Sábado — 10:40 — 06 de Outubro de 2018

Eleonora conferiu as horas no relógio de pulso pela sexta vez dentro dos últimos quinze minutos e prendeu uma mecha dos curtos fios castanhos atrás da orelha. Em seguida esticou o pescoço, conferindo se em meio aquela multidão encontrava o rosto de quem desejava. Havia uma hora desde que chegara ao aeroporto de Ciampino e toda a tranquilidade que pensava ter se esvaíra.

— Se você olhar para aquela porta mais uma vez, vou ser obrigado a arrancar essas lindas íris verdes do seu rosto — ameaçou seu irmão, um garoto de pele alva e roupas floridas. — Você está indo para Londres, Nora. Não é hora de ficar com cara de morte olhando para trás.

— Eu não estou com cara de morte, Filo — negou, porém logo soltou um suspiro resignado ao receber um olhar descrente. — Okay. Talvez esteja um pouco nervosa, mas é só porque meu voo sai dentro de vinte minutos e elas já deveriam estar aqui — se referenciou as amigas, com as quais combinara de se despedir adequadamente, sem que todas estivessem sob efeito do álcool.

— Não seja tão preocupada, irmãzinha. Se elas disseram que viriam, é porque irão vir. Provavelmente ainda estão sofrendo de ressaca da noite passada.

— Tem razão. Estou sendo uma estúpida.

— Não poderia concordar mais. Agora me dá um sorriso, sim? — Eleonora alinhou os lábios num belo e ao mesmo tempo frágil sorriso. Poucos segundos depois sua boca tremeu, mostrando o quão falso era. — Aff, Deus realmente não dá asas a cobra. Se fosse eu no seu lugar, já estaria indo atrás do piloto exigindo que partisse logo. Quando foi que o mundo se tornou tão injusto?

— Não seja tão dramático. Ou por acaso se esqueceu da sua temporada em Amsterdã?

— E como esquecer dos meus gloriosos dias vivendo na cidade do pecado? Tenho certeza que foi lá que conheci o orgasmo. Tudo o que experimentei antes foi apenas uma prévia.

— Herbert, né? — Lembrou-se do estrangeiro com o qual o irmão tivera um amor de verão.

— É... — confirmou com um suspiro nostálgico. — Os meses passam, mas continuo tendo sonhos molhados.

— Argh! Informação desnecessária. — Tapou o rosto com mãos.

— Não seja tão puritana, Nora. — Ele destapou seu rosto e apertou a mão dela com carinho. — Não comigo. Te conheço bem demais para cair nessa.

— Eu não... — A frase ficou no ar quando duas mãos pousaram sobre seus olhos, tampando sua visão. Eleonora sentiu seu estômago se agitar ao reconhecer o toque suave que sempre a deixava anestesiada.

— Advinha quem é? — A voz soou próxima ao seu ouvido, inevitavelmente causando um arrepio por todo o corpo de Eleonora, que tentou se manter inabalável.

— Hum, vejamos... — Sorriu de leve, se sentindo relaxada de súbito. — Eu diria que a versão feminina de Rony Weasley. Acertei? — Ouviu alguns risinhos ao passo que o contado se quebrou. Assim que abriu os olhos, pôde visualizar Silvia e Sana paradas a sua frente como um borrão fugaz, pois logo sentiu um leve empurrão em sua cabeça. — Ai! Quanta violência! É esse tratamento que recebo indo embora?

— Não, é esse tratamento que recebe por me comparar a alguém tão sem graça. Eu jamais seria o Rony. Prefiro muito mais a Hermione — protestou a garota de longos e lisos cabelos ruivos, se colocando ao lado das outras duas e a frente de Eleonora com as mãos na cintura e um bico emburrado nos lábios.

— Você não pode ser a Hermione porque a Hermione já sou eu.

— Quem disse?

— Eu disse. — Deu de ombros.

— Pelo amor! Vocês realmente vão ficar aí discutindo quem seria quem? Parecem que têm doze anos — Sana, quem vestia um hijab negro, resmungou, revirando os olhos. E então olhou para Eva. — E só para constar: Nora está certa. Você super seria o Ron. E não é apenas por ser ruiva.

— Vocês são ridículas! — reclamou Eva, e todas riram.

— Vou sentir saudades de vocês — comentou Eleonora, mirando-as com um olhar nostálgico. — É uma pena Fede não ter podido vir — se referiu à amiga, que acabou por ficar de castigo quando seus pais souberam que a festa de aniversário acabou com um chamado da polícia.

— Sim, mas não se preocupe que a manteremos informada sobre tudo — tranquilizou uma menina baixa e loira, chamada Silvia. Balançou o corpo para cima e para baixo sem tirar os pés do chão, animada com algo desconhecido pelas outras. — Aliás, creio que em breve te darei uma notícia que a fará retirar todos os avisos de cuidado.

As meninas se entreolharam confusas, sem entender sobre o que Silvia se referia. Não havia nada demais ocorrendo na vida de nenhuma delas para que criassem expectativas sobre o futuro. A insinuação de Silva era no mínimo peculiar.

— Sobre o que está falando? — questionou Sana.

— Sobre Edoardo e eu. É óbvio. — Abriu um sorriso tão doce e largo que fez Eleonora se contorcer.

— De novo isso? — Sana perguntou entediada. — Pensei que já tínhamos superado essa fase.

— Por um momento eu também pensei, mas depois de ontem está claro que o que tivemos não ficou no passado para ele. Vocês não viram? — Eva, Sana e Filo negaram, enquanto Eleonora mordia a bochecha nervosa. — Percebi quando estávamos todas juntas e começamos a dançar. Ele não tirava os olhos de mim. E não era um olhar qualquer. Algo mudou desde que ele se desculpou. Eu posso sentir.

Eva e Sana trocaram um olhar de pesar, e Eleonora engoliu em seco.

Embora o pedido de desculpas que Edoardo fizera a Silva houvesse sido verdadeiro, Eleonora possuía total certeza de que não passava de um gesto empático. Nunca houvera nenhum sinal de reviravolta em seus sentimentos. Ela creia naquilo não somente como alguém que opinava sobre uma situação do ponto de do observador, mas como alguém que nos últimos meses vinha recebendo incessantes investidas da pessoa pela qual sua amiga estava apaixonada.

— Silvia, — Eva começou cuidadosa — nós já conversamos sobre isso, lembra? Não é porque ele te pediu desculpas que esteja apaixonado por você. Na verdade não fez mais que a obrigação.

— Sim, mas vocês não podem negar que ele mudou. O que foi aquela cena sexta passada no Parolacce? Parar pra dar um “oi” só porque nos viu no mesmo ambiente? Isso não é normal. Não quando nem mesmo somos amigos. Tem que significar alguma coisa.

— Nisso você tem razão. Foi bem atípico da parte dele. Mas talvez só tenha se tocado de como agia feito um babaca e esteja tentando se redimir pra alcançar um novo nível espiritual, transcender, sei lá — Sana opinou. — Só não leve muito a sério ou vai acabar se machucando outra vez.

— Mas... — começou a argumentar, mas logo foi cortada por Filo.

— E onde fica a parte em que eu te encontrei com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança? — questionou. — Ele até poderia estar olhando para alguém, mas definitivamente não era para você. Talvez você apenas estivesse na mesma direção.

— É verdade, Silvia — concordou Eva. — Outro dia ouvi um boato sobre ele estar de quatro por alguma garota que deu um fora nele.

Eleonora, que se mantivera quieta por toda a conversa, arregalou os olhos em alerta ao compreender aonde Eva queria chegar.

Não era um boato.

Ela estava ao seu lado quando Edoardo a convidou para sair e recebeu um não. Elas nunca chegaram a conversar sobre aquilo, pois era nítido para ambas que Eleonora se tratava somente de uma conquista para ele. Então era uma surpresa vê-la expondo o fato daquela forma, ainda que apenas para acabar com as fantasias de Silvia.

— Quem era a garota? — Silvia perguntou atônita. Eleonora sentiu seu coração parar e buscou os olhos de Eva. Ela sabia que a ruiva jamais seria capaz de dedurá-la, contudo isso não impedia que ela se sentisse a beira de um precipício.

— Não sei quem é. — Deu de ombros. — E tampouco acho que importa. Só te disso isso porque você precisa seguir em frente.

— Certo. — Assentiu mecanicamente e sem demonstrar o mesmo humor de quando chegara.

— Deus! Isso aqui virou um enterro! — comentou Filo com horror. — Posso não te conhecer muito, mas é óbvio até mesmo pra mim que você precisa deixar a fila andar. Se ele não te quer, azar o dele! Com certeza tem quem queira. — Ele segurou o braço dela e a puxou para se sentar ao seu lado. Em seguida, se inclinou de forma que ficassem com os rostos muito próximos. — Agora me dá um beijo!

— Não! — riu, empurrando-o para longe de si. — Sai!

— Vou pegar alguma coisa para comer. Vocês querem algo? — Eleonora interrogou quando o clima ficou um pouco mais descontraído. Não estava com fome. Apenas buscava uma desculpa para fugir do assunto que vinha lhe causando dor de cabeça. Quando todos negaram, se permitiu afastar, aliviada.

Caminhou em direção a cafetaria ao lado, porém com uma breve análise pode perceber que não havia nada de seu desejo por ali. Sabendo que havia outra cafeteria no andar de baixo, resolveu, então, descer para o piso dos voos nacionais. Pegou a escada rolante e antes que chegasse ao chão, o viu.

Era irônico como podia encontrá-lo com tanta facilidade quando havia tantas pessoas ao redor. Eleonora não sabia se era um efeito dos cabelos encaracolados ou apenas resultado do ato humano em procurar rostos conhecidos por todo lugar. Qualquer que fosse a alternativa correta, tudo o que ela desejava é que não tivesse acontecido. Ela queria paz e não poderia obter quando a razão de seu estresse vinha diretamente ao seu encontro.

Praguejou baixinho ao se perceber notada. Era muito azar tê-lo grudado em seu pé enquanto Silvia sofria por ele. Tentava encontrar uma razão para que o universo estivesse punindo-a daquela forma, todavia nenhuma de suas travessuras de infância era suficiente para descarretar tamanho carma.

Ele lhe sorriu e deu alguns passos em sua direção. Eleonora cogitou a possibilidade de fugir e olhou para trás, mas além das várias pessoas esperando que seguisse o seu caminho, havia muitas malas que atrapalhariam qualquer um que tentasse subir pelo lado contrário. Resignada, aceitou seu destino. Quando a mulher que estava em sua frente seguiu para as esteiras rolantes, um rapaz alto e de pele bronzeada avançou para ela.

— E eu pensei que teria que revirar o aeroporto inteiro atrás de você? Quem diria que na realidade seria você quem viria ao meu encontro?

— O que está fazendo aqui, Eduardo? — perguntou sem se dar ao trabalho de parar para olhá-lo, seguindo seu caminho rumo à cafeteria.

— Não disse que viria com você ontem? — lançou uma pergunta retórica, enquanto fazia um esforço para segui-la no meio do vai e vem de gente, sem que se desencontrassem. — Inclusive foi muita falta de educação sua sair sem me deixar qualquer aviso. Não fosse pelo seu porteiro, nem saberia que já estava a caminho.

— Poderia dizer que sinto muito, mas estaria mentindo, então... — Parou para fitá-lo com um sorriso debochado nos lábios. — De qualquer forma, eu avisei que meu irmão iria me trazer. Se você prefere não me dar ouvidos, aí já não é problema meu.

— Tão ácida.

— E você sempre tão patético. — Cumprimentou rapidamente a mulher atrás do balcão e pediu vinte zeppoline. Enquanto a atendente embalava o pedido, voltou a falar com Edoardo. — Ao contrário do que pensa, não sou estúpida o bastante para virar o seu prêmio.

— Eu nunca disse isso.

— Não é necessário. — A atendente balançou uma sacola de papel a sua frente, e Eleonora agradeceu. — Olha, Eduardo. Sejamos maturos, sim? Estou indo passar seis meses em Londres e tudo o que não preciso é de você lotando o meu privado no Instagram. Então vê se usa esse tempo pra crescer e me esquecer.

Com seriedade, Edoardo a fitou por alguns segundos. Eleonora estava esperando pelo momento em que ele ignoraria o seu pedido e relembraria o trato que fizeram alguns meses atrás. Aquilo vinha se tornando uma rotina tão enfadonha que fazia com que ela se questionasse se ele possuía consciência do quão previsível poderia ser.

— Okay. Creio que posso fazer isso. — Balançou a cabeça numa afirmativa mais de duas vezes, como se ainda estivesse perdido em seus próprios pensamentos.

— O que? — perguntou surpresa.

— Eu disse que se é do seu desejo, vou te deixar em paz.

— Qual é a pegadinha, Eduardo? — Analisou todo o seu rosto, duvidosa, em busca de algo subentendido, mas ele estava impassível.

— Não tem pegadinha nenhuma. Acontece que percebi que você tem razão. Não faz sentido continuar investindo, se a resposta continuar sendo “não”.

— Uau! — exclamou irônica. — Pelo visto, ainda há esperanças para os homens. Se eu soubesse que essa era a solução, teria comprado uma passagem para a Inglaterra antes.

— Será que nem quando eu cedo, você poderia me tratar com um pouquinho de gentileza? — Esticou o pescoço e coçou o queixo, sem deixar de encará-la.

— E por que deveria? — Arqueou uma sobrancelha e inclinou a cabeça para o lado.

— Okay, eu entendi. — Ele colocou as mãos no bolso da calça e mordeu o lábio inferior. Eleonora levou uma mão ao pescoço, se sentindo estranhamente desconcertada por tê-lo olhando-a daquele modo. Os olhos de Edo por sua vez brilharam ao perceber o efeito que causou nela. Aquilo era o máximo que poderia obter dela naquele instante, de modo que ele sabia que era o momento de recuar. — Te desejo uma maravilhosa viagem, Eleonora. Só não se esqueça de que Roma espera pelo seu retorno. Ciao!

Despediu-se e se virou para partir sem esperar uma resposta. Embora não fossem íntimos, Edoardo a conhecia o suficiente para saber que não obteria uma resposta, mesmo que permanecesse.

Eleonora o observou sumir por entre as pessoas e soltou o ar que nem mesmo sabia estar guardando. Sacudiu a cabeça, se recusando a pensar mais sobre o que acontecera. Seu voo partiria dentro de poucos minutos. E ela deveria utilizar o pouco tempo que restava, se concentrando nas pessoas que realmente importavam em sua vida. Não em Edoardo.

Abriu o pacote e retirou um zepolline, mordendo-o ao passo em que regressava às escadas rolantes.