Um Anjo Protegido

Capítulo Dezenove


Aquelas palavras me atingiram abruptamente.

Elas foram piores que qualquer golpe físico, piores que qualquer soco ou qualquer chute. Um piano poderia cair sob minha cabeça, e mesmo assim, a dor daquelas palavras seria pior.

É, eu sei que tentei bancar a forte, falando que sabia o que estava fazendo, mas quando saí correndo daquele restaurante, me senti pior que cego em tiroteio. Senti-me perdida.

Queria que minha mãe ressuscitasse para eu poder abraçá-la, dizer a ela que meu amor por ela é infinito e principalmente agradecer a ela, por ter tirado sua própria vida para nos salvar. Queria chorar no ombro do meu pai, dizer que ele é um grande homem e um grande exemplo para mim.

Enquanto dirigia, eu chorava como um bebê, e sentia que minha cabeça estava a ponto de explodir. Segui com a picape até minha antiga casa, onde morei até a morte da mamãe. Depois do funeral, eu nunca entrei naquela casa outra vez.

A relva alta batia nos meus joelhos, e o jardim onde eu e Ana costumávamos brincar havia sumido em meio a tanto mato. Olhei para as janelas escuras do segundo andar e senti certo arrepio. Aquela casa nunca me apareceu muito assustadora, mas a pintura gasta e o ranger das janelas abertas deixava meu coração a ponto de sair pela boca. Sentia-me em um filme de “casa mal assombrada”.

Jimmy prosseguiu em silêncio, ao meu lado até a porta. Dei um empurrão e caminhei até o hall. Antigamente, uma mesa redonda com um vaso de flores ficava bem ao centro, e na mesma direção da mesa, era a grande escada, que era meio arredondada dos dois canto da casa.

Passei a mão pelo meu rosto e sequei as últimas lágrimas restantes que ali estavam. Fui até a cozinha, caminhando com passos largos. A corda que mamãe tinha se enforcado ainda estava na madeira do telhado, causando mais medo em mim.

Fixei meu olhar no teto por alguns segundos e escutei passos duros no chão de madeira. Pensei que fosse Vovó, Kate ou até mesmo Jim fuçando em alguma coisa.

Mas não era.

Um homem alto, vestido com uma roupa social, segurando uma maleta me olhava com certa curiosidade, encostado na pilastra, perto de onde o antigo piano ficava. Meu coração bateu descompassado no peito.

— Oi? — Eu o olhei seriamente, surpresa por ele estar na minha casa, naquela hora da noite. — Você não é um fantasma, não é?

— Não, não sou. — Negou. — Você é Belatriz, certo?

Afirmei com a cabeça. Será que muita gente me conhecia? Primeiro Kate, e agora esse cara metido a advogado ou coisa do tipo. Será que eu já havia sido fotografada e saído no site do Perez Hilton?

— Você está bonita... Igualzinha sua mãe. — Elogiou, com um pequeno sorriso.

— Cuidado, Bells. Ele é meio estranho. Vamos sair daqui. — Propôs Jim, ao meu lado.

— Você a conheceu? — Perguntei.

— Anda logo, Bells. — Jim me apressou, com dureza na voz.

— Espera. — Sussurrei.

— Muito amigo. Pelo jeito você já conheceu Kate, não é? — Sorriu sombriamente.

— Você estava no restaurante? — Comecei a dar passos na direção da porta, pois comecei a ficar com medo.

— Sim. Ouvi parte da conversa.

— Isso é invasão de privacidade. — Cortei-o. — Assim como fez de me seguir até aqui. Isso não se faz. — Desci os três degraus, na direção do carro.

— Sujeito estranho. — Comentou Jim.

Entrei no carro e o liguei, deixando o tal cara ali na minha casa. Não dava mais importância. A casa estava abandonada e não tinha nada para ele roubar lá.

Dei marcha ré para retomar no caminho de terra e vi o cara acenar.

— Prazer em conhecê-la também. Meu nome é Xavier. — Sorriu, debochado.

Eu não queria fazer novas amizades, principalmente com um cara estranho como ele. Já não estava com clima para conversar com ninguém. Queria só chorar, ganhar um abraço forte e pensar em tudo o que aconteceu.

Cheguei em casa e fui para meu quarto. Lá, Jim me deu um forte abraço e claro, eu me acabei em lágrimas, tendo até soluços. Era doloroso para mim. Eu estava arrasada, com um imenso buraco negro no peito. Por um segundo, pensei até que daquela dor massacrante nunca mais fosse cessar.

X X X

— Isso é um absurdo! Ela não pode estar morta! — Alguém gritava na cozinha.

Levantei da minha cama num salto. Abri a porta e desci as escadas, escutando os protestos que provavelmente eram da vovó.

— Eu a vi ontem! Ela não pode estar morta! Não pode!

Continuei caminhando na direção da cozinha, com meus pés em atrito com o chão de madeira. Vovó e John estavam encostados na bancada, observando alguma coisa no jornal. Vesti uma calça de lã e me guardei em um casaco, pois o dia tinha amanhecido frio. Então, arrumei meu cabelo desgrenhado num nó. Por conta da noite passada, eu me sentia largada. Sem vontade de passar maquiagem, pentear o cabelo e até mesmo de vestir uma roupa. Por mim, ficaria o resto do dia sentada no sofá, de pijama e assistindo a programas de auditório.

— Quem está morta? — Perguntei, aproximando-me de John.

— Uma amiga da sua mãe foi encontrada morta na estrada. — John me deu um beijo na testa, entregando-me uma caneca de leite quente com chocolate.

— Qual o nome dela? — Minha voz saiu trêmula.

— Não viaje, Bells. — Jim parecia tão confuso e surpreso como eu.

Olhei para o jornal e vi o que realmente temia. Senti um frio em minha barriga e um nó na minha garganta. Kate estava morta.

— Eu sabia que tinha algo de errado com aquele cara. Já tinha notado ele no restaurante, e quando apareceu lá na sua antiga casa, porque acha que eu logo falei pra virmos embora? Ele esfaqueou Kate por ter te contado. Ela está morta. E talvez a próxima pode ser você. — Disse Jim, preocupado.

Fiquei frente a frente com o homem que arruinou a vida da minha mãe.

Chorando, deitada na minha cama, perguntei-me milhões de vezes porque existem pessoas desse jeito no mundo. Não são necessárias pessoas para fazer o mal, e sim, para praticar o bem.

Jim estava certo. Xavier era o assassino de Kate. Ele era o homem que arruinou a vida da minha mãe. Bastou um dia para eu entender isso tudo e compreender que eu estava mesmo num abismo perigoso.