liguei para Jack naquele dia, mas o Jack que recebeu a ligação há dois anos atrás era o mesmo de hoje. Assim que essa "segunda chance" passou eu continuei naquele tempo e vivi por dois anos longe dele, o Jack do passado não fazia a mínima ideia que eu ainda estava viva. Decidimos fazer isso, pois nós sabíamos que muitos riscos que ele correu iria acontecer independente de qualquer escolha que ele tivesse, como foi o caso do Harry. Ele precisava de um anjo da guarda, então eu resolvi esperar. Como eu disse, nesses dois anos que eu vivi, o Jack do passado nem imaginava que eu estava viva novamente.

— Que complexo... Então, deixa eu ver se entendi. São dois tempos que ocorreram paralelamente, mas que por conta dessa nova chance acabaram se cruzando?

— Mais ou menos isso. Eu primeiro vivi a história que morri, voltei no tempo, e decidi olhar para os lados da rua e aqui estou, viva e enquanto isso, outra eu, ou melhor dizendo, a “eu do passado”, viva a história em que eu tinha morrido.

Depois de saber toda a história, pude me sentir inteiramente feliz e realizada. Como um sonho, eu já sabia o que exatamente iria fazer.

Então milagres acontecem.

Tive absoluta certeza dessa minha afirmação quando Jack me contou tudo sobre sua relação com Bridget e o que realmente aconteceu com ela.

— Mas como você conseguiu salvar Jack de todos os perigos que ele correu?

— Fácil, eu ter voltado não mudou em nada no que se diz respeito aos perigos já salvo. Não existe um único tempo. Existem vários tempos e estes são paralelos. Eu estar viva mudou algumas coisas no decorrer do tempo, como tudo o que eu vivi nesses dois anos, mas o anjo que eu fui também estava aqui, pois eu não estava perto de Jack fisicamente como agora estou, mas se por acaso eu tivesse o encontrado antes do "eu anjo" aparecer, talvez a minha presença física iria alterar neste rumo da história, e você não teria essa memória do Jack contando sobre a minha existência como anjo.

Foi como num piscar de olhos que uma ideia brilhante e ao mesmo tempo idiota surgiu na minha cabeça, fazendo-me vibrar de tanta felicidade.
Porque se eu me arriscasse mais a entrar em enrascadas e correr mais perigo, o que aconteceu com Bridget poderia acontecer com Jimmy, e assim saciar o nosso desejo, para que possamos ficar juntos para sempre.

Por fim, quando me retirava do quarto, me lembrei de duas coisas para perguntar:

— Bridget?

— Sim? — Perguntou, erguendo os olhos.

— Você teve essa sua segunda chance porque...

— Porque eu era uma pessoa errada. Uma outra Bridget, e acho que tive essa experiência para valorizar mais minha vida.

Jimmy era assim. Eu me lembro no dia em que Louise me disse que ele também era outra pessoa. Talvez isso poderia funcionar para ele.

Sorri.

— Bridget? — Perguntei outra vez.

— O quê?

— Você acha que existem outros anjos protegendo pessoas por aí?

— Claro. — Grunhiu. — Afinal, acredito que alguém também devia ter salvado você do dia da queda do quinto andar, não é? — Seu habitual sorriso sombrio voltou a dominar seus lábios.