Um Anjo Protegido

Capítulo Dezoito


Eu estava tentando me acostumar com meu estilo de “Cowgirl”, já que estava vivendo na fazenda outra vez. Era uma tortura ficar sem usar minhas saias e meus vestidos.

Aproveitei a manhã nublada, peguei meu cavalo no celeiro e cavalguei até o cemitério, o lugar onde eu queria ir há dias. Era por volta das sete horas da manhã. Vovó ainda estava dormindo, e eu havia perdido meu sono pouco antes das seis, e ficar me revirando na cama era bem entediante, por isso, tomei a decisão de visitar mamãe.

Amarrei meu cavalo numa árvore perto do portão do cemitério. Aquele local estava mais fúnebre que de costume. As folhas caídas no chão, por causa do outono, contribuía mais para isso. Lembrei-me da vez que fui ao cemitério e vi o túmulo de Jim. Foi o contato mais próximo que tive materialmente com ele.

Caminhei pelas lápides até encontrar o túmulo que havia flores. Não devo ter citado, mas quase todo dia Vovó Violet trás flores para mamãe.
“Eu também poderia ter trazido algumas flores” — Pensei comigo mesma, enquanto fazia o sinal da cruz ao analisar seu nome gravado na lápide: Rebeca Keaton.

Permaneci ali por alguns minutos, perdida nos meus próprios pensamentos e na imagem da minha mãe. Ela era linda quando viva. Ás vezes, eu simplesmente não acreditava em sua morte. Eu apenas acreditava que em uma manhã ensolarada iria acordar e dar de cara com minha mãe na cozinha fazendo o café da manhã, ou então, em uma tarde, ficar plantando rosas de diversas cores nos canteiros de flores que rodeavam minha antiga casa. Uma simples e solitária lágrima desceu pela minha face. Era impossível estar ali e não chorar com tantas memórias que estavam no meu pensamento.

— Ei, olá... — Alguém disse atrás de mim, cutucando meu ombro.

Juro que pulei quase um metro de altura de tanto susto que aquele cutucão me deu. Afinal, eu estava num cemitério, aquela criatura que estava me cutucando poderia ser uma alma penada. Qual é? Coisas sobrenaturais acontecem.

Virei-me e vi que era apenas uma mulher normal, pouco maior que eu.

— Olá. — Eu disse, não reconhecendo sua imagem.

Eu conhecia muitas pessoas das redondezas, porque já convivi com a maioria delas, mas aquela mulher de um longo e ondulado cabelo castanho, que vestia uma saia até os pés, revestida de colares, anéis e pulseiras, não me parecia familiar. Parecia uma hippie que rodava o mundo dentro de um trailer.

— Você conheceu a Becky? — Ela logo perguntou, colocando uma rosa amarela bem ao lado da lápide.

— Claro. — Pausei, passando o dedo levemente pelo meu rosto. — Ela era minha mãe.

Surpresa, a mulher arregalou os olhos.

— Belatriz? É você, Belatriz? — A mulher parecia um pouco histérica ao me reconhecer.

— Sim. Sou eu. Quem é você?

— Oh, sim! — Ela limpou sua mão direita na bata bordada que vestia.

— Sou Kate. — Ela estendeu a mão.

— Sou Belatriz, como você já sabe. — Exibi um leve sorriso quando apertava minha mão na sua. — Você conheceu minha mãe?

— Sim... Sim! — Seus olhos azuis ficaram sombrios de uma hora para outra. — Eu estudei com ela no Ensino Médio. Fomos grandes amigas.
Imaginei se Kate sabia de alguma coisa da morte da minha mãe, então perguntei se ela conhecia meu pai.

— Sim! Edward também foi meu grande amigo. — Confirmou, enquanto caminhávamos de volta para a saída do cemitério.

— Você esteve com minha mãe antes de sua morte? — Tentei adquirir informações possíveis.

— Sim, estive com ela durante bastante tempo. Mas eu não posso te falar aqui, encontre-me amanhã no restaurante que fica na entrada da vila. Agora eu preciso ir.

E ela caminhou. Observei seus passos até sair da minha visão. Foi quando me lembrei de Jim.

— Jim? — Chamei-o.

— Ao seu dispor, Senhorita Keaton. — Jim apareceu ao meu lado, com um sorriso charmoso no canto dos lábios.

— Você ouviu isso? — Minhas mãos ficaram trêmulas, junto com as batidas frenéticas do meu coração. Direcionando-me a Jim.

E se Kate soubesse de tudo? Ela iria me contar?

— Eu vi. — Ele balançou a cabeça positivamente. — Talvez ela te diga sobre tudo. Ela me pareceu bem convincente.

— Estou nervosa... Sei lá. Estou tão obcecada para saber dessa história que acho que vou ter um ataque cardíaco a qualquer momento. — Eu disse.

Jimmy me deu um beijo na testa e repousou suas mãos na minha cintura.

— Independentemente de qual seja a resposta... Eu sei que você é forte e que vai enfrentar tudo isso. Pra quem já sofreu nas mãos de Harry e já escapou de um incêndio, você é a Mulher Maravilha, Bells. — Sorriu, dando-me outro beijo na testa.

Foi como eu disse: O senso de humor de Jimmy me deixava mais feliz do que o normal.

X X X

Diante do grande espelho da parede do meu quarto, eu estava com uma lingerie lilás, indecisa sobre o que vestir.

Na mão esquerda, um vestido florido, que marcava minha cintura e bem curtinho, quase um palmo e meio acima do joelho. Na mão direita, um vestido preto mais justo — não muito vulgar —com um decote que deixava boa parte abaixo do meu pescoço visível.

O florido era muito animado e alegre, e o preto... Bem, eu o usei no enterro do meu tio, há dois anos atrás.

— Prefiro o da mão esquerda. — Murmurou Jimmy, bem ao meu lado.

— Ei! — Coloquei o vestido na frente do meu corpo. — Estou semi-nua, Jim!

— Qual é? — Protestou. — É um país livre. Já te vi assim antes, Bells. Assim e um pouco mais...

— Vire-se! — Ordenei, processando suas palavras. — E é claro que eu sei que você nunca some quando eu lhe peço privacidade para trocar de roupa. Muito engraçado, Fields. Muito engraçado!

Ele colocou as mãos pra cima, como se alguém estivesse apontando uma arma pra ele dizendo “Mãos para cima, meu chapa”.

— Isso não vai adiantar nada... Mas já que você está pedindo.

Coloquei o vestido em segundos e calcei a sapatilha vermelha, soltando meu cabelo nos ombros.

— Estou melhor?

— Eu preferia antes... — Piscou, com um sorriso diabólico. — Mas está linda!

— Sei... — Pausei, olhando de soslaio pra ele. — Vamos? Eu pego o carro e nós vamos. Não quero que ela venha até aqui para me buscar. Não queria me arriscar em entrar no carro de uma mulher que eu havia acabado de conhecer, por isso, dirigi até o restaurante onde tínhamos combinado de nos encontrar, que ficava na beira da estrada, a uns 9 km de distância da cidade.

Ví algumas pessoas bebendo do lado de fora da lanchonete e entrei, esperando que aquele fosse o lugar ideal para ter uma conversa séria.

— Olá. — Eu disse, sentando-me na cadeira de madeira, colocando minha pequena bolsa por cima da mesa.

— Oi, querida. — Kate ergueu seus olhos. Ela ainda insistia em mexer suas mãos de um jeito estranho.

Eu queria ir logo ao assunto, por isso pedi apenas um refrigerante a garçonete, que ficou meio decepcionada porque eu não pedi o Prato Especial da Noite.

— Bom... Porque me convidou para vir aqui essa noite? Deve ter algo muito importante para me falar, não é? — Corroí o silêncio entre nós.

— Querida, você sente falta da sua mãe?

— Sinto. Porque está me perguntando isso?

— Você iria continuar amando sua mãe, mesmo sabendo o que ela fez antes de morrer?

Kate estava achando que era uma protagonista dramática de uma novela, que estava no seu último dia de exibição. Parecia não querer chegar ao assunto principal.

— Acho que sim, mas você vai me contar o que aconteceu? Quero saber disso há anos. Eu pergunto para minha avó, ela começa a chorar. Eu pergunto para meu pai, ele sempre muda de assunto. Qual é a verdadeira história, Kate?

— Vai ser duro para você, minha querida. Não me entenda mal.

— Kate, já é duro para mim não saber desse assunto. — Fui o mais sincera que eu pude. — Pode, por favor, me contar essa história? Espero saber disso há quase quatro anos! — Dei uma longa golada na minha coca-cola.

Ela se endireitou na cadeira, limpando a garganta.

— Kate? Eu preciso saber. — Fixei meu olhar no dela.

— Começou quando você tinha dez anos. Sua mãe foi minha melhor amiga e nós compartilhávamos vários segredos... —Pausou.

Fiz um sinal para que ela prosseguir.

— Continue! Vamos!

Ela me olhou com insegurança.

— Por favor, não vai ser fácil para você. Não saberei qual será seu comportamento, mas quero que se controle.

— Sei o que faço. — Menti, para que ela falasse logo.

— As próximas terão o efeito de golpes físicos em você, querida...

— Ande logo. Eu sou forte. — Menti outra vez.

— Numa tarde que tomávamos café, sua mãe me disse que o casamento com seu pai não ia muito bem. Que eles não estavam se entendendo bem, e que ela meio que teve uma recaída e ... Se envolveu com outro cara.

Permaneci calada quando comecei a sentir as batidas do meu coração se acelerarem.

— Ficaram de caso durante uns dois anos, até seu pai descobrir. Sua mãe ficou péssima e implorou a seu pai por perdão, e assim, como seu pai é um ser humano, ele soube perdoar, e foi assim que ela engravidou da Ana. — O timbre da sua voz ficou baixo. — Mas a história entre o cara e sua mãe não havia acabado, porque era uma forte atração que ela sentia por ele. Então ela o procurou e voltaram a ter um caso outra vez. Ela odiava o que fazia, mas não sabia se controlar... Estava além de seus limites.

— Não acredito que ela fez isso com papai.— Senti um pouco de raiva ao pensar nela.

— O homem com quem ela teve esse caso sempre foi muito misterioso e reservado. Certo dia, ele resolveu dizer a ela com que ele ganhava a vida. Sabe o que ele disse?

— Não, né. — Revirei meus olhos.

— Ele matava pessoas por dinheiro. Você não deve ter percebido, mas quando sua mãe soube, ela sofreu. Quis acabar com tudo, mas ele havia ameaçado sua mãe. Ou ela continuava com ele, ou ele iria acabar com toda sua família. Você, sua irmã, seu pai e sua mãe. Ela ainda tentou manter-se naquela situação, mas ele tinha se tornado mais agressivo e foi quando ela resolveu tentar acabar com tudo, mas ele piorou ainda mais a situação. Começou a perseguir. Rondar a casa de vocês, foi um inferno para ela e ela temia muito pela vida de vocês. Foi quando ela se suicidou.

Meus olhos lacrimejaram, mas eu fiz força para não deixar minhas lágrimas descerem. Minha tentativa foi um fracasso.

— Ela se matou porque estava sem saída. Não tinha como sair desse jogo. — Ela completou.

De repente, meu rosto estava inundado em lágrimas.

— Ela acabou com a vida dela para nos salvar! —Eu já chorava desesperadamente.

Sem chão, agi como uma criança e saí correndo do restaurante, em direção a algum lugar onde eu pudesse chorar e pensar em tudo o que aconteceu no passado da minha mãe.