Seus olhos estavam focados em um ponto aleatório da parede, não prestava a atenção no que seus olhos escarlates enxergavam, sua atenção estava no vazio que sentia no seu coração congelado, a sensação desesperadora de perda que não conseguia compreender, eram os mesmos sentimentos que sentiu por muito tempo por sua falecida companheira, como era possível? Como seu peito podia doer tanto e não ser pela sua falecida amada. Porque sentia que algo vital havia lhe sido tirado? Tantas perguntas e sem nenhuma resposta.

Aro e Caius também estavam pensativos, Jane falava e Aro só assentia os três não tinham foco para as suas funções. Estava sendo sufocante ficar na bela gaiola de mármore que era o Palazzo, deixou o trono e foi para seus aposentos, removeu o manto grosso que lhe cobria e vestiu roupas normais, um desejo de ver a lua cheia lhe abateu, então deixou seu quarto e andou pela cidade que ajudava a proteger há mais de mil anos.

As pessoas mudaram conforme a passagem do tempo, em sua época as mulheres eram donas de casa e só serviam para agradar seus marido e gerar filhos, em alguns séculos elas passaram a ser trabalhadoras e até puderam entrar na política, e eram ouvidas, não se calavam quando confrontadas por um homem. Essas mudanças passaram como um piscar de olhos, seu luto pela Didyme lhe tirou o desejo de observar a vida mortal, ela era seu mundo, e ela se foi, assassinada por um desconhecido, mas vingada. Até hoje Volterra comemorava sua vitória, mesmo não sabendo nem um terço da realidade.

A praça estava cheia de turistas e mercantes, suas vozes eram a musica para o ambiente, mas não queria ouvir conversas aleatórias de estranhos, seus olhos deslocaram novamente e pararam um uma fonte, uma nostalgia apareceu em seu peito e uma saudade, mas de quem? Quem estava bagunçando suas emoções?

— O que aconteceu deve ficar no passado. – Disse uma mulher de cabelos castanhos, ela não parecia ser humana, seu cheiro era diferente de tudo que já havia presenciado.

— Não entendo. – Disse o Vampiro confuso com o inicio do dialogo daquela mulher estranha.

— Existe um ditado que diz que não devemos chorar pelo leite derramado, ou seja: Não pense no que não pode ser mudado. – Respondeu a mulher com uma face serena, ela era como uma estrela, rodeada por uma luz cósmica. – Se tem um vazio no seu peito você pode ignora-lo ou preenchê-lo com outra coisa, a escolha é sua, mas não ande em círculos em busca de uma resposta que jamais encontrará.

Definitivamente ela pertencia ao mundo sobrenatural, mas sua espécie é uma incógnita.

— Quem é você? – Perguntou completamente confuso.

— Tenho muitos nomes e apelidos, uns não muito agradáveis, todos temos nossos passados que gostaríamos de esquecer. – Refletiu a mulher, seu vestido brilhava com o reflexo da luz, dando lhe uma aparência divina. – Eu sou Elena, uma deusa em busca de um propósito. Já vivi o mundo mortal e um mundo cheio de magia, estou como você, perdida ao vento, deixando a brisa me guiar. Já passei pela provação do amor, agora espero pela próxima.

Os dois observaram a lua por um tempo, em silêncio, deixando o barulho das pessoas no fundo e só pensando sem suas próprias preocupações, aos poucos o fluxo das pessoas diminuiu, a madrugada havia chegado e os seres sobrenaturais só deixaram de observar o satélite natural quando uma grossa nuvem carregada a escondeu.

— O que lhe foi tirado não pode ser recuperado, não estamos em um conto de fadas.

— O que você sabe sobre isso? - Perguntou Marcus sentindo um aperto fantasma em seu peito.

— Você perdeu alguém que amou, não uma, mas duas vezes, seu destino não era viver ao lado delas, como o meu não era viver ao lado do meu amado sociopata, por ele fui capaz de multilar minha própria alma e sou atormentada pelo tempo que passamos juntos. Você tem sorte de não sofrer com as lembranças, não fique triste, você recebeu uma benção.

Como a nevoa formada pela umidade a deusa se desfez e se misturou ao ar, até ser impossível distingui-la da nevoa.

***

Dias ou meses se passaram em um piscar de olhos, seu foco foi para as fadas, se cuidasse da sua ultima tarefa poderia abandonar seus desejos terrenos para sempre, então trabalhou dia e noite até criar uma relíquia perfeita, lhe custou muitos acordos pelo multiverso, mas finalmente criou o futuro da corte Unseelie, unindo magia, alquimia com a tecnologia.

— Eu sou um gênio! – Gritou Megan empolgada assustando todas as fadas. – Eu criei a esperança da nossa raça.

As fadas se aglomeraram em volta de sua rainha que segurava uma taça dourada ao alto, mostrando sua criação a todos os presentes.

— O que é isso majestade? – Perguntou uma das fadas, ela era loira e tinha uma enorme barriga de gravidez, usava um vestido largo e cumprido para seu conforto.

— É uma espécie de Cálice Mortal, mas ao invés de produzir shadowhunters, ele produzirá fadas. – Ao terminar de falar as fadas lhe encararam com admiração, e esperança, a corte Unseelie não desapareceria, estavam a salvos. – Mas antes, precisarei de sangue puro Unseelie, meu sangue não serve para ativar o poder do cálice.

— Majestade, todos somos mestiços. – Informou seu regente. – A rainha Regina matou todos os sangues puros, por serem mais poderosos.

— Aí complica. – Abaixou o Cálice pensativa, como resolveria o problema, de preferência sem causar mais problemas. – E a rainha mãe? Ela também é mestiça?

— A rainha mãe Regina possui sangue puro. – Respondeu o regente, seus olhos mostravam que já sabia quais eram os planos da rainha.

— Ótimo, então segurem as pontas pessoal, eu já volto. – Abriu um portal direto para o inferno de Ianova, saltitava pelas terras inférteis do deserto.

Um enorme castelo era avistado no horizonte cercado por montanhas de pedras pontiagudas, vários demônios alados voavam por perto, como se guardassem a estrutura para o seu mestre e Megan não duvidava que fosse exatamente isso que eles faziam. Aquele lugar antes era a morada dos sete príncipes infernais, eles iriam querer lacaios para servi-los, não importando o tamanho e quando maior, melhor.

Uma enorme escadaria guiava o caminho até a estrutura infernal, sem paciência que estava criou um portal.

— Ué? Não ta funcionando? – Seu portal não se formava, apostava que era coisa do seu pai. Ele era esperto, tinha que admitir. Subiu as enormes escadarias, amaldiçoando Belfegor a cada degrau. Quando chegou ao topo teve uma bela surpresa, um ser muito bem conhecido lhe aguardava na entrada da morada infernal de seu pai. – Bree, o que faz.. Aqui..criatura? – Perguntou em quanto tentava recuperar o fôlego.

— O mestre Belfegor me encontrou vagando pelo inferno a procura do guardião das termas. – Respondeu Bree com a face lisa como de uma estatua.

— Mestre? Ele adora.. Uma..Hierarquia. – Com uma mão apoiada na cintura indagou a vampira novamente. – Isso não explica o porquê esta aqui.

— Leshura foi preso pelo mestre Belfegor, ele esta pagando pelos seus crimes na prisão e eu garanto que ele não sinta prazer em quanto é punido. – Não pode deixar de bufar incrédula. Seu pai tinha pegado o papel de Rei do Inferno, Lúcifer iria odiar se visse aquilo.

— Ótimo preciso que me leve até a minha mãe. – Disse depois de ter recuperado o fôlego e a compostura.

— Não tenho permissão...

— Eu sou a Suprema de todas as minhas criações, se você serve a Belfegor, você serve a mim, eu sou a verdadeira rainha do inferno. – A vampira baixou a cabeça em respeito e guiou a deusa infernal, a suprema deusa da criação até a sela de sua mãe Regina.

Conforme andavam Megan observou as grandes mudanças na decoração e estrutura que fizeram em sua ausência, tinha que admitir, os demônios tinham bom gosto quando a questão era a arquitetura. Já as pinturas pregadas nas paredes eram outra história, cenas de torturas cobriam as paredes de forma macabra. Pedras verdes substituíam as velas iluminando os cômodos com sua luminescência natural.

As prisões eram localizadas nos andares mais baixos do castelo.

A primeira sela que cruzaram no corredor tinha uma pequena escada que descia até de encontro com uma água negra, no final da escada pode enxergar dois pares de asas de pedra.

— O que é aquilo? – Perguntou a Bree.

— É a prisão da água gélida, onde Leshura esta preso no centro, acorrentado, as asas que você vê são dos anjos de pedra, mestre Belfegor tem um enorme senso de humor. – Respondeu a vampira sem olhar para o local apontado.

Depois de dois andares para baixo finalmente haviam chegado. Sua mãe estava acorrentada a parede, com braços erguidos por correntes de ferro, o chão a sua volta estava cheio de terra, levando em conta de que espécie era a rainha mãe, Megan poderia apostar que a terra era de cemitério, fadas eram enfraquecidas ao serem exposta a ela.

Seu corpo estava coberto de cortes e hematomas, seus olhos estavam inchados, seu vestido estava um trapo, mal cobria seu corpo. Por um momento sentiu mal por ela.

— Filha, demorou a me visitar. – Falou Belfegor saindo da cadeira que estava direcionada para a prisioneira, ele estava admirando o trabalho de tortura?

— O tempo passa diferente aqui e na corte Unseelie. – Justificou Megan. O cheiro de sangue cobria suas narinas, misturado com um cheiro ácido. Estava a ponto de vomitar o que nem tinha comido.

— Tinha me esquecido, já se passou mil anos por aqui. – Informou com um sorriso modesto. Megan prendeu a respiração e olhou para seu pai, a visão da sua mãe era macabra, as mãos de Belfegor estavam manchadas de algo negro, lhe lembrava a sangue seco.

— Muito tempo, realmente. Quem causou todo esse estrago nela? – Perguntou em quanto tampava a boca. Seus pés estavam loucos para correrem para longe daquele lugar.

— Todo mundo contribuiu um pouco. – Respondeu o demônio sem se importar em entrar em detalhes.

— Ela ainda tem sangue sobrando no corpo? De preferência que não esteja coagulado? – Virou o rosto para saída, onde tinha ventilação e assim pode pegar um pouco de fôlego.

— Por sorte sim, por quê?

— Você não precisa saber dos detalhes, só coloque um pouco dentro desse Cálice. – Falou em quanto entregava o objeto para a vampira entregar ao vampiro. Assim que o objeto saiu de suas mãos saiu daquele cômodo nojento e subiu os andares aos tropeços. Sentou em uns degraus e tentou tirar aquelas imagens da sua mente.

Sua mãe merecia aquela punição? Talvez tenha exagerado, até demais.