Pilotei por todo o centro a procura da tal "Rua dos Pedregulhos", mas não encontrei nem sequer uma que se se chamasse "Rua das Pedrinhas", então me rendi e resolvi perguntar para alguém. O primeiro que passou era um homem de pouco mais de quarenta anos, a barba por fazer e um olhar perdido.

Encostei a lambreta no meio fio e o chamei, ele me olhou desconfiado, mas depois se aproximou. Eu tirei o cartão do bolço para mostrar a ele.

— Você sabe onde fica essa rua dos pedregulhos? - perguntei, apontando para o cartão

O homem franziu a testa e me olhou esquisito, como se eu tivesse dito alguma barbaridade, quando na verdade a única barbaridade ali era a barba dele.

— Você é a rainha, não é? - perguntou

— Bem, tecnicamente, ainda não sou rainha...

— Seria uma honra lhe ajudar, mas o seu cartão está vazio e, em toda minha vida, nunca vi nome de rua mais esquisito

Como assim o cartão estava vazio? Olhei o pedaço de papel em minha mão e as mesmas palavras em letras garrafais o estampavam. Por que ele não conseguia ler? Mas, de qualquer forma, eu estava mais perdida do que nunca.

— Não é o rei Benjamin que cuida dos assuntos reais para você? - o homem perguntou

— Eu resolvo meus próprios problemas - retruquei - obrigada pela ajuda, mas agora eu vou sozinha

Dei partida na lambreta e pilotei até a próxima rua. O que ele quis dizer com "para você"? Por que sou mulher tenho que ficar em casa experimentando vestidos e me arrumando para quando o rei chegar? Me poupe! Na Ilha eu era uma líder, mais poderosa do que qualquer um.

Respirei fundo e olhei para o cartão novamente. Será que fui enganada? Mas, se fosse esse o caso, agora não sabia mais o que fazer para ajudar Malévola. Além de ir tentar falar com ela de novo, o que já era praticamente um plano perdido, não tinha mais nada a ser feito.

Foi aí que eu resolvi virar o cartão e olhar a parte de trás. Por que diabos não tinha feito isso antes?! Atrás do pequeno quadrado de papel, em letras igualmente garrafais, estava escrito:

"Apenas os melhores podem nos encontrar"

Repeti as palavras na cabeça: "apenas os melhores", o que será que elas queriam dizer? Melhores em que? Em jogar UNO? Coloquei a cabeça para pensar e o óbvio me apareceu: apenas os melhores em magia! E, modéstia à parte, eu sou incrível com magia.

Me lembrei também da frase dita pelo homem que me entregou o cartão, cheia de rimas como em um feitiço. A resposta foi tão óbvia que soltei um riso abafado. O lugar estava ali o tempo todo!

— Para a porta abrir e o passado descobrir, sozinha, eu vim até aqui - disse em voz alta, fazendo um delicado movimento com os dedos

Duas lojas vizinhas começaram a ranger alto, as paredes racharam e o chão levantou, espalhando terra. Puxei a lambreta um pouco para trás, me assustando com o que meus olhos viam. Entre as lojas surgiu uma terceira, de paredes escuras e rochosas, cercada de plantas esquisitas e uma placa de madeira velha acima da porta, quase caindo, onde estava escrito de tinta branca: "CENTRO DE MAGIA F.B.A"

As pessoas continuaram caminhando normalmente pela calçada, como se nada estivesse acontecendo. Agora eu entendia, eles não podiam ver, para eles as duas lojas permaneciam juntas e intactas, o chão não havia se partido e nenhuma planta havia surgido, por isso aquele homem não viu nada no cartão, pois "apenas os melhores" possuem magia. Incrível!

Desliguei a lambreta e a estacionei ali mesmo, tirei o capacete e o pus embaixo do braço. Respirei fundo e caminhei em direção a porta marrom cheia de detalhes, círculos entalhados à mão, girei a maçaneta dourada e tive que colocar um pouco de força com o ombro para fazer a porta se mexer.

Quando finalmente consegui abrir uma fresta satisfatória, um ponto de luz passou voando por mim, bem próximo ao meu rosto, levantando um pouco do meu cabelo. Eu pude jurar, que tinha visto um pequeno corpo nele, como se fosse uma boneca do tamanho de um palito de dente. O ponto de luz voava veloz, passando da direita para a esquerda e de volta para a direita, em segundos! Ele seguiu para fora da loja, até que não pude mais vê-lo, apenas sentir o estranho pó que ele havia deixado para trás.

Uma mecha do meu cabelo começou a levantar vagarosamente, até ficar flutuando diante dos meus olhos, que estavam arregalados diante daquela cena. A porta começou a pesar no meu ombro e eu tive que escolher se ficava para fora ou para dentro, decidi entrar.

Quando a porta fechou atrás de mim, ainda estava perplexa olhando pra o meu cabelo, tentando entender como aquilo funcionava, parecia que alguém o puxava para cima, com a estranha condição de que não havia ninguém fazendo isso.

— Elas são chatas, né? - o homem que me entregara o cartão apareceu. Não era mentira então— Mas, eu te garanto, é pior quando estão bêbadas - ele riu da própria piada, enquanto passava a mão pelo meu cabelo, fazendo-o voltar ao normal

— Aquilo era...

— Uma fada? - ele completou minha pergunta - Claro, o que achou que seria?

Apenas permaneci incrédula, mas logo balancei a cabeça e tratei de olhar o local onde eu estava. As paredes eram feitas de pedras amontoadas tão perfeitamente que não se via nenhum espaço entre elas, haviam também muitas estantes de madeira repletas de pequenos e grandes potes de vidro coloridos. Algumas coisas pendiam do teto também: máscaras estranhas, enfeites tenebrosos e alguns bonecos com barbante, como aqueles usados em shows de ventríloquismo.

Caldeirões de todos os tamanhos estavam organizados em um dos cantos, vassouras estranhas e feitas a mão se amontoavam dentro de um grande recipiente, bebidas que eu nunca vi antes estavam desorganizadas em prateleiras altas.

E, bem no centro da loja, encostado em uma coluna repleta de quadros antigos, estava um balcão de madeira escura, sobre ele havia o que eu acredito ser um computador - tão esquisito quanto qualquer coisa ali - algumas pilhas de papeis e um porta canetas em forma de abóbora. Comecei a adentrar mais, andando a passos lentos e cuidados, sempre olhando tudo ao meu redor.

O homem - que presumi ser o dono da loja - correu e se posicionou atrás do balcão, com um sorriso esquisito me observou durante todo o tempo que eu observei o seu estranho negócio.

— Achei que a magia tivesse sido banida de Auradon - eu disse passando os dedos por alguns frascos coloridos - você poderia ser preso...

— Não me escondi o bastante? - ele perguntou ironicamente - Esse lugar é completamente fora do alcance de bastardos

— Bastardos? - perguntei

— Os desprovidos de magia - ele explicou como se eu já devesse saber daquilo

— Então a história é verdade - me virei e andei em direção ao balcão - se cortar uma cabeça, nasceram duas no lugar?

— Essa é uma maneira bem peculiar de nos descrever senhorita Mal, mas sim, é verdade

— Ok - respirei fundo, mas a loja tinha um cheiro engraçado - eu tenho muitas perguntas, muitas mesmo. Está com tempo?

O homem saiu do balcão e foi até a porta de entrada em um pulo, ele virou a plaquinha de "FECHADO" para fora e fez um gesto para que eu o acompanhasse até os fundos da loja. A principio eu hesitei, mas acabei acompanhando-o, ele não parecia o tipo de pessoa que mata jovens e guarda seus corpos no frizzer, por mais inusitado que pareça, ele me parecia estranhamente conhecido, mesmo que eu não tenho o visto em outro momento da vida.

Nos fundos da loja estavam duas poltronas, uma azul escuro e outra vermelha, uma pequena mesa de centro, que parecia ter sido feita a mão, com duas xícaras e um bule em cima. De alguma forma, ele sabia que eu viria, por que outra razão ele prepararia tudo aquilo? Sentei na poltrona azul e examinei o conteúdo de uma das xícaras, se tratava de um liquido verde e meio espesso.

— É chá de folha de rosa cantante - ele disse - faz bem para os pulmões

Eu apenas repousei a xícara novamente na mesa, não estava afim de ter uma infecção ou alergia. O homem a minha frente ainda usava as roupas esquisitas e de época, mas hoje seu cabelo estava menos bagunçado, como se ele tivesse se arrumado melhor. Fiquei me perguntando se era para mim, já que, de alguma forma, ele sabia que eu viria.

— Por que F.B.A? - perguntei, me referindo ao nome da loja

— Fadas, Bruxas e Anões - ele explicou

— Anões?

— Atendemos Elfos também, mas ás vezes eles são um tanto grosseiros

— Há quanto tempo faz isso? Quer dizer, há quanto tempo esconde toda essa magia?

— Bem, desde quando Auradon foi criada e a magia banida de vez de todos os seus estados, pessoas que utilizavam e utilizam magia se escondem - ele explicou - em muitas delas a magia é uma parte essencial, se parassem de usa-la...

— Morreriam - conclui - então... qual o seu nome?

— As pessoas me chamam de senhor D - ele disse bebericando o chá da folha de num sei o que - então você também pode me chamar assim

— Ok... você deve saber exatamente o que me trouxe aqui

— Claro, você quer saber mais sobre sua mãe, não é?

— Como sabe tanto sobre mim? - perguntei

— Isso não posso contar - ele colocou a xícara de volta na mesa - mas sobre Malévola... eu posso

Não adiantava perder tempo perguntando como ele me conhecia, afinal, desde que comecei a namorar o Ben que meu rosto não sai das revistas de fofoca e dos programas sensacionalistas, todos em Auradon sabem quem eu sou, não era tão difícil o "senhor D" deduzir que, com minha mãe presa e beirando o julgamento, eu fosse querer saber mais coisas para ajuda-la.

Mas, duas perguntas ainda estavam sem reposta: o que ele sabe sobre minha mãe e como sabe, pois, até onde eu me lembre, minha mãe nunca me contou sobre nenhum amigo além da tia Regina e do tio Jafar - ela não gosta muito da Cruella - e olha que nem os considera super amigos, são apenas pessoas que tiveram o destino parecido com o dela quando foram jogados como ratos na ilha.

— Como vou saber que o que me contar é verdade?

— Esse será um risco que terá que correr minha cara, mas, acredite, minhas palavras são sinceras - ele bebeu novamente mais um pouco daquele chá esquisito - por onde devo começar?

— Como conhece a minha mãe?

— Digamos que nós éramos amigos - ele respondeu - houve uma época em que fazíamos tudo juntos

— Sério? Porque minha mãe nunca foi de ter amigos assim tão íntimos - retruquei

— Você conhece a Malévola da ilha minha pequena, eu a conheci antes

Não vou mentir, o jeito como ele me chamou de "minha pequena" foi estranho, mas, de alguma forma, carinhoso, o que continua sendo estranho já que nós mal nos conhecemos. Ignorei o apelido e continuei focando nas perguntas.

— E como se conheceram? - perguntei

O senhor D. ficou mais reto na cadeira, ajeitando as mangas do estranho casaco preto.

— Malévola salvou minha vida e, como gratidão, prometi passar o resto dela ao seu lado

Aquilo me surpreendeu, minha mãe não é de salvar pessoas, normalmente ela está entre as que ajudam a empurrar mais fundo no poço, mas... o que ele ganharia mentindo? Porque eu não vou mesmo comprar nada dessa loja, talvez só aquele cordão de caveiras...

— Então não cumpriu sua promessa, afinal, ela está lá e você aqui

— Verdade - ele concordou sem ressentimentos - mas, acima de companheirismo, eu prometi lealdade á ela

— Como assim?

— Quando todos os inimigos e praticantes de magia ilegal foram presos na Ilha, Malévola disse que eu estava livre e, por mais que eu quisesse continuar ao seu lado, ordenou que eu fosse embora

Tentei digerir tudo o que ele me disse. Poucos anos depois que minha mãe foi presa na ilha, eu nasci, mas se ele foi embora antes disso, então não tinha como me conhecer, mas mesmo assim, conhecia. Aquele mistério todo estava me matando, eu fui atrás de respostas e não de mais perguntas.

— Malévola irá a julgamento - eu disse por fim - se sua lealdade á ela ainda existe, vai me ajudar a defende-la

— Mas é claro, foi pra isso que eu lhe dei o cartão, não foi?

— Ok, então o que tem pra me contar?

Senhor D. tomou o resto do chá inteiro em um gole só, limpou a boca com um guardanapo e entrelaçou os dedos, me olhando fixamente.

— Para salvar Malévola, uma grande bomba terá que explodir

— Uma bomba de verdade ou você está falando metaforicamente?

— Preste atenção, você é esperta - ele disse com um leve sorriso - para convencer o povo de que malévola não merece a morte, você terá que libertar coisas do passado que foram trancadas a sete chaves

— E como eu vou fazer isso? - perguntei

— Terá de enfrentar quem as trancou - ele disse seriamente - e acredite, ele não vai deixar que você exponha tudo tão facilmente

— Ele?

— Rei Stefan minha pequena, você terá de interroga-lo

Rei Stefan é o pai de Aurora, um dos grandes inimigos da minha mãe, será que ele também sabe mais além do que diz?