The price of evil...

Won't turn out right. Can't turn out right!


Vernet podia chegar a qualquer momento, eu queria que ele chegasse como nos clichês dos filmes onde na hora certa alguém aparece pra resolver a situação. Eu não iria contar a verdade para os meninos, não deveria. Como eu me perdoaria se causasse problemas à banda? Mas eles precisavam saber de alguma verdade, mesmo que essa tal verdade não correspondesse totalmente aos fatos.

Estava esgotada, meus olhos perdidos em algum lugar, eu tentava formular o que faria, agora as propostas de Jace não pareciam tão absurdas. Afundei meu corpo na poltrona e permaneci inerte ouvindo algumas vozes desconexas, senti uma forte enxaqueca chegando, fechei os olhos e massageei a fronte, definitivamente eu precisava de uma pausa daquilo tudo, mas agora aquela parecia ser uma possibilidade descartada.

-O que ta acontecendo aqui? –Uma voz conhecida falou, mas parecia distante. Ou talvez eu estivesse distante.

Sabia que era Vernet quem estava ali, mas naquela hora havia me arrependido totalmente de tê-lo chamado, o que mais queria era hibernar por alguns dias. Talvez essa seja a magnífica ideia de Isabelle, me esgotar antes de começar com sua vingança sem fundamentos. Respirei fundo algumas vezes, arregalei os olhos e esbocei o melhor sorriso debochado.

-Vernet!

O detetive percorria a sala com o olhar cansado, a barba mal feita e entre os cabelos escuros agora podia notar-se alguns fios brancos, vestia uma camisa social branca dobrada até os cotovelos, calça preta e sapatos da mesma cor parecendo um algum daqueles agentes de seriados.

-O que exatamente está acontecendo aqui? –Pelo visto percebeu que havíamos o enganado. –Não imaginava ver vocês mais uma vez. –Direcionou o olhar para os meninos que não possuíam a aparência de alguém que havia acabado de sair de uma briga.

Os meninos não responderam e eu agradeci silenciosamente por isso. Levantei-me e andei com passadas firmes até a porta, assim que passei por Vernet disse de modo que todos puderam ouvir.

-Precisamos conversar.

Saí e no mesmo momento senti os pelos de minhas pernas se eriçarem devido o frio. Abracei o próprio corpo e voltei-me para trás vendo o detetive totalmente confuso.

-Você é meu pai? –Disse de forma nada amistosa.

-O que? –Gaguejou um pouco ao pronunciar as palavras.

-Detetive, eu não posso tomar iniciativas inteligentes sem saber a outra metade da história. –Falei mantendo a calma, para minha surpresa, estava tratando a situação com mais indiferença do que esperava.

-Clarisse, eu não acho que essa seja uma boa hora, eu estou cansado e você pelo visto teve um dia bem difícil também, seus amigos voltaram... –Falava de forma mais afetuosa, do modo que nunca havia falado comigo antes, sem todas aquelas ameaças ou petulância.

-Pois eu acho que essa é a hora perfeita. –Não mudei a postura fria e rígida.

-Clarisse...

-Detetive, sua filha tentou me matar. –Sua expressão congelou. –Mais de uma vez. E eu sinceramente não acredito que isso tenha unicamente a ver com o fato do namoradinho dela ter dado um fora nela. –O homem permaneceu calado. –Tem uma cafeteria aqui perto, eu estou realmente precisando de um café, você me conta a história lá. –Disse indo em direção ao carro estacionado em frente à minha casa.

-Não vai avisar para os seus amigos? –Perguntou atrapalhado, provavelmente na esperança que os rapazes e Michelle dissessem que eu não deveria ir.

-Eles são meus amigos, não meus pais.

Entramos no carro e eu disse a Vernet como chegar à cafeteria, não demorou mais de 10 minutos até adentrarmos em um lugar quase vazio, um dos atendentes assistia a um noticiário qualquer, no máximo duas mesas estavam ocupadas. Nos sentamos, eu pedi um café forte e Vernet uma cerveja.

Mais um bêbado para a minha coleção.

-E então? –Disse ao tomar um pouco do café já sentindo a boa sensação que ele me causava. Vernet tomou um pouco de sua cerveja também como se precisasse daquilo pra criar coragem.

-Clarisse, eu conheci sua mãe ainda no colegial, nós éramos muito amigos. –Fez uma pausa. -Ela nem sempre foi daquele jeito, era muito parecida com você. Ou melhor, com a antiga você. –Seus olhos não estavam focados em mim, mas em um lugar distante, como se as lembranças estivessem o fazendo reviver cada detalhe. -Tudo mudou depois da morte do seu avô, ela simplesmente não conseguiu aceitar, brigava o tempo inteiro com Olívia e assim como você, acabou ficando na companhia de pessoas erradas.

Assim como você. Ouvir aquilo me causou náuseas.

“Eu não sou como você! Nunca faria isso...”

“Mas você já fez querida. É exatamente uma vadia... Como eu.”

Sacudi a cabeça e afastei as lembranças. Vernet percebeu meu desconforto.

-Algo errado?

-Não, continue.

-Então... Ela conheceu um cara...

-Detetive, eu realmente não tenho interesse em saber que você foi dispensado pela minha mãe e todas essas coisas, pule para a parte em que eu nasci, por favor, vai me poupar tempo e energia.

-Tudo bem. –Tomou mais um pouco de sua cerveja e respirou fundo algumas vezes. –Eu e sua mãe ficamos juntos por algumas noites, até que ela simplesmente sumiu... Por muitos anos.

-Isso quer dizer que você não pode ser meu pai, já que pela contagem do tempo...

-Calma, eu não terminei. Lisa voltou aqui antes da morte de Olívia.

-Claro que voltou, ela precisava se livrar de um fardo recém-nascido. –Bufei.

-Quando isso aconteceu, não estava grávida, quer dizer... Não de você.

Aquilo havia confundido toda a minha mente, como se alguém tivesse jogado alguns papéis em uma mesa e os tivesse embaralhados de um lado pro outro. Eu estava perdida em meus pensamentos, precisei de alguns segundos para voltar para realidade de forma brusca. Logo tudo aquilo fez sentido.

-Vernet, quantos anos Isabelle têm?

O detetive a minha frente suspirou totalmente esgotado.

-23. –Disse por fim.

Cinco anos de diferença.

Eu não era filha de Vernet, mas Isabelle continuava sendo minha irmã!

-Mas como... –Eu estava completamente perturbada, não fazia sentido! Não podia fazer sentido. –A minha avó sabia disso?

-Não, Olívia nunca soube desse regresso de Lisa.

-Isso não faz sentindo Vernet. –Sacudi a cabeça, abri e fechei os olhos com força na tentativa de me acalmar. –Termine de falar. –Pronunciei as palavras com firmeza, de repente, tratei aquilo tudo como se não implicasse nada a mim, era apenas a história de outra pessoa qualquer.

-Lisa voltou desesperada e me procurou, disse que não podia ficar com a criança. Ela estava muito diferente, parecia outra pessoa, eu logo soube que estava se envolvendo com drogas, não tinha mais aquela beleza de antes, mas eu ainda a amava e não podia deixar de ajudar. Débora acabou descobrindo toda a história...

-Quem é Débora?

-Minha esposa, mãe de Isabelle. –Assenti e esperei que ele continuasse. –Débora não pode ter filhos, então acabou por decidir que ficaria com a criança e pediu que sua mãe nunca mais voltasse. O que ela fez sem reclamar até que...

-Outro empecilho surgiu.

-Basicamente. Quando ela voltou pela segunda vez, você já era nascida, tinha quase um mês de idade, mas ela não me procurou e entregou você para sua avó. Foi embora novamente depois de uns três meses, mas eu não a vi durante esse tempo.

-Isabelle não se parece nada com Lisa ou comigo.

-Provavelmente vocês são filhas de pais diferentes e, Clarisse você tem alguma marca de nascença?

-Sim. –Arqueei a sobrancelha. –No tornozelo. Devo entender, com essa pergunta, que Isabelle também possui uma?

-Na verdade sim.

Era só o que faltava...

-Ela sabe dessa história toda ou apenas da metade?

-Não, ela não sabe de nada.

-Aí que você se engana, detetive.

-Ela apenas deduziu que você era minha filha, do mesmo modo que você antes de me arrastar até aqui.

Interessante, pelo menos agora eu tinha uma informação ao meu favor, só precisava descobrir como usá-la. Levantei-me de forma calma.

-Boa noite detetive. –Caminhei até a porta.

-Lisa, espera.

-Lisa?

-Desculpa, você me lembra muito a sua mãe.

-Não detetive, nós duas somos totalmente diferentes. Ela está morta e eu estou viva, seleção natural, eu fui melhor que ela. –Falei em um tom que me deixou um pouco assustada. –Ah, eu tenho outra pergunta.

-Pode falar.

-Como Isabelle o convenceu de que eu deveria estar longe das grades?

-Ela ameaçou contar para Débora e para você.

-Mas sua esposa já sabia disso, que diferença faria?

-Sim, mas se já era bem complicado lidar com você, imagine se soubesse de uma verdade errada. Aliás, eu achei que estava agindo de forma injusta dificultando tudo que seu advogado tentava fazer para te ajudar. Você não é a Lisa, certo?

-Certo. –Assenti. - Até o julgamento detetive. –Girei os calcanhares e saí da cafeteria.

-Daqui três semanas. –Uma voz ao fundo gritou quando eu já estava um pouco longe.

-Mês que vem? –Regressei um pouco. –Eu pensava que...

-Seu advogado não avisou? –Balancei a cabeça negativamente. –Então já está avisada.

-Obrigada.

-Clarisse.

-Sim?

-Sinto muito pela sua avó. –E lá estava aquele mesmo olhar de pena que eu odiava. –E por você e sua mãe.

-Pois eu não sinto. –Foram minhas últimas palavras até continuar andando com passadas curtas.

A noite estava fria, mas não me incomodou. As ruas pela qual eu passava estavam escuras, um calafrio percorreu minha espinha, mas achei um pouco irracional ter medo de ser atacada por algum maníaco justo agora, talvez a vida tivesse outra pessoa pra atormentar nas horas vagas.

Meus pensamentos estavam conturbados, tentava processar todas aquelas informações e descobrir uma forma de usá-las em meu favor. Assim que cheguei a casa encontrei um bando de machos jogados em meu sofá e Michelle tentando manter a ordem.

-Johnny, tira esse seu pé fedorento da mesa. E Matt eu já disse que a Clary não tem nenhum videogame, para de fazer a mesma pergunta o tempo todo! –Só então percebeu a minha presença. –Ah, Clarisse, enfim você chegou! –Veio em minha direção com os braços abertos que me acolheram em um abraço apertado.

O cheiro doce dela invadiu minhas narinas e eu aconcheguei meu rosto em seu ombro como se fosse sua filha, mas algo me atingiu de forma inesperada. Senti um grande aperto no coração e uma súbita vontade de chorar, meu peito ardia.

O julgamento será mês que vem e daí, tudo acabará.

Respirei fundo e tentei controlar as lágrimas, mas foi algo que não estava ao meu alcance. Libertei-me do abraço com cuidado e caminhei com o rosto abaixado até a escada, meu cabelo ajudou a escondê-lo.

-Clarisse? –Ouvi algumas vozes me chamarem e apressei o passo chegando até meu quarto totalmente destruído. Fui até o banheiro e tranquei a porta, não passou muito tempo até que eu começasse a chorar como uma criança com joelhos ralados. Eu não queria deixá-los. Ouvi algumas batidas na porta.

-Clary, por favor, me deixa entrar. –Tentei dizer que não e que estava bem, mas meus soluços altos impediram, não conseguia pronunciar uma palavra sequer. –Juro que se você não abrir essa maldita porta, eu chamo o Matt para derrubá-la. -Com esforço levantei-me e abri a porta, não queria chamar tanta atenção para a minha fraqueza e isso aconteceria se Johnny continuasse gritando.

Sentei-me novamente onde estava e Johnny ficou ao meu lado, encostei minha cabeça em seu ombro e ele passou um braço em torno de minhas costas e o outro em minha cintura segurando suas próprias mãos como se estivesse evitando que eu caísse.

-Vai ficar tudo bem.

Não Johnny, não vai.

Não conseguia pronunciar uma única palavra, mordi o lábio inferior na tentativa de abafar meus soluços.

-Você deixou uma galera um pouco preocupada lá embaixo e o Zacky quando fica nervoso come mais do que o normal, não estranhe se estiver passando fome daqui alguns dias. –Dei um leve sorriso e imaginei o quanto eu sentiria falta daquilo. –Ah e o homem das sombras ta nervosinho por que aqui não tem videogame. –Rimos juntos, enxuguei as lágrimas e respirei fundo.

-Vai embora Johnny. –Balbuciei ao falar.

-O que? –Sua expressão era confusa. –Eu vim aqui tentar te ajudar e você me manda sair assim?

-É, ou você acha que eu vou tomar banho com você por aqui. –Rimos mais uma vez, Johnny beijou minha testa e saiu.

Xx

-Eu vou matar aqueles filhos da puta! –Socou a parede com força.

-Para de gritar, alguém pode ouvir! –Repreendi.

-Isabelle, estamos em uma rua afastada da cidade, aqui praticamente não mora ninguém, deixa de frescura.

Já estava passando de meia noite, mas eu não sentia a mínima vontade de voltar pra casa, tudo precisava estar perfeito na hora certa. O beco em que estávamos possuía pouca iluminação, próximo ao lugar onde tudo aconteceria.

-Eles fizeram um estrago em você. –Gargalhei.

-Então daqui a pouco será a minha vez.

-Eu já disse que não iria envolvê-los –fiz uma pausa- mas... Você pode se divertir.

Charlie estava jogado no chão com uma bolsa de gelo sobre o olho machucado.

-A filhinha do detetive mudou de ideia?

-Charlie, Charlie, Charlie... –Comecei a andar de um lado para o outro sentindo o vento frio invadir meu corpo. O silencio da noite foi interrompido pelo barulho que meus saltos faziam em contato com o chão. –Quando aquela vadia da Clarisse foi embora o Simon ficou todo deprimido esperando que ela voltasse enquanto ela estava viajando com uma banda famosa. Eu fiquei aqui cuidando de um velho babão na tentativa de finalmente fazer o Simon se apaixonar por mim, o que estava quase funcionando até aquela puta aparecer de novo e eu perceber que tudo havia sido em vão.

-Mas não foi você que descobriu onde ela estava e a denunciou?

-Sim, claro que fui eu, ou você acha que eu ia a deixar ser feliz por aí enquanto tinha atrapalhado toda a minha vida?

-Porém a volta dela acabou te prejudicando ainda mais, então... –Pensou um pouco melhor, finalmente caindo em si. –Ah não ser que seus planos tenham mudado. –Sorriu malicioso.

-Claro que sim! Imagina como a vida deve ser bem mais interessante ao lado daqueles caras. Simon e Clarisse podem queimar no inferno juntos, eu não ligo. –Gargalhei e me abaixei ficando bem próximo de Charlie. –E eu tenho outra tarefinha pra você.

Xx

Fui até o meu guarda-roupa vendo que não havia sobrado uma única roupa decente que eu pudesse vestir, mas por sorte minhas roupas íntimas foram salvas, vesti-as e fui enrolada na toalha até o corredor.

-MICHELLE! –Berrei do alto da escada.

-Que é?

-Me empresta uma roupa sua?

-Não, pega com algum dos meninos. –Que vadia!

-Vá para o inferno você e suas roupas. –Inclinei-me um pouco mais e gritei para despertar a atenção dos meninos. –Ei seus viados, peguem alguma camisa pra mim, por favor.

-Acho que o Johnny tem alguma do seu tamanho. –Synyster falou.

-Nem fodendo que eu vou emprestar minhas roupas pra Clarisse.

-Eu também não vou emprestar minhas regatas, já basta essa que ela sujou com as impurezas dela.

-Vão se foder vocês dois. –Mostrei o dedo do meio para eles que me jogaram beijos como provocação. –ZACKY!

-Eu não sou surdo caralho. –Todos riram. -E nem vem pedir nada, você cortou praticamente todas as minhas blusas pra ficarem do seu tamanho enquanto ficou lá em casa.

-Ótimo, sobrou pra mim. –Matt bufou. –Acho que nenhuma camisa minha vai caber em você.

-E desiste dele também Clarisse, o Matt não tem mais que duas camisas. –Synyster falou e todos começaram a rir.

-Vai se foder seu viado, pelo menos eu não tenho várias regatas da mesma cor e saio todo dia com a mesma “farda”. –Fez aspas com os dedos.

-Matt, não é por nada não, mas eu só me lembro de você com três camisas. –Disse enquanto descia as escadas.

-Vamos contar. Tem aquela do Motorhead. –Johnny continuou implicando, joguei-me no sofá do lado de Zacky e Matt obrigando os dois a afastarem um pouco.

-A do Iron Maiden. –Falei recebendo um peteleco na orelha de Matt. –Ai sua puta, isso machuca!

-Clarisse, por acaso ficar de toalha em uma casa que foi invadida por machos é coisa de moça direita. –Michelle sentou-se ao lado de Synyster.

-Quem disse que eu sou uma moça direita? –Todos na sala começaram a rir. –Porra vadia, atrapalhou a contagem de camisas do Matt.

-Só por isso eu não vou te emprestar nada. –Bufou.

Continuamos conversando e eu fiquei imensamente feliz por eles não estarem cobrando explicações, era tudo que eu menos precisava agora.

Xx

Despertei com o barulho de um daqueles irritantes alarmes de relógio próximo ao meu ouvido. Abri os olhos devagar e percebi que o som vinha do pulso de Matt onde minha cabeça estava apoiada, o relógio marcava 5 a.m, levantei o tronco com dificuldade, estava um pouco zonza, Matt estava sentado no sofá de forma aparentemente desconfortável com a cabeça jogada para trás, minhas pernas estavam por cima de Zacky que se encontrava em uma posição similar a de Matt. No outro sofá, Michelle dormia com o corpo debruçado em Synyster e Johnny estava deitado como um feto, a cabeça apoiada em uma das coxas de moreno que roncava ao seu lado. Aliás, ele não era o único que roncava. A sala agora possuía uma sinfonia perturbadora. Senti meu estomago arder, levantei por completo tomando cuidado para não despertar ninguém e fui em direção à cozinha preparando um lanche rápido.

As primeiras faíscas de sol começaram a iluminar a casa por uma fresta das janelas, fechei-as transformando tudo em um breu novamente. Girei os calcanhares em direção ao meu lanche novamente, mas interrompida por uma parede, que na verdade não existia.

-Ai! –Esbravejei.

-Desculpa. –Eu sabia que se tratava de Zacky.

-Sem problemas. –Sorri de canto. –Me deixa adivinhar, você ta com fome.

-Acertou. –Rimos baixo.

-Eu faço outro sanduíche pra você, mas não acorda os outros ogros, não to com vontade de passar o dia fazendo comida. –Zacky respondeu um “sim senhora” e esperou pelo seu sanduíche tamborilando os dedos na mesa. –Aqui está. –Entreguei para ele o sanduíche e fui terminar de comer o meu que... NÃO ESTAVA MAIS LÁ.

-Foi irresistível.

-Seu gordo filho da puta. –Murmurei. Estava com preguiça de fazer outro sanduíche então me limitei a beliscar um pouco o sanduíche de Zacky e esperar que ele terminasse de comer para enchê-lo de perguntas. –Por que você desistiu? –Demorou um pouco pra responder.

-Eu não sei, acho que deveria te dar a chance de explicar tudo o que aconteceu.

-Só por isso? –Disse um pouco desapontada.

-Ah, sei lá... Você é minha amiga, certo?

-Han? Sua amiga? É lógico que não! –Sacudi a cabeça. -Quer dizer, eu sou sua amiga, mas isso? –Alterei um pouco o tom, mas logo mantive a calma.

-Clarisse, eu tenho umas coisas pra contar.

-Pois conte! –O interrompi.

-Se você parar de me interromper, talvez eu consiga. –Riu de canto enquanto mexia em algumas sobras de pão na mesa. Eu esperei. –Conheci uma garota.

Meus músculos ficaram rígidos e eu senti meu sangue congelar. Ele prosseguiu.

-Quer dizer, eu já sabia quem ela era, mas a chamei pra sair recentemente. É minha cabeleireira, Gena, com certeza você nunca ouviu falar dela. –Concluiu. Meu coração não estava acelerado, simplesmente parecia que não existia mais. Como eu fui estúpida em achar que as coisas ainda podiam ser resolvidas e que tudo ficaria bem.

Nada ficará bem. Repeti milhares de vezes eu minha mente. Você não pode ocupá-lo com um fardo desses, é injusto fazer com que vocês se apeguem novamente sabendo que você é um caso sem solução, sua burra.

Engoli toda a mágoa que se alastrava em meu corpo. Aquilo era uma boa notícia de toda forma.

-Você gosta dela?

-Acho que sim, quer dizer, ainda não posso ter certeza, estou saindo com ela há pouco tempo, mas Gena é uma mulher legal, doce e tem me tratado bem.

-Sendo assim, mal posso esperar pra conhecê-la. –Esforcei-me para colocar convicção em minhas palavras. Ficamos em silencio por um tempo. –Zacky, quanto ao dia que vocês chegaram aqui e me encontraram... Bem, você sabe.

-Quase morta em um quarto de uma pousada de estrada. Clarisse, você não me deve explicações ok? Pode ficar tranquila quanto a isso, eu convivo com caras que dormem com mulheres que nunca viram na vida e acordam em lugares que nem imaginavam que existiam, só quero dizer pra ser mais cuidadosa quanto aos caras que anda saindo, você quase morreu. –Disse de forma tranquila.

Eu não sabia o que responder diante daquilo. Zacky achava que eu era uma vadia que tinha me envolvido com drogas e o primeiro que apareceu? Ele estava dando uma de bom samaritano e mostrando que realmente não se importava mais?

Ele não se preocupava mais comigo ou com qualquer coisa que eu fizesse.

Tudo isso me apunhalou de forma bem pior do que a afirmação de sua nova namorada ou sei lá o que. Abri a boca, mas as palavras não saíram.

-Onde fica o banheiro? Acho que eu preciso de um bom banho ou vou acabar como uns bêbados que eu conheço. –Sorriu e eu respondi a localização do cômodo com dificuldade, ainda não estava totalmente recuperada do choque.

Não sei quanto tempo se passou até que Michelle aparecesse e tomasse o lugar antes de Zacky na cadeira vazia a minha frente.

-Bom dia. –Não respondi. - Vocês brigaram?

-Não.

-Então qual o motivo desse mau humor?

Demorei pra responder, quando por fim disse as palavras que mais me machucaram.

-Vocês precisam ir embora.

-O que? Você ta louca? Nem eu, nem os meninos, vamos sair daqui até que tudo esteja resolvido!

-Resolvido como Michelle? Quando eu estiver presa? Por que isso é a única coisa que se tem pra resolver. Meu julgamento será mês que vem e você sabe que eu vou ser condenada a passar uns bons anos na prisão. O que vocês estão esperando pra abandonar o barco? Nada mais pode ser mudado. –Meu tom havia se alterado, eu estava praticamente berrando para os quatro ventos. –Vocês uma hora ou outra – normalizei o tom, com uma tristeza evidente em minha voz – terão que ir embora e eu prefiro que seja logo.

Michelle estava congelada em minha frente, sua expressão era composta por confusão e algo a mais que eu não identifiquei. Passamos um tempo nos encarando até que uma terceira voz na conversa quebrou o silencio.

-Clarisse. –A voz conhecida era áspera.