Em quanto pilotava minha lambreta pela grande avenida, sem nenhum destino em mente, já que meus planos haviam ido água à baixo, ainda sentia uma estranha sensação, diferente de qualquer outra que já tenha sentido. Eu sabia que era magia, sabia que aquele cartão no meu bolço era mais do que um simples pedaço de papel.

Mas, ao mesmo tempo que tinha certeza do que se tratava, também sabia que era uma muito mais poderosa do que qualquer outra que eu já tenha, ao menos, chegado perto. Como sabem, a magia foi completamente banida da Ilha dos Perdidos, a única que restara era a que minha mãe conseguia fazer sem o cajado - já que esse também não funcionava lá - que era tão pouca que mau acendia uma lâmpada.

Meu celular começou a vibrar, implorando para ser atendido. Encostei no meio fio e desliguei a moto, tirei o fino aparelho do bolço e uma foto do Ben me abraçando, estava estampada na tela. Afastei um pouco o capacete e atendi a ligação.

— Ben? - perguntei

— Oi Mal, tudo bem?

Franzi a testa enquanto um carro passava em alta velocidade próximo a mim, respirei fundo antes de reponder.

— Claro, o que foi?

— Pensei que talvez, se você quisesse é claro, nós poderíamos almoçar com meus pais hoje

Cerrei os dentes e pensei em todas as desculpas possíveis para que eu não fosse, mas nenhuma era boa o suficiente e o Ben gosta muito dos pais, sempre que pode passa um tempo com eles e me arrasta junto, adora que eu converse e interaja com eles. Então, tive que aceitar.

— Tudo bem - disse por fim - nos encontramos lá

— Fechado - e pelo tom da sua voz pude perceber que ele sorria

ALGUMAS HORAS DEPOIS

O grande castelo não ficava muito longe de onde eu estava, mas o trânsito fez com que eu demorasse mais do que espera e eu acabei chegando em cima da hora. Não deu para passar na escola e trocar de roupa. E sabe de uma coisa? Eu também não estava muito afim de me arrumar toda para ficar sentada.

Assim que estacionei a moto, um homem de terno e parcialmente careca já foi correndo na minha direção, eu joguei as chaves e ele as segurou no ar, dando um leve sorrindo e indo em seguida estacionar minha lambreta em um "local adequado". Respirei fundo e subi os três pequenos degraus que davam acesso a enorme porta principal - enorme mesmo, aquela coisa devia ter uns cinco metros de altura.

Mas eu nem sequer precisei bater, a porta abriu em um doce roncar, quase que ensaiado, e de lá dentro surgiu o rosto de um mordomo amigável, sorrindo e estendendo a mão para pegar minha jaqueta. Eu a entreguei a ele e em seguida comecei a olhar tudo ali dentro.

É claro que eu já tinha estado ali outras vezes, mas foram poucas e o castelo é tão grande que sempre que vou, tenho que relembrar os cômodos que já tinha visitado antes e conhecer novos. O chão todo era todo coberto por um carpete impecavelmente limpo, mesas com enfeites de vidro se encontravam ao longo das paredes, o teto parecia intocável, como o de uma catedral, com lustres enormes e delicados. E, ao centro de tudo isso, se encontrava uma enorme escada, com milhares de degraus, da qual eu já cai algumas vezes e só não morri porque o Ben me segurou.

Depois de guardar minha jaqueta em um cabide escondido - e repleto de casacos chiques - o mordomo virou-se para mim e indicou um corredor a esquerda, pelo o qual eu nunca havia andando antes, no final dele havia outra porta, atrás da qual ele disse que Ben e os pais me esperavam. Ao longo da "caminhada", pude observar diversos quadros do meu noivo, desde sua infância, até sua adolescência, confesso que ri de alguns.

Olhar para aquelas fotos, me fez pensar em como teria sido a infância dele, cheio de compromissos e deveres como futuro rei. Mas pelo menos ele tinha o completo apoio e alicerce da família, ao menos era o que parecia. O fato é que eu não sei ao certo como foi para ele, mas, comparada a minha, a infância dele foi anos luz melhor.

Hipnotizada por uma foto em que olhava fixamente para a câmera, acabei não notando quando o próprio apareceu atrás de mim e me deu um susto.

— Ai! - gritei, dando um pulo para o lado - Nunca mais faça isso Benjamin!

— Desculpa amor - ele disse fazendo um bico, mas em seguida começou a rir, falando de como minha cara tinha ficado engraçada

— Eu só não o vi chegar porque estava distraída com as fotos - me defendi

— Eu era um fofo, não é?

— Verdade, não sei se ainda continua...

Ben me abraçou e me encheu de cosquinhas, das quais eu tentei, inutilmente, fugir.

— Como era lá na ilha?

— Digamos que eu não tenha tantas fotos assim - respondi com um meio sorriso

Em seguida Ben segurou minha mão e me acompanhou até a enorme "sala de refeições reais", na qual já se encontravam a rainha Bella e o ex-rei Adam. Ambos se levantaram e fizeram uma pequena reverência, eu fiquei completamente sem graça, mas retribui o gesto. Ben puxou uma cadeira na mesa para mim, que ficava ao lado da dele, e eu sentei.

A mesa era enorme e cheia de pratos, guardanapos milimetricamente dobrados, talheres, taças de vidro e flores em belíssimos jarros. As cadeiras eram brancas com dourado e tinha um acolchoamento vermelho, dignas da realeza. Pensar que, daqui há alguns dias, aquela também seria minha casa, chegava a me assustar um pouco.

Acabou que o almoço todo foi super tranquilo, nem a rainha Bella e nem o ex-rei Adam tocaram no assunto do julgamento de Malévola, o que, para mim, foi um enorme alívio. Quando terminamos a refeição, nos foi servida uma generosa sobremesa. Eu ri com algumas coisas que Bella contou sobre quando Ben era criança: "ele costumava se esconder atrás das cortinas e nós ficávamos desesperados pois o castelo é muito grande, vários funcionários tinham que ajudar a procurar Ben".

Ao final de tudo, Adam e Bella se despediram e saíram da sala. Ben me deu um beijo e me levou até as escadas, segurando minha cintura para que eu não caísse. Quando chegamos ao topo, seguimos por um longo corredor, ela parou diante de uma das milhares de portas idênticas e disse: "Esse é o seu quarto".

Ben girou a maçaneta e nós entramos, o lugar era enorme e conseguia ser ainda mais bonito que o meu quarto na escola. Tinha uma escrivaninha de madeira no canto, com vários livros - que reconheci serem meus e alguns eram novos - havia uma mesa, com duas poltronas e uma lareira. A cama era enorme e bem alta, com diversos travesseiros de diferentes tamanhos.

Havia um lustre muito bonito pendurado no teto, janela enormes com cortinas finas e brancas, alguns armários ao estilo vintage e duas portas opostas, as quais eu imaginei que uma delas seria o banheiro.

— É lindo Ben - eu disse, entrando no quarto a passos lentos

— Você gostou? Cuidei pessoalmente para que a roupa de cama tivesse detalhes em roxo, porque sei que é sua cor favorita

— Tá tudo incrível, obrigada - eu disse chegando finalmente ao centro do quarto

Ben se apressou e abriu uma da portas, sinalizando que aquele era o banheiro, eu ri e fiz positivo com a cabeça. Em seguida ele se dirigiu a outra porta e me chamou com a mão. Ele girou a maçaneta e me convidou para entrar, era mais uma sala enorme.

— Esse é o closet - ele disse

O lugar estava repleto roupas e espelhos, havia dois recamier's* e muitas gavetas. Havia também prateleiras com milhares de sapatos de diferentes cores e tamanho, mas do que eu poderia usar em uma vida inteira com certeza.

*recamier = pequeno sofá que fica em frente á cama, serve para auxiliar na hora de se calçar ou simplesmente para apoiar algo.

— Meu Deus Ben - eu disse, enquanto passava a mão por algumas roupas

— Fico feliz que tenha gostado - ele disse com um sorriso - quero que se sinta confortável e o mais á vontade possível em meu castelo

— Qualquer pessoa normal diria "minha casa" - brinquei

— Sério?

— Ficou tudo incrível, não tem como ficar mais confortável do que isso - o beijei - espera, pior que tem...

Ben me olhou com uma expressão confusa.

— Se você ficasse aqui comigo seria perfeito - beijei novamente, passando minhas unhas por sua nuca, o provocando

— As regras da rainha Bella foram bem claras - ele explicou - quartos separados e em corredores separados - fiz um biquinho triste - parece que, segundo a tradição, eu não poderia nem sequer ter dormido com você antes do casamento

— Ainda você é o rei muito moderno - eu disse rindo

— Preciso ir para a reunião do conselho, tem certeza de que vai ficar bem aqui? - ele perguntou

— Tenho - respondi - E você? Tem certeza que prefere ir sozinho?

— Tenho tudo sobre controle, apenas fique aqui, tome um banho e assista alguma coisa - ele apontou para enorme TV na parede, a qual só percebi naquele momento - eu voltarei no fim da tarde

Nos despedimos com um beijo demorado. Ben saiu fechando a porta, eu olhei em volta e encontrei uma toalha - enorme e felpuda - então parti para o banho.

UMA HORA E MEIA DEPOIS

Depois do banho revigorante na enorme banheira de hidromassagem, vesti uma das roupas que estavam no closet e desci á procura da minha jaqueta, que acabei encontrando em um cabide escondido dentro de um armário no enorme salão de entrada.

Orgulhosa por ter chegado até ali sem ser notada, foi quando meus dedos estavam girando a maçaneta, que fui pega pelo mordomo de rosto amigável.

— Senhorita Mal? - ele disse

Eu tomei um susto, dando um pulo para o lado. Hoje eu ando tomando sustos demais vocês não acham?

— Desculpe assusta-la - ele disse enquanto eu ainda tentava acalmar minha respiração - a senhorita vai sair? Quer que eu chame o motorista?

Respirei por mais alguns segundos com a mão no peito, acompanhando os batimentos, antes de responde-lo.

— É Pierre certo? - ele confirmou com a cabeça - Na verdade, preciso que você peça para trazerem minha lambreta

— É pra já

O doce senhorzinho foi andando a passos lentos até um telefone na parede, digitou alguns números e disse algumas palavras. Em poucos minutos um dos funcionários trouxe minha lambreta, me entregando as chaves e o capacete.

Eu me despedi de Pierre, que me olhava da porta com ternura, e dei partida, pilotando para fora das propriedades do castelo. Quando finalmente cheguei na rua, retirei o cartão do bolço, sentindo novamente o cheiro de magia, e nele li as palavras:

"CENTRO DE MAGIA E ASSUNTOS MÁGICOS F.B.A

Poções de amor? Futuro? Essas são nossas especialidades!

Rua dos Pedregulhos, 344 - Centro"

Coloquei-o novamente no bolço, respirei fundo e segui viagem. O que poderia acontecer se eu seguisse as instruções de uma pessoa completamente desconhecida? Mas tudo bem, eu gosto de um pouco de perigo.