Silêncio.

Não consegui conter o choro e desabei em lágrimas, que desciam queimando pela minha pálida face. Fitei a escuridão por um momento, aguardando a hora em que os tremores começariam. Refiro-me a tremores pelo fato de... Brigas. Em qualquer momento, eu saberia que Jimmy estaria me mandando calar a boca e dizendo coisas que me deixariam arrasada.

Bem como o ditado popular diz: Aqui se faz, aqui se paga. Cinco minutos se passaram e meu espelho, minhas cortinas e nem minhas almofadas foram parar no chão. Derrotada, eu me virei e deitei, desejando dormir e esquecer do meu beijo com Bennie.

— Eu sempre cumpro o que prometo. — Quase pulei um metro de altura, de tanto susto.

Me virei e vi apenas um borrão na escuridão. Era ele, com o rosto rígido e pálido, as maçãs do rosto pareciam perder o leve rosado e os olhos cheios de desgosto e fúria.

— Olha... Eu estava bêbada... — Tentei me explicar, levantando-me da cama.

Ele ergueu a mão e sussurrou com a voz fria: ”Pare”.

— Eu tenho que me explicar, tudo bem? Eu errei, eu menti...

— Cale a boca! — Ordenou com a voz entrecortada. Olhou para mim e revirou os olhos, impaciente.

— Jim... — Minha voz fanhosa e chorosa saiu totalmente esganiçada.

— Eu mandei você calar a boca, Belatriz. — Disse suas palavras com um certo império, voltando a me fuzilar.

Me encolhi e dei um passo involuntário para trás. Confesso que estava começando a ter um pouco de medo dele. Não era ele, ou, era um lado de Jim que eu certamente não conhecia. Era mais grosso que o normal, parecia um pai furioso com a filha que fugiu de casa no meio da noite. Nunca o vi tão bravo. Nunca o vi tão estranho, que pelo jeito que eu o conhecia, poderiam me largar a qualquer momento, como um cachorro sem dono.

Será que ele não entendia? Será que ele não ouviu minha conversa com Bridget? Será que ele só aparecia nas horas que eu menos precisava, quando estava mudando de roupa ou tomando banho? O que custava ele ouvir minha conversa com Bridget? Ele entenderia tudo. E se eu falasse pra ele o que estava fazendo, provavelmente me chamaria de estúpida.

— Eu sou uma criatura lamentável, Belatriz? — Perguntou. Não respondi. Fechei os olhos e suspirei.

Num milésimo, suas mãos pararam no meu queixo e ele o apertou um pouco, em busca de uma resposta.

— Não sou? — Quase gritou.

— Não! Não é! Eu estava bêbada...

— Não quero saber. Você prometeu, se lembra? Você não parecia se importar conosco quando dançou com Bennie e até mesmo quando o beijou... O você não se lembra disso?

Fiquei calada. Eu não tinha respostas e nem desculpas óbvias.

— Desisto, ok? Desisto do nosso futuro, porque aliás, eu não vou voltar a viver.

Engoli meu choro e passei os dedos pelas minhas lágrimas.

— Desisto de ter contatos com você, desisto de amar você.

— O quê? — Minha voz soou absurdamente ridícula.

— Eu não quero ter nada com você. Já disse isso. Não vamos a lugar nenhum desse jeito... Insistimos numa relação que nunca vai dar certo. — Seus olhos frios se abaixaram.

Continuei calada, ingerindo todas as palavras dele.

— Não podemos viver dentro desse quarto. Não podemos fazer mais nada, porque o limite acabou.

Uma solitária lágrima desceu dos meus olhos, queimando no meu rosto.

— E se eu não tivesse feito isso? Tudo estaria normal? Eu posso prometer nunca mais fazer isso. — Atropelei as palavras, ainda com poucas esperanças.

Um sorriso sem vida esboçou em seus lábios antes dele balançar a cabeça negativamente.

— Acorde, Bells. — Ele parecia ter pena de mim. — Você já prometeu uma vez. Mas não cumpriu o prometido.

— Todos merecem uma segunda chance. — Lágrimas desciam por toda parte no meu rosto. Eu estava me sentindo um lixo.

— Não. Você não merece. — Respondeu, frio.

As borboletas do meu estômago que se agitavam, pareciam perder a vida, sugando todas minhas forças numa perturbadora lentidão. O estado da minha pele — que estava febril — parecia gelo. Como se eu estivesse saído de um congelador.

Abri a minha boca para falar de todos os meus planos com ele. Tipo um jogo aberto, mas minha tentativa não teve sucesso. Eu iria piorar as coisas.

— Você só pode estar bêbado... Ou drogado. — Provoquei-o, cheia de raiva. — Afinal, você adorava fazer isso. E ainda deve adorar.

— Como sabe disso? — Quase gritou.

Não respondi.

— Como sabe disso? — Atropelou suas palavras, assim como eu. Permaneci calada, fuzilando-o.

— Seu passado te condena, Fields.

Seus olhos cor de azeitona me fitaram com nojo e eu pude saber que aquela seria a única vez que teríamos uma conversa franca... Ou uma discussão. Ele havia sumido. Como sempre sumiu. E eu soube, na hora, que era para sempre.

X X X

Não compareci ao jantar na casa de Louise.

Preferi ficar em casa, cortando meus pulsos de tanto arrependimento. Ok, exagerei demais. Cortar meus pulsos seria uma coisa meio banal para eu fazer, mas eu juro que passei duas semanas dentro do meu quarto, me culpando por todos meus erros cometidos.

Durante essas semanas, recebi 93 ligações não atendidas de Bennie e 114 mensagens de texto, onde ele sempre perguntava “Onde você está, Trix?”. Em todas às vezes, eu me perguntava de onde diabos ele havia arrancado o apelido de Trix? Porque não havia nada a ver com meu nome e eu odiei o apelido, para ser honesta.

Era uma ensolarada tarde de abril quando eu, Lou Lou, Bridget e Jack chegamos do cinema. Fomos obrigadas a aturar os beijos de Jack e Bridget durante o filme. Era insuportável ficar ao lado deles, enquanto sussurravam “eu te amo” e “não vou ficar longe de você nunca”, o que me causava certa náusea, que me fez até mesmo deixar minha pipoca e minha coca-cola de lado, para não vomitar.

Confesso que não deixei de observar os dois. Eram tão reais, digo, de fato eram mesmo, mas viviam tão bem depois de terem passado e arriscado tanta coisa, que tive mais ânimo e interesse para continuar meu papel de “encrenqueira” para tentar salvar Jimmy.

Em todo esse tempo, Jimmy não havia dado as caras nem uma vez. Estávamos separados como grãos de areia numa forte ventania. Era atordoante.

Minha decisão diante de toda essa história não havia alterado em absolutamente nada. Pode parecer ridículo, mas eu continuaria fazendo as mesmas coisas — talvez um pouco piores — e continuaria tendo certeza que Jimmy estaria me vigiando. Ele desapareceu, mas na minha mente sempre tive certeza que ele nunca deixou de ir no meu quarto, no meio das madrugadas, verificar se eu estava bem. Só bastava piorar um pouco as coisas, para ele me salvar. Eu sabia que ter seu perdão seria bem difícil, mas se ele voltasse ao lugar claro onde foi concebido como anjo, iria entender toda essa história.

O suor percorria toda parte do meu corpo, deixando minha pele oleosa e melada. Tomei um rápido banho e vesti um vestido floral curto, acompanhado por um cinto, para me refrescar. Diante do meu grande espelho, prendi meu cabelo ondulado num rabo de cavalo e subitamente tive um grande susto com a criatura que estava bem atrás de mim, me olhando com um sorriso de orelha a orelha. Dei um sorriso enviesado para ele e me lancei em seus braços num forte abraço de urso.

Pode acreditar: Não era Jim.

Em segundos, apertei meu corpo junto ao de John e senti suas mãos apertarem minhas costas suavemente, dando leves tapinhas. Fitei seus olhos azuis — que pareciam estar mais azuis do que o normal — e depois analisei seu rosto e suas expressões. Mentalmente, voltei no tempo e percebi que aquele “moleque” das férias de julho não existia mais. Suas feições se transformaram em feições de um homem com o surgimento de uma barba rala próxima a boca, um olhar mais sério e objetivo. Suas sardas próximas aos seus olhos haviam diminuído, junto com o rosado de suas bochechas. E devo dizer, que ele estava muito alto para ter apenas dezessete anos.

— Oh Meu Deus! — Exclamei, apalpando todo seu rosto. — John, é você mesmo? — Brinquei, com um sorriso de surpresa estampado no rosto.
Ele mordeu a parte inferior de seus lábios e levantou os ombros.

— Sou eu mesmo. — Sorriu gentilmente, puxando uma mecha no meu cabelo para trás dos ombros.

— O que faz aqui? — Pausei. — Digo, vai passar dias aqui? Quantos dias irá ficar aqui? — Falei rapidamente.

— Eu vim para ficar. — Deu um sorriso maior, ao ver minha empolgação.

— Oh! Deus! — Gritei, dando-lhe um outro abraço.

Não devo ter comentado que eu também era bem próxima de John. Na verdade, eu era grudada com John e Jack quando morava na fazenda. E nos últimos meses, me apeguei demais a ele e me desapeguei a Jack. — por conta de Bridget e toda essa ladainha.— No último verão, Louise e John se tornaram meus fiéis companheiros, e ali em seus braços, percebi o quanto passei a gostar dele.

— Eu sei que você sentiu minha falta. — O timbre de sua voz aumentou, quando viu o chuveiro se desligar. Louise estava tomando banho, e com sempre, ele queria provocá-la.

Provavelmente ela iria surtar ao ver John ali, maior e mais charmoso, parado bem na sua frente. Ela iria ao delírio.

— Por favor... — Implorei, unindo minhas mãos com se eu fosse rezar. — Diminua as provocações

Seu polegar parou no meu lábio e ele sussurrou um “calada” me levando até a parede que ficava ao lado da porta do banheiro.

— Sua intenção é dar um susto nela? — Perguntei.

— Isso aí, menina esperta. — Piscou para mim, satisfeito.

A porta se abriu e Louise cantava alguma música que fazia seu corpo todo se remexer. Segui até o closet, balançando seu cabelo molhando e deixando gotículas de água pingarem por sua testa e por seu ombro.
John saiu da parede onde estávamos e ficou ao lado da porta do closet.

— Olá, Lou Lou. — Disse, escondendo-se.

Ela me fitou subitamente, unindo sua toalha ao corpo.

— Engraçado... Pensei em ter ouvido a voz irritante do John. — Soltou um riso nervoso.

Segurei meu riso e me deitei na cama, colocando uma almofada no rosto.

— Lou Lou! — John lançou um sorriso repleto de diversão pra mim.

Sobressaltada, ela andou até mim, olhando em todos os cantos do meu quarto. Quando se virou vagarosamente, deu de cara com John parado bem atrás dela, com um sorriso sombrio no rosto. Seus olhos pareciam brilhar ao olhar pra ela.

— Olá, Johnnie. — Tentou disfarçar o susto que levou, colocando a mão no coração. — Não nos vemos há bastante tempo. — Continuou, com bastante desgosto.

— Isso quer dizer que sentiu falta de mim? — Perguntou, convicto.

— Não! — Deu um grito fino.

Seus fortes braços se ergueram e ele juntou Louise num abraço. Ela agarrou sua de gola V e lhe deu um leve soco no peito, implorando para que ele a soltasse.

— Desgrude de mim! — Reclamou.

Ele a ignorou e a soltou com um sorriso bobo e se sentou do meu lado.

— Qual de vocês duas irá me mostrar a cidade? — Suas sobrancelhas se arquearam.

— Não perderia meu tempo com isso. — Louise cruzou os braços.

Resolvi que precisava me animar. Aprova concreta disso tudo era a discussão de Louise e John, que era tão irritante, mas tão irritante, que me fazia rir.

— O que vocês acham de uma pizza? — Propus.

— É pra já. — John grunhiu, puxando Louise pelos braço.