The price of evil...

The end is knocking


Acordei sobressaltada ao ouvir um movimento na casa, mas logo percebi de quem se tratava.

-E aí Matt - tropecei nas palavras enquanto erguia meu tronco preguiçosamente.

-Michelle não apareceu por aqui? –Perguntou ao sentar-se no outro sofá. Balancei a cabeça negativamente enquanto erguia meu tronco preguiçosamente. –Estranho, ela disse que viria antes pra casa por sua causa.

-Minha causa? Mas... –Só então me senti mais desperta e todos os ocorridos do dia passaram por minha mente como um flash. Esfreguei os olhos, olhei ao redor da sala escura e percebi a ausência dos outros. -Cadê o Gates e o hobbit?

-Saíram com umas mulheres que encontraram no bar. –Deu de ombros, parecia fatigado.

-Acho que o Gates deveria ter o mínimo de bom senso e vergonha na cara.

-Ah fala sério Clarisse, não sei por que o espanto.

Matt estava certo, eu não tinha motivo algum para me surpreender. –Pelo menos eles saíram com alguém do sexo feminino, não é mesmo? –Rimos. –E você veio pra casa agora por quê?

-Preciso falar com a Val, parece que ela teve um mal estar, passou mal, sei lá.

-Matt, acho que já passou da hora de você voltar pra casa e pra sua mulher... Eu nem sei bem por que vocês vieram. –Dei um sorriso cansado e bocejei.

-Na verdade, a reação do Gates me surpreendeu um pouco, ele falou de uma ligação... Sei lá e eu sei como ele é meio estouradinho e você, Michelle e Gates dividindo o mesmo espaço, achei que não seria algo muito bom, porém o resto da cambada acabou vindo, aliás, ainda estamos dando um tempo.

-De qualquer forma, muito obrigada.

Assim que terminei de falar, o telefone tocou e eu atendi.

-Alo? –disse trôpega e minha voz acabou falhando.

-Olá Clary. –Ouvi uma risada ao fundo. A voz do outro lado da linha era totalmente serena e zombeteira. –Fiquei sabendo o que aconteceu... Nossa garota, você não perdoa nem a terceira idade. –Gargalhou.

Eu sabia muito bem de quem se tratava, um calafrio se alastrou em meu corpo. A voz, tão tranquila e suave, prosseguiu.

-Ainda está na linha, querida? É bom que esteja já que liguei para falar de um assunto do seu interesse. Fiquei sabendo daquela sua amiga... Como é mesmo o nome dela? Ah sim, Michelle.

Não respondi nada, deixei que ele continuasse falando, até mesmo por que não queria despertar a desconfiança de Matt, que prestava muita atenção nas minhas reações, em relação ao que estava acontecendo. O outro lado da linha continuava em total silêncio, mas era possível ouvir sua respiração pesada. Mesmo sonolenta tentei ligar os fatos, Michelle não estava em casa.

-O que você quer? –Perguntei fria e severamente.

-Hum, o que eu quero? Bom, eu quero que você me espere naquele posto que nos encontramos recentemente.

Queria protestar e dizer que não tinha motivos nenhum pra confiar no que Charlie dizia, porém isso iria causar alarde e na dúvida, era melhor não arriscar. Eu sabia muito bem o que estava acontecendo. Primeiro o presente de Charlie, agora os outros dois de Isabelle.

-Ah, meu bem, venha sozinha. O primeiro sinal que eu tiver que você está acompanhada de um dos seus amigos, a loirinha morre. –Dizendo isso, desligou.

Continuei atônita sem me lembrar como poderia me mover, tentava buscar em minha mente a melhor solução para tudo isso.

-O que foi? -A voz rouca de Matt me fez despertar.

-Matt, poderia me emprestar algum dinheiro? –Falei com muita vergonha. Sentia toda a pequena dignidade que me restava se esvair.

-Pra que?

-Por favor, é importante. –Pedi novamente e ele tirou do bolso alguns dólares, me entregando logo em seguida. –Preciso que vá procurar o Gates.

-O que? Dá pra explicar o que ta acontecendo?

-Olha Matt, realmente não dá pra explicar, por favor, vai procurar o Gates no inferno se for preciso e me encontrem aqui em duas horas, ok?

Subi as escadas correndo e entrei no meu quarto. Passei as mãos pela cômoda tentando encontrar a foto, quando achei, amassei ela e guardei em meu bolso. Procurei por uma calça jeans que estivesse em um bom estado, encontrando uma escura e um pouco apertada, muito diferente do que eu costumava usar, porém a vesti, fui até o banheiro e lavei meu rosto, prendi o cabelo em um rabo de cavalo apertado e mais arrumado do que o de costume. Novamente procurei pelas coisas de Michelle na casa, baguncei totalmente a mala e encontrei o que queria. Uma camiseta justa preta e coloquei um casaco por cima, joguei-me em direção à saída. Ao passar pela sala percebi que Matt já não estava mais lá, tranquei a casa e pedi um táxi.

O trajeto foi silencioso, o motorista nem ao menos tentou iniciar uma conversa sobre o clima que mudava, agradeci imensamente por isso. Tamborilava os dedos me minhas pernas, batia os pés, não conseguia manter-me imóvel. Cheguei a meu destino, por sorte o dinheiro que Matt me emprestara havia sido suficiente. Assim que coloquei os pés pra fora do veículo uma vento frio me atingiu, apertei o casaco contra o meu corpo e andei de um lado para o outro no posto esperando por Charlie.

-Com licença moça, posso ajudar? –Uma voz melodiosa e feminina arrancou-me de toda a minha confusão interna.

-Ah, não, desculpa, estou esperando uma pessoa.

-Eu sei. –Respondeu evasiva com um sorriso estranho no rosto. Franzi o cenho.

-Sabe?

-Você é a filha de Lisa, certo? –Não respondi, tentava me lembrar de onde a conhecia e como ela saberia o que eu estava fazendo ali.

A mulher beirava os seus 30 a 35 anos, o cabelo dourado era raso e estava preso em rabo de cavalo baixo. Seus olhos de um verde desbotado, sua pele era pálida, quase não havia vida nela, parecia doente. Mais alta que eu uns bons centímetros, possuía curvas sinuosas. Lembrava Lisa quando eu a encontrara no hospital na noite em que Liv falecera.

-Vem comigo. –Disse ela por fim.

-Pera aí, quem é você?

Não respondeu, se limitou a girar os calcanhares como se eu não tivesse outra alternativa a não ser segui-la.

Em minha mente milhões de coisas transitavam. Eu tinha certeza que nunca havia visto aquela mulher em lugar algum enquanto pensava sobre isso, também ensaiava tudo que eu diria a Charlie, tentei parecer confiante, ergui o queixo e prossegui com uma expressão vazia.

A mulher me conduziu até outra mediação do posto onde um carro pequeno era o único estacionado ali. Dirigiu-se até o banco do motorista e fez menção para que eu entrasse. Não fiz perguntas, apenas obedeci. Se ela me levasse até Charlie estaria ótimo, realmente precisava acertar umas coisas que já haviam se estendido demais.

O caminho de carro foi bem curto, entrávamos cada vez mais em estradas escuras onde eu não enxergava a luz de nenhum farol ou qualquer sinal de que alguém passasse por ali. Finalmente a mulher estacionou em frente a um galpão abandonado e saiu do carro. Respirei fundo e a segui.

Atravessei a rua e logo em seguida adentrei aquele lugar sujo e mau cheiroso cercado por um mato crescido. Tinha dois andares, o primeiro parecia ser um estacionamento, sem paredes apenas colunas, já o segundo andar era totalmente fechado, imaginei que Charlie e Isabelle estivessem ali com Michelle. Em um canto afastado do que eu deduzi que havia sido um estacionamento há algum tempo havia uma escada em espiral, a mulher subiu e eu fui logo em seguida. Ao chegar ao outro andar encontrei uma silhueta masculina virada de costas, parecia contemplar algo.

-Aqui está ela. –A mulher disse fazendo com que aquela sombra virasse em nossa direção.

-Olá Charlie - disse tentando aparentar ter calculado todas as minhas ações, mas no fundo eu sabia que era evidente que eu estava mais perdida do que nunca. –Cadê a sua parceira? –Perguntei enquanto olhava o ambiente.

-Digamos que ela esteja ocupada Clary. –Falou tranquilamente, tinha as mãos nos bolsos e o olhar fixo em mim.

-Clarisse, por favor. É estranho ela não estar aqui, imaginei que esse fosse um momento glorioso pra ela.

-Como seu ego é inflamado Clarisse. Isabelle tinha coisas mais importantes a fazer, poderia adiantar pra você que envolve seu amiguinho famoso.

Arregalei os olhos com aquela informação inesperada. Não conseguia raciocinar logicamente, milhões de perguntas passearam em minha mente, apesar de confusa, permaneci com a melhor expressão vazia que pude esboçar.

-Cadê a Michelle?

-Em um lugar mais seguro.

-O QUE? Charlie, eu vou perguntar só mais uma vez e quero uma resposta objetiva. Cadê Michelle? –Pronunciei as últimas palavras lentamente.

-Uma coisa de cada vez. Primeiro vamos conversar. Imagino que esteja se perguntando quem é ela – apontou com o queixo para a mulher que se encontrava um pouco mais atrás de mim e de braços cruzados, prestando total atenção no que acontecia.

-Na verdade, não estou não. –Menti. –A única coisa que eu quero é sair daqui com a Michelle.

-Receio que isso não seja possível. –Respondeu com um sorriso no rosto, aquilo era um teste psicológico, eu sabia disso. Não era a primeira vez que Charlie jogava daquela forma comigo, mas agora eu não perderia a cabeça, não colocaria tudo a perder.

-Eu tenho algo que você quer, não é?

-E eu tenho algo que você precisa. E não estou falando da sua amiguinha.

-Sei coisas demais a seu respeito, você sabe que eu vou ser presa de qualquer forma e posso muito bem te arrastar junto.

-É mesmo? –Gargalhou. –E por acaso você sabe quem está por trás disso tudo Clarisse?

Permaneci em silêncio.

-Vamos lá garota, faça um pequeno esforço, não é possível que você seja tão cega assim.

Meu corpo parecia ter criado raízes naquele chão empoeirado. Jace foi a única pessoa em que pensei.

-Ninguém ajuda alguém sem querer algo em troca, por simplesmente ajudar. –Murmurei quase que pra mim mesma.

-Exatamente. Mas você sabe por quê?

-Pra onde ele quer me levar? –Perguntei quase me deixando levar naquela conversa que Charlie usava pra tentar me confundir, porém algo inesperado aconteceu. Vi seu semblante mudar, a minha pergunta não fizera sentido pra ele. Não estávamos falando de Jace! Droga, eu estou à beira de estragar tudo.

-Do que você ta falando? Clarisse... Você vai fugir? –Deu um passo a frente e retirou as mãos dos bolsos, só então vi o revolver que ali estava.

-Segredo por segredo. Você praticamente me obrigou a fazer aquilo com a Sara, ela também sabia muito sobre você e tudo que fez. A Isabelle sabe de tudo, não sei como ela te achou, mas você contou tudo pra ela.

As palavras corriam de minha boca, eu parecia estar perdendo a sanidade, aquilo não fazia sentido nem ao menos para mim, mas mesmo assim continuei falando como se não comandasse mais meu próprio corpo.

-A Isabelle sempre soube! –Gesticulei com as mãos e elevei o tom de voz como se falasse algo óbvio. –Ela sempre soube que éramos irmãs... Mas, ao contrário do que eu pensava, ela também sabe que eu não sou filha do Vernet.

-Eu sabia que você não podia ser tão imbecil... Está no caminho certo, continue.

-E você! Você sabe de algo a mais com essa história toda. Não só do ocorrido com a Sara, mas você... Não, é idiotice, mas...

-Não Clarisse, não é. Lembra-se do que a Sara te disse? Eu sei mais coisa sobre você do que a própria Olívia sabia.

-Não fala da minha avó, seu cretino.

Ele riu alto.

-Vamos lá Clarisse, só duas palavrinhas... Eu sei que você entende o que quero dizer. Vamos lá Clary...

Cerrei meus pulsos e fechei os olhos, suspirei e por fim falei o que Charlie tanto queria ouvir.

-Meu pai.

**

Sentia a região de meus pulsos e tornozelos latejarem. Abri os olhos, mas a escuridão continuava a me cercar, o ar era seco e pesado, como se eu estivesse presa em uma caixinha. Minha cabeça dava voltas e eu sentia que iria vomitar a qualquer momento.

-Clarisse? –Ouvi aquela voz me chamar, achei que estivesse sonhando. Ou melhor, tendo um pesadelo. Fiz um enorme esforço pra manter meus olhos abertos e continuar consciente, mas não consegui.

**

-Criança! –Gregory berrou ao aproximar-se de mim com os braços abertos logo depois me envolvendo em um abraço. –Me desculpe, eu fiz tudo que podia...

De fato havia feito, mas não foi o suficiente. O caso é que eu estaria livre agora se a única acusação fosse a morte de Lisa. Legítima defesa. Eu sabia que a história verdadeira não era bem assim, mas quem se importaria com a história verdadeira quando um belo espetáculo de mentiras convincentes aparece diante dos olhos de todos? Porém como já era de se esperar, nem tudo é tão fácil assim, principalmente para mim. O presente de Charlie acabou me custando caro, assim como os de Isabelle.

Um flash em minha memória fez com que aquelas órbitas vagassem em minha mente por um segundo. Cheias de ódio. Meu estômago revirou.

-Obrigada Greg. Você lembra-se da última coisa que lhe pedi, certo? –Ele assentiu. –Eu serei eternamente grata se você cumprir sua promessa.

-Não tenha dúvidas quanto a isso. –Sorriu e eu retribuí. Um sorriso sincero e cercado de alívio por saber que meu último desejo seria realizado.

Engraçado o fato de estar falando como uma pessoa prestes a morrer, talvez esse não fosse o caso, a morte, na verdade, me parecia um futuro mais promissor do que o que me aguardava, eu havia cansado.

-Por aqui. –O policial me conduziu até a viatura logo depois de ter colocado as algemas. –Detetive Vernet, é o senhor o responsável pelo caso que irá nos acompanhar? –Falou ao voltar-se para a direção oposta onde estava Jace e Vernet, ambos como sempre aparentando terem sido arrancados de um seriado investigativo.

-Não, meu parceiro vai acompanhá-la. –Respondeu com a voz rouca. –Clarisse... –Andou lentamente até mim. –Eu irei vê-la, ok? Você não ta sozinha, acho que é o mínimo que eu posso fazer.

Senti um nó se formar em minha garganta, não seria a primeira vez que eu choraria naquele dia, aliás, havia perdido as contas de quantas vezes tinha o feito nos últimos tempos.

-Obrigada Vernet. –Respondi reprimindo um soluço.

O detetive se afastou de mim e eu entrei na viatura onde um oficial esperava no banco do motorista. Logo em seguida Jace apareceu acomodando-se no carona. O policial deu a partida e seguimos em uma viagem silenciosa. Eu estava uma pilha de nervos, tamborilava os dedos em minhas pernas e olhava para trás o tempo inteiro esperando que algo acontecesse, ao contrário de Jace que possuía uma expressão serena. Respirei fundo algumas vezes, meus olhos pesavam, perdi a consciência.

**

Uma pancada violenta atingiu a maçã do meu rosto, acordei sobressaltada e percebi que havia batido bruscamente contra o banco do carona por estar sem cinto de segurança. Assustada, olhei em volta e vi que agora quem estava no volante era Jace e não havia sinais do outro policial.

-As chaves das algemas estão aqui na frente, pegue-as. –Disse ofegante e tentei formular o que eu teria perdido enquanto dormia.

Com dificuldade, ergui meu corpo apoiando os cotovelos em ambos os bancos da frente e consegui pegar as chaves. Destravei as algemas e esfreguei as mãos em meus pulsos que agora doíam devido todo o atrito.

Jace cantarolava alguma música desconhecida por mim, uma extrema vontade de socar a cara dele e pedir que parecesse pelo menos entender a gravidade do que estava fazendo se alastrou em meu corpo.

-Que porra... –Foi só o que consegui murmurar.

-Quando eu disser você vai abrir a porta e pular, ok?

Não respondi, não podia, não conseguia. Banquei a tola e continuei a fitá-lo de onde estava, vendo somente uma faísca de sol que iluminava metade de seu rosto.

-CLARISSE! Isso não é brincadeira. Você entendeu o que eu disse? –Berrou sem virar para me olhar.

Respirei fundo. –Entendi.

-Ótimo. –Destravou os cintos e colocou uma das mãos na porta, já preparado para abrir, fiz o mesmo. Ele dirigia somente com uma mão, o carro fez uma curva violenta e desengonçada chegando perto do barranco que levaria ao rio que corria logo abaixo. –AGORA!

Em uma fração de segundo abri a porta do carro me jogando para fora, meu corpo em um contato brusco e dolorido com a superfície, a velocidade em que o carro estava fez com que mesmo no solo eu continuasse rolando no asfalto. Depois de um tempo estava imóvel jogada no chão como se um caminhão houvesse me atropelado. Imaginei que a dor fosse semelhante. Não me sentia consciente, muito menos inconsciente, somente cansada e confortada. Se acabasse ali pra mim estaria tudo bem. Senti paz e a sensação de que eu não poderia fazer mais nada, mudar mais nada.

Minha pele ardia, mas não incomodada, meus ossos doíam, mas eu não ligava, minha respiração havia se tornado quase inexistente, mas estava tudo bem.

-Carrega ela e leva pro carro.

-Sim senhor.

As vozes em minha mente poderiam ser comparadas a uma estação de rádio em um lugar com sinal ruim. Não faziam sentido. Fui agarrada e levantada por alguém de forma nada cuidadosa, deixei um gemido de dor escapar por meus lábios, nem sabia que poderia.

-Ela esta viva.

-É claro que ta, seu idiota. Agora vamos logo, acho que eu torci a porra do meu pulso.

Percebi que estava em movimento nos braços de alguém, entendia tudo que se passava ao meu redor, mas não conseguia acordar, me mover, era algo completamente perturbador, como se eu estivesse presa dentro de mim mesma. Sentia-me sufocada, não conseguia respirar. Meus pulmões queimavam. Dor.

-Acho que ela ta morrendo...

-Não, ela não pode morrer.