Um Amor Como o Seu

Capítulo 15 - Teimosia


O dia parecia glorioso. Sol. Clima ameno. Mia se sentia como uma criança a espera da manhã de Natal. Como se fosse ganhar um presente. Como se sua vida fosse colorida e agradável. E ao mesmo tempo angustiada e dolorida. Dividida entre ir ao encontro de Liam ou deixá-lo esperando para que finalmente compreendesse que nada aconteceria entre eles. Que aqueles encontros foram passageiros e não representavam uma promessa de futuro.

Por horas ela lutou entre essas duas opções. Mas, foi durante o almoço que a decisão final surgiu vinda da boca de sua mãe.

— Sir Huxley virá está noite para o jantar.

O corpo jovem da garota estremeceu diante da informação.

— Espero que esteja pronta a hora certa. E que se porte como deve.

— Sempre me comporto como devo. - Mia respondeu sabendo o porque da visita, sir Huxley fora tão incentivado na noite anterior que seria impossível não ter entendido o recado - Marquei de encontrar Candence hoje. Mas estarei aqui no horário e com a postura e a resposta adequada.

— Candence? - a mãe questionou. - Não creio que manter essa amizade tão próxima com a senhorita Behn lhe será de alguma forma adequada.

Os olhos azuis da filha se ergueram e se detiveram nos da mãe.

— Já que esta noite tudo estará resolvido entre sir Huxley e eu, não vejo motivos que me afastem de alguém que foi minha amiga a vida inteira.

— Um distanciamento ocorrera você queira ou não. - Amélie anunciou – Certamente que ela não permanecerá na cidade depois de casada. Tampouco você viverá aqui. Então... porque se preocupar?

Mia se ajeitou na cadeira antes de responder:

— Porque pretendo continuar a ver minha amiga enquanto me for possível.

Silenciando por alguns segundos Amélie parecia estar considerando as palavras da filha.

— Ela estará só?– perguntou distraída, enquanto cortava o queijo. Para a jovem aquela pergunta tinha um único significado.

— Acredito que sim. Vamos às compras novamente.– Mia manteve a mesma postura materna e a resposta final veio em seguida:

— Leve sua criada.

— Está bem.– respondeu sem se alterar, pensando que precisaria escapar da criada tão logo fosse possível. Uma tarefa difícil para quem que não era dada a esse tipo de comportamento. Mas, seria o derradeiro encontro com Liam e Candence com certeza poderia ajudá-la em uma artimanha qualquer que mantivesse a criada ocupada tempo suficiente para o compromisso.

E estava certa. Candence enviou a criada para ajudar a sua na tarefa de separar seus vestidos, organizá-los por cor e temporada. Depois conferir fitas e acessórios que combinassem com cada um enquanto as duas saíam para um passeio.

— Você vai contar a ele?

Candence questionou quando a amiga passou o braço pelo dela assim que cruzaram a porta de casa.

— Sobre o pedido que sir Huxley fará? Não! Não pretende contar nada.

Um longo suspiro escapou pelos lábios da menina loira.

— Ele vai sofrer Mia... mas você já fez muitos homens sofrerem. Não acredito que essa informação lhe traga qualquer incômodo.

Desde a noite anterior Candence se dividia entre a lealdade para com a amiga e a vontade de apagar a tristeza e a dúvida que via no rosto de Forster.

— Pois saiba que me incomodo com o sofrimento de todos que se iludiram com esta pessoa tão pouco merecedora de afeto. Mas... especialmente com o sofrimento dele.

— Mesmo assim vai encontrá-lo, permitir que acredite numa possível aceitação.

— Estou sendo egoísta. - ela se culpava por não evitá-lo como fizera com todos os outros - De todas as formas possíveis. Quando Liam me chama o desejo de estar com ele é mais forte do que eu. Entretanto, desta vez ele terá que compreender meu ponto e se afastar. Não haverá novos encontros.

— Você acredita que Liam desistirá?

— Eu vou desistir. Não sobrará alternativa para ele.

****

Assim que sentou no coche Mia sentiu a agulha do arrependimento cruzando seu peito. Uma angústia amarga por ter certeza de que aquele seria o último, o derradeiro encontro. Entretanto havia mais, e talvez fosse o sentimento mais forte, uma alegria imensa pela perspectiva do reencontro, como Liam lhe confessara na noite anterior, ela também sentia saudades. Deveria admitir, ao menos para si mesma, que sua vida parecia mais colorida com a presença daquele homem a desafiá-la.

Perdida nesses pensamentos ela não percebeu quando a porta do coche se abriu, só notou a presença de Liam quando ele adentrou o pequeno espaço preenchendo-o com seu corpo e seu sorriso contagiante de menino. Sentou-se no mesmo banco em que Mia estava e rapidamente estalou um beijo nos lábios delicados. Quando as mãos femininas se ergueram e seguraram o rosto masculino próximo ela soube que fora totalmente dominada por seu coração. Pouco ou nada havia de racionalidade em Mia Wentworth naquele momento.

O coche começou a se mover, a garota se sobressaltou nos braços masculinos.

— Fique tranquila, ele fará um passeio pela cidade. - Liam explicou se afastando o suficiente para observá-la nos olhos.

Mais tranquila Mia acariciou o queixo furado, desenhando o traço anguloso do rosto de Liam.

— Como o senhor sabia que este coche permaneceria aqui até minha chegada?

— Eu não sabia, apenas paguei para que não aceitasse outros passageiros que não fosse uma moça pequena com ar de menina e cabelos dourados. E só saísse quando eu ingressasse em seu carro.

— Então estava certo de que eu viria?

— E não tinha razão? Pois a senhorita veio. - ele sussurrou circulando o corpo feminino com as mãos.

— Pois pensei mesmo em não vir. - ela retrucou empinando o nariz arrebitado na direção dele.

— Acredito que suas dúvidas devem ter se dissipado antes mesmo do almoço.

Sugeriu com olhar maroto.

— Devo lhe dizer que só me decidi há poucos minutos. - não era uma mentira total.

— Já eu não me envergonho de confessar minha fraqueza, passei a noite em claro, mal consegui me segurar em casa até meio dia. Estava tão ansioso que o almoço me pareceu sem sabor e mal comi. - os lábios dele roçaram a pele do rosto dela enquanto as mãos se fechavam ainda mais em volta da cintura – só consigo pensar em você... pouco como ou durmo nos últimos dias.

A voz dele era como mais um dos beijos que trocavam em seus últimos encontros.

— Então estava inseguro? - um pensamento inusitado. Liam inseguro.

— Quando se trata da senhorita nunca sei como vai reagir. Mesmo que meu coração diga que estou certo em acreditar no que vejo em seus olhos.

— Seu coração é tão arrogante quanto o senhor.

— Não é arrogância, é apenas o que ele vê em você... se você sente metade do desejo que sinto de estar ao seu lado, já seria suficiente para trazê-la até mim...

— Por que o senhor diz essas coisas? - ela perguntou fechando os olhos – Torna tudo mais difícil...

— Não quero tornar nada difícil. Pelo contrário, quero apenas facilitar sua decisão. Sua decisão por mim...

— Tenho medo de mim quando estou ao seu lado. - ela confessou.

— Não tenha... se entregue.

— Não... - ela sussurrou tão baixo que ele quase não ouviu.

Ele balançou o rosto de um lado para o outro fazendo os cabelos lisos se moverem num ritmo lento ao lado da face, Mia puxou a luva da mão para tocá-lo, era macio, sedoso, e no mesmo instante percebeu que Liam fazia o mesmo com os dela.

— Seus cabelos são crespos? - ele perguntou de repente.

— Nunca me perguntaram isso.

— São não é?

— Rupert lhe disse que são?

— Não... mas eu acho que são, eles parecem ondulados, se enroscam perto da orelha, fazem umas ondas bonitas perto do pescoço.. - enquanto falava acariciava os lugares mencionados produzindo arrepios pelo corpo feminino.

Ela sorriu quando ele desceu o dedo pela linha da coluna, era impressionante perceber o quanto tomar conhecimento de que Liam a observava a ponto de reconhecer pequenos detalhes a seu respeito, afagava seu coração. E a voz masculina ainda completou:

— Adoro o seu pescoço.

Tão logo concluiu a frase os lábios dele estavam colados na pele macia e perfumada do ombro dela.

— Não faça isso Senhor Forster...

— Apenas me aceite e você poderá me liberar para fazer todos os carinhos que tenho vontade.

— Não posso. Preciso que o senhor compreenda isso. Que me deixe seguir com a minha vida, que antes era tão certa e segura...

— Nada é seguro ou certo na vida. - ele disse se fastando dela para encarar o rosto rosado de frente.

— Para mim estava tudo certo até o o senhor surgir.

— Pois minha vida só faz sentido agora, com sua doce presença nela.

Mia fechou os olhos. De nada adiantava pedir, implorar que aquele homem parasse de falar aquelas coisas.

— O senhor não tinha uma vida tranquila antes e me conhecer?

— Eu apenas vivia. - ele confessou – Agora, quando acordo tenho uma razão para sair da cama.

— Seu trabalho não era uma boa razão?

— Ele nunca deu sentido a minha vida.

— Rupert... - ela sugeriu.

Os olhos de Liam perderam o foco por alguns segundos, mas logo estiveram ali, nela, firmes e fixos.

— Eu o amo como amaria um irmão se tivesse. Mas, ele tem a vida dele. Independente da minha...

— Seu avô.

— Meu avô nunca... nunca me considerou como neto, ele sabe que sou o membro do seu sangue que resta, e isso é tudo o que represento para ele.

— O senhor não pensava em casar? Em ter seus filhos. Em ter uma esposa para...

— Amar? Não! Nunca encontrei alguém que me fizesse desejar isso até a senhorita cruzar o meu caminho.

Mia silenciou, não conseguia dizer nada. Seu coração a impulsionava para a frente, em direção aqueles lábios. Liam a aceitou mais uma vez enquanto circulava o corpo feminino com seus braços, praticamente colando-a em si. Mia se inclinou para a frente até que pudesse contornar os ombros largos com seus braços. Liam a puxou para mais perto enquanto intensificava o beijo.

Ela estava praticamente deitada sobre o banco do coche, com o peito apoiado no dele, o beijo ficou mais tranquilo, Liam a liberou e ela recostou a cabeça no peito masculino enquanto Forster a aninhava gentilmente.

Se para Liam ela era seu lugar no mundo. O mesmo acontecia com ela. Perto dele Mia se sentia em casa e em paz percebendo a respiração acelerada dele contra sua testa, e a mão grande espalmada sobre sua cintura. Estava tudo errado e ao mesmo tempo certo, e por mais que ela soubesse que jamais se sentiria assim em lugar algum, aqueles momentos estavam fadados a ter um breve fim. A lembrança de que Sir Huxley iria a sua casa naquele noite para pedir-lhe a mão cruzou a parte consciente da mente feminina. Fora essa informação passada implicitamente pela mãe que a impulsionara a aceitar o convite de Liam e era também essa informação que a afastaria definitivamente daqueles braços. Ele não saberia disso. Não ainda, não enquanto não houvesse o que fazer a respeito. Uma lágrima fina e amarga escorreu, Mia tratou de escondê-la antes que ele visse. Alheio aos tormentos que a garota nutria, Liam se recostou no estofado do coche ainda mantendo o corpo dela junto ao seu.

— Aceite meu amor. - ele disse de repente – E prometo que farei de você a mulher mais feliz do mundo.

Ela já era feliz. Ela já aceitara o amor dele. Sem querer se afastar Mia se arrolhou entre os braços masculinos preenchendo os pulmões o cheiro dele.

Liam sentiu quando o corpo feminino se encolheu junto a ele.

— Preciso ir. - ela falou baixo mas segura, estava prestes a cruzar o limite de sua capacidade de resistência. Era a hora de ir. - Vim para ficar por pouco tempo.

— Mia...

Ele sussurrou e a garota não lhe deu tempo de falar qualquer coisa.

— Não voltarei a vê-lo senhor Forster. - Mia disse se afastando e ele percebeu que ela parecia decidida. - Não me procure. Nem mande flores, bilhetes ou qualquer tipo de carta. - ela estava séria e ele acreditou que daquela vez não resolveria insistir como das outras vezes.

— Por quê?

— Porque esta loucura que estamos vivendo não pode se sobrepôr a todos os planos que fiz para a minha vida. Não pode se sobrepôr a minha vontade.

Ele não conseguia acreditar que estavam voltando ao ponto inicial.

— Sua vontade de ser infeliz?

Ela engoliu o comentário sem retrucar. Provavelmente não seria feliz. Mas infeliz, certamente passaria longe disso. Sua vida seguiria como era até aquele momento, tranquila e organizada sem sobressaltos. Mantendo a proximidade com a família. Tendo um marido adequado, que provavelmente não a amava como ela descobrira que poderia ser amada, mas, que correspondia a tudo o que ela sempre desejou e planejou para si mesma.

— Me deixe ir. Desta vez seus argumentos não terão o poder de alterar minha posição. - ela tentou se afastar, ele não permitiu.

— Vou falar com seu pai. Direi que você me ama e que nós vamos nos casar.

O nariz arrebitado se empinou diante de Liam. Ele soube que ela retrucaria.

— Se tiver a audácia de fazer isso, direi a papai que o senhor ficou louco... que criou fantasias na sua cabeça e está imaginando coisas.

Liam fechou os olhos levemente e insistiu:

— Ele vai acreditar quando lhe contar sobre nossos encontros.

Um breve estremecimento mostrou a Forster que a garota percebia claramente a capacidade de tal coisa acontecer. Mesmo assim a resposta não foi a que ele esperava:

— Creia no que lhe digo, Papai vai preferir não acreditar senhor Forster. Vai considerar como correta qualquer coisa que eu lhe diga em contrário ao seu comentário.

Ele não admitia que ela se entregasse assim, e com isso o carregasse junto.

— Não consigo aceitar que você está...

— Sendo prática? Talvez seja difícil para o senhor compreender isso, mas acredito que não estou errada quando digo que o senhor sabe o que é a praticidade. Ou então, não teria sobrevivido tanto tempo neste nosso mundo cheio de regras e ainda assim ser bem sucedido.

A medida que a conversa ficava mais truncada eles se afastavam sem perceber.

— Sou prático sim. Não nego. Mas, quando se trata de você minha praticidade de nada me serve. Simplesmente não consigo agir de outra forma que não seja seguindo aquilo que meu coração pede.

Ela estava ali, lutando para evitar exatamente o que Liam pedia para fazer. E que ele parecia realizar sem culpa alguma.

— O senhor jamais seria feliz ao meu lado. - ela afirmou categórica. - Porque eu jamais teria paz longe de meus pais, longe daquilo que planejei para mim, longe do meu mundo.

As palavras saíam sem que ela tivesse pensado nelas antes. Apenas precisava escapar dali, fazê-lo entender que não haveria novos encontros. Que não haveria possibilidade de alteração de planos.

Ela fez a tentativa de se afastar definitivamente, ele não deixou. Segurou o corpo feminino junto de si e a manteve de frente para ele.

— Pois lhe digo que está errada! Que todos esses seus planos não valem mais. Eles caíram por terra naquela tarde quando nos beijamos no piquenique. E sua vida jamais será como imaginou porque agora seu corpo e seu coração desejam mais do que seu cérebro planejou para você.

O dedo dele apontava o peito dela pressionando-a, buscando mostrar-lhe mais do que Mia queria ver com sua mente racional e determinada.

— Eu ainda sou dona de mim senhor Forster. Ainda sou dona das minhas emoções. De tudo o que planejei, de tudo que desejei... nada vai alterar esse fato.

Ele se recusava a aceitar esse argumento.

— Mas você veio até mim, isso significa que não está assim tão segura, que já não é a mesma...

Havia uma resposta clara e simples para isso.

— Estou aqui porque precisava fazê-lo entender de uma vez por todas que não teremos um novo encontro, não importa o quanto insista.

— Mesmo depois dos beijos? dos carinhos que trocamos?

Um sorriso deslizou pelos lábios dela enquanto Mia buscava o que restava de segurança para concluir o que deveria fazer.

— É bastante indelicado que toque nesses acontecimentos usando-os como arma contra mim.

— Nossos momentos juntos não significaram nada?

— O senhor me ensinou que há muito mais do que apenas a relação social entre um homem e uma mulher. Mas agora isso ficará no passado. Não pretendo permitir que meu corpo dite as ordens.

Os braços dele afrouxaram lentamente. Ele reconhecia quando um oponente estava decidido a vencer. Talvez ele permitisse a ela aquela vitória para poder enfrentá-la mais a frente com novas armas. Mia precisava de uma dose de realidade. Precisava entender que aquilo que ela acreditava que ainda continuava igual já não lhe serviria.

Quando Mia percebeu que ele se afastava sem reclamar teve a súbita sensação de estar sendo abandonada. Mal conseguia acreditar que fora tão simples. Que ele não voltaria a insistir. Que a deixaria livre para seguir em frente longe dele.

O olhar perdido dela diante de seu afastamento lhe informou que estava certo. No momento em que Mia percebesse que estarem juntos era o caminho que ela deveria seguir, ele não precisaria mais insistir. A garota viria até ele sem precisar travar novas guerras.

— Volte ao parque. - ele disse ao cocheiro enquanto Mia se acomodava no banco ao seu lado. E nada mais falou até que os cascos dos cavalos parassem no ponto indicado.

Ela o observou, Liam olhava de relance para o lado de fora, através da cortina semicerrada. Seu coração se apertou, ele a encarou como se adivinhasse que estava sendo observado.

— Chegamos. - ela falou baixo, não sabia o que dizer.

Num movimento rápido ele a segurou pelo punho puxando-a para perto e a beijou, Mia se segurou tentando não tocá-lo, pois não retribuir o beijo lhe parecia impossível. Quando eles se separaram ele não se afastou, manteve o rosto junto ao dela, os olhos bem próximos.

Ela desenhou o rosto dele com os olhos, precisava guardar os detalhes, dos olhos castanhos, da pele lisa de menino, dos lábios carnudos, do furo no queixo, dos traços únicos que faziam seu corpo se arrepiar apenas em estar próximo.

— Até qualquer dia senhor Forster...

— Até breve Mia.

As mãos deles liberaram os braços dela. E segundos depois tudo o que restava no coche além de um homem perdido em pensamentos, era o cheiro suave do sabonete que Mia usava no banho. De lavanda e almíscar.