The price of evil...

Somehow we still carry on


Clarisse

Isabelle implorou para que saíssemos do sol antes que ela derretesse e acabamos indo até uma lanchonete ali perto. Eu estava inerte demais pra prestar atenção em qualquer coisa. Michelle estava viva. Passei tantos anos chorando por sua morte e lá estava ela. Era impossível de acreditar, muitas lacunas precisavam ser preenchidas. Ao chegarmos ao local de destino, olhei para Michelle mais uma vez, agora longe do sol impiedoso podia ver melhor seu rosto. Talvez ela tenha sido a única pessoa que não mentira pra mim em momento algum e isso me dava a sensação de ter em quem confiar agora que tudo estava acontecendo de novo.

- Ai minha nossa! Você esta viva! –ela passou os braços em volta de meu pescoço e me abraçou forte. Aquele típico abraço de quando você pensa que alguém morreu, acredita nisso por quatro anos e subitamente a pessoa aparece ali do seu lado.

- Parem antes que eu vomite, por favor. –Isabelle resmungou e por um momento eu esqueci as raivas infantis que eu sentia.

- Obrigada Isabelle, mas por que você resolveu bancar a irmã mais velha agora? –perguntei enquanto nos sentávamos à mesa mais próxima.

- Por que é isso que eu sou! –fez uma expressão teatral como se realmente estivesse ofendida. –Minha nossa, por que ninguém acredita que eu possa ser gentil? –lançou um olhar cínico e prossegui. – Ok, você sabe que eu to pouco me fodendo pra qualquer coisa que você faça da sua vida, mas vamos começar...

- Gente, espera um momento, alguém pode me explicar que caralhos ta acontecendo? –Michelle esbravejou gesticulando fervorosamente.

- Depois a nossa morta-viva te explica direito. Agora me deixa terminar, por favor. Então, como eu ia dizendo... Eu vim descobrir que a Clary tava viva recentemente, também foi difícil engolir. Puta que pariu, já era a segunda vez que eu pensava que nunca mais ia te ver na vida e você ressurge. Mas prosseguindo, Bree me ligou e...

- Você sabia dessa tal Bree? –perguntei eufórica. Pelo visto eu sempre era a última a saber.

- Da nossa tia Bree? Sabia sim - Isabelle deu de ombros e continuou a falar com indiferença - eu achei que estava persuadindo o Charlie a fazer tudo que eu queria, sabe? Mas depois que toda a merda já estava feita eu percebi que desde sempre ele era quem dava as cartas e isso me deixou puta.

- Você se refere ao sequestro da Michelle e de tudo que aconteceu no galpão?

Ela assentiu e fez com que Michelle explodisse.

- O que? Então foi você, sua puta! Eu não acredito! Como você teve coragem de fazer aquilo? Mas o que eu poderia esperar de você não é mesmo? O mais incrível é que mesmo assim você se mudou e continuou se jogando pra cima do Brian... Você é inacreditável...

- Acabou? Posso continuar? –Isabelle ergueu as sobrancelhas e cruzou os braços. Michelle bufou, mas não falou mais nada. –Da próxima vez que quiser falar, levante a mão. Prosseguindo. Eu organizei tudo, inclusive o sequestro e tudo mais. –Dirigiu-se à Michelle. – E não pretendo pedir desculpas, mesmo não sabendo exatamente por que caralhos eu fiz tudo aquilo. –Voltou-se para mim novamente- Acho que você entende o que é precisar de alguma forma quebrar algumas correntes, não é mesmo? No fundo eu só estava querendo um pouco dos holofotes ou sei lá, estava entediada. Conta pra Clarisse como e onde você acordou depois do sequestro.

Michelle hesitou, evidentemente ainda cuspindo fogo.

- Acordei na sua casa, Clary.

Franzi o cenho e tentei procurar algum sentido nisso.

- Michelle nunca esteve no galpão, mas você já sabe disso. Ela ficou na pousada que você passou a noite com o Charlie uma vez, lembra? Depois que tudo acabou, o detetive gostosão me procurou e pediu que eu dissesse onde ela estava. Eu o fiz, mas outra pessoa chegou à nossa frente. Bree. Aparentemente ela tinha dopado mais ainda a donzela indefesa pra que ela não acordasse. Não era a primeira vez que eu a via, mas nunca imaginei que pudesse ter algum parentesco com ela. Bree me chamou de sobrinha e pediu dinheiro. Muito dinheiro. Caso contrário, eu também ia pra cadeia por ter arquitetado tudo. Eu providenciei isso e Jace cuidou para que Michelle voltasse pra sua casa, mais uma vez saindo como o herói. Bree continuou a manter contato comigo, principalmente depois de ter tido uma filha e é lógico que não era porque ela queria reestabelecer a família. Aquela vagabunda me sugou mais dinheiro do que você possa imaginar. Quando você a procurou, ela me ligou. A maioria das coisas também são novas pra mim, Clary. A diferença é que eu não sou burra como você. E, viva, essa é a história.

- E qual é a moral da história?

- A moral da história é que você vai morrer. Clarisse Wooden Brown está morta e logo, logo sua nova você também vai ser encontrada morta com um bilhete suicida ao lado.

- Você acha que o Jace faria isso?

- Ele já ta fora do caso, mas sim, faria. Porém não é mais ele que decide.

- Por quê? Eu não sirvo mais pra nada, então...

- Sim, eu sei. A história do bilhete suicida e o assassinato foi só pra dramatizar um pouquinho. Talvez você não morra agora, mas sem dúvida nenhuma vai ser presa por um bom tempo e sei lá, não sei você, mas morrer me parece mais agradável.

-x-

Depois de todo o drama, Isabelle se despediu com um “nem é tão ruim assim te ver de novo, apesar de tudo você sempre dá uma animadinha no cotidiano”. Michelle passou a noite no hotel, conversamos basicamente sobre tudo o que acontecera nos últimos quatro anos. Contei sobre a faculdade e de como Jace não parecia ser tão crápula comigo. Ela, por sua vez, me falou sobre cada um dos rapazes, da banda e de todo o resto.

- Ele ainda ta com ela, né? –perguntei em voz baixa, com vergonha de me ouvir dizendo isso.

- Sim. –Mich me lançou um olhar triste.

- Eles estão bem... Sei lá, felizes?

- Nunca percebi nada que indicasse o contrário.

Essa era a história da minha vida, todos ao meu redor uma hora ou outra seguiam em frente, com ou sem mim, enquanto eu continuava presa em uma areia movediça traiçoeira que ora me fazia pensar que eu estava livre e depois me arrastava de novo para o mesmo lugar.

- A Val teve um bebê? -perguntei tentando forjar um entusiasmo. Ela me mostrou várias fotos do neném e começou com toda aquela conversa sobre como uma criança mudava tudo. Somente imaginei o quanto Matt estaria feliz àquela altura e por mais egoísta que isso possa parecer, senti inveja.

- Você acha que eles me perdoariam?

- Dentro do Johnny não tem espaço pra mágoa, sabe? –fez um sinal com o polegar e o indicador brincando com a altura de Johnny. –Ah, eles perdoariam sim. Sei lá. Você nunca fez nada contra nenhum deles...

- Tá brincando? Eu fui uma filha da puta, coloquei até mesmo a banda em risco.

-O problema é que você, querendo ou não, vive demais no passado. Isso foi há quatro anos, Clary! Ninguém dá mais importância a isso, se duvidar eles nem lembram o que comeram no almoço, quem dirá disso.

Me dei por vencida e disse que precisava dormir.

- Amanhã de manhã eu vou ligar pra Val e pedir que ela faça um almoço especial, que tal? Ta pronta pra dar de cara com o passado?

- Com certeza.

Por mais desastroso que isso venha a ser.

Jace

- E então? Como vão as coisas aí?

- Estou hospedado no mesmo hotel que ela, mas pelo visto ela ainda não percebeu. –dissera a voz do outro lado da linha.

- Hum e como foi o movimento por aí?

- Logo cedo aquele cara de quem você me falou, procurou por ela.

- Vernet?

- Esse mesmo. Ele tava acompanhado de uns dois outros caras e a levaram para um carro. Eu os segui e, por mais estranho que isso pareça, eles ficaram conversando por um bom tempo perto da praia. Depois ela voltou pra casa em um táxi e uma ruiva apareceu com uma loira a tiracolo. As três conversaram em uma lanchonete e somente a ruiva foi embora, a loira continuou no hotel.

- Tudo bem. Continue de olho. -desliguei.

Clarisse

Alguma coisa estava errada com meu horário biológico, na madrugada anterior não me lembro de ter dormido antes de três horas da manha, mas lá estava eu acordada às sete. Minhas tentativas de voltar a dormir foram inúteis. Meu corpo reclamava da falta de sono, minha cabeça latejava. Levantei vagarosamente da poltrona sem querer acordar Michelle, que ainda roncava espatifada na cama. Resolvi que precisava de um café, então da maneira mais silenciosa que pude, tomei um banho e desci.

Enquanto eu aguardava na lanchonete do hotel algo me ocorreu, no princípio parecia ser loucura, mas aos poucos a ideia foi se acentuado em minha mente. Eu estava sendo seguida. E lá estava meu querido carrasco, sentado em uma mesa oposta a minha, fingindo ler um jornal. Não sei quando exatamente eu ganhei um doutorado em burrice, mas peguei meu café e resolvi me juntar a ele.

- Oi - tentei parecer mais espontânea possível e impossível. Ele levantou os olhos do jornal e respondeu com um sorriso caloroso, mas eu podia ver a confusão em seus olhos. –Você é aquele cara do avião, né?

- E você é aquela resmungona.

- É, sou eu mesma. Que coincidência estarmos no mesmo hotel. Será que você pode me fazer um favor? Eu acabei esquecendo meu celular no quarto e preciso urgentemente fazer uma ligação. Me empresta o seu? Por favor.

Ele hesitou, mas talvez Jace tenha dito o quanto eu era estúpida e finalmente, isso conspirava ao meu favor. Peguei o celular e me afastei um pouco, pedindo licença. Verifiquei o último número para o qual ele ligara e apertei em chamar, no mesmo instante alguém atendeu.

- Alguma coisa nova? –sim, não restava dúvida nenhuma de que aquele cara trabalhava para Jace. –Alô?

- Oi Jace, saudades? –houve um silêncio perturbador do outro lado da linha. –Ah, não acredito que você já me esqueceu.

-Como estão as coisas por aí, meu amor? Já voltou com o rabinho entre as pernas para os seus caras famosos? –ele deu uma gargalhada e o sarcasmo na sua voz me enojou.

O que eu podia esperar? Era o Jace!

- O que Rachel Lee faz ou deixa de se fazer não e da sua conta. Ainda estou me perguntando por que você está fazendo isso, você nem ao menos cancelou o cartão pra acabar com a minha farra e um passarinho me contou que você já saiu desse caso. Pelo visto não sou só eu que tenho problema com o passado, não é Jace?

- Nos veremos em breve, Clarisse. Eu te ajudei, mas você não pôde fazer o mesmo por mim. O serviço não é grátis.

E agora? Eu deveria implorar para Jace que me deixasse em paz? Que me deixasse continuar sendo outra pessoa e enterrasse de uma vez por todas Clary Wooden Brown?

- Jace... Por favor.

- Já fiz favores demais pra você. Homicídio e falsidade ideológica, você vai ter bastante tempo pra se divertir.

- Quanto tempo eu tenho antes de você chegar aqui?

- Três dias, Clary. Preste bem atenção no que você vai fazer e só pra deixar bem claro, não faço isso por você, faço isso para aprenderem a nunca me tirarem de um caso.

- Obrigada, Jace. Mas você continua sendo um filho da puta desgraçado.

- E você uma vadia burra. Talvez seja de família, não é mesmo?

Nós dois rimos, eu sabia que apesar de tudo sentiria falta dele, mesmo isso sendo algo absurdamente irracional.

- Vai pro inferno, seu detetive de merda.

- Nos encontramos lá.

- Mais cedo ou mais tarde. Tchau Jace.

- Tchau Clarisse.

Ele desligou e eu percebi que minhas mãos estavam suando ao devolver o celular para o amigo de Jace.

- Ele mandou lembranças e acho bom você ligar mais tarde pra ele.

Sorri, o rapaz me fitava como se eu fosse louca.

- Quem? –perguntou tentando fazer pouco caso, ainda sustentando o disfarce.

- Ora quem! Jason, ou pelo menos acho que esse foi o nome que ele deu a você. Aliás, se serve de consolo, você não foi o único controlado pelo controle remoto dele.

Dei uma piscadela para ele e voltei para o meu quarto. Eu tinha umas coisas a resolver em menos de três dias. Eu sabia que Jace não viria, ele estava me dando a oportunidade de ir embora pra sempre e assim eu o faria, sumiria do mapa.

Aquela foi a última vez que falei com Jace, seja lá quem ele for.

-x-

Ao entrar no quarto, Michelle já estava acordada e falava ao telefone, quando me viu desligou abruptamente.

- Quem era?

- A nossa carona pra casa da Val. Eu vou tomar um banho rápido, tem alguma roupa pra me emprestar?

- Devo ter alguma camiseta por aí.

Lembrei que eu precisava fazer compras, mas Michelle era a última pessoa que precisava saber disso. Eu tinha um problema maior com o qual me preocupar. Dinheiro.

Mas afinal de contas, Jace não cancelara o cartão. Talvez essa seja seu último favor pra mim.

Alguns minutos depois Michelle estava pronta, com uma camiseta emprestada e o mesmo jeans.

- Quem vem buscar a gente? –perguntei.

- Brian - respondeu com descaso.

- Como é que é? Você pediu pro Gates vir até aqui? –ela assentiu como se aquilo não fosse nada de tão absurdo - Ah, claro, por que não? Aliás, é aquele tipo de pessoa que nunca perde a cabeça, não é mesmo? Tão calmo...

- Ei, é do meu marido que estamos falando, ok?

- Tudo bem, foi mal, só que... Deixa pra lá, já ta na hora, não é?

- Você vai se sair bem. Eles continuam sendo eles.

O telefone de Michelle tocou. Gates estava a nossa espera.

-x-

Se eu tinha achado a reação de Michelle deveras exagerada ao me reconhecer, não sei como descrever a expressão dele quando reconheceu meus traços.

Eu não havia feito uma plástica ou coisa assim, apenas mudei o cabelo e forjava a cor dos olhos, qualquer um que soubesse quem eu era, me reconheceria depois de uns dez minutos. Gates levou vinte pra chegar a essa conclusão.

Primeiro Michelle me apresentou como Rachel Lee, ele me olhou de soslaio e se limitou a dar um sorriso fraco, talvez estivesse pensando que porra sua mulher estava fazendo com outra em um hotel. Mich, respondera que eu era uma velha amiga que tinha chegado de viagem e ele não fez objeção, entramos no carro rumo à casa de Valary onde estavam todos os outros.

Foi só quando estávamos saindo do carro e ele resolveu tirar uma brincadeira comigo que fixou seus olhos em mim e notou algo. Eu sorri.

- Oi Gates.

- Michelle, ela não se parece um pouco com a...

- Ah pelo o amor de Deus, sou eu! –falei rindo, era tão estranho vê-lo tão de perto mais uma vez.

- Você ta viva.

- E você ta gordo.

Nesse instante já estávamos fora do carro discutindo.

- Provavelmente você quer saber por que...

- Não, não quero. Pelo menos não enquanto estiver sóbrio. –rimos.

- Vai um abraço? –estiquei meus braços e o abracei torcendo o nariz - Você ainda fede à bebida.

Não precisamos bater na porta, Gates foi logo enfiando a mão na maçaneta e de repente me vi no meio de todos eles mais uma vez. Johnny estava esparramado no sofá ao lado de Matt, eles conversavam fervorosamente sobre coisas que eu não consegui discernir, no outro sofá estava um rapaz franzino de cabelos escuros que lhe pendiam na testa, como eu não o reconhecia, imaginei que fosse o novo baterista, mas ele não parecia do tipo que era mais pesado que a baqueta.

Um pouco mais além enxerguei a silhueta de Val carregando algo, um bebê, ela estava ao lado de outra mulher, que Michelle apontou dizendo que era Lacey, esposa do Johnny. Sentada à mesa da cozinha conversando com Val e Lacey estava uma loira de cabelos curtos, de perfil ela parecia ter um rosto muito bonito. Eu já sabia de quem se tratava. Gates não demorou a se juntar aos outros e em seguida outra pessoa apareceu para se unir aos eles na conversa, aparentemente tão interessante.

- Até que enfim, cara. Espero que você não tenha quebrado minha privada. –disse Matt para Zacky.

Não sei quanto tempo eu fiquei presa no meu estado de torpor, Michelle permaneceu ao meu lado, até que Gates abriu a boca.

- Ei gente - ninguém pareceu dar muita atenção. –cala a boca seus viados! Vocês nem adivinham quem veio fazer uma visitinha. Esse pitoco de gente - Saiu andando até minha direção e me segurando pelos ombros.

Todos sorriram amistosamente naquele momento em que você tem que ser educado e fingir que conhece tal pessoa enquanto tenta se lembrar de onde caralhos você já a viu.

- Então você é a...

- Rachel.

- Clarisse.

Michelle abafou uma risada, eu e Gates acabamos falando ao mesmo tempo o que fez com que todos se entreolhassem sem entender nada.

- O Brian –pigarreei – nunca aprende de forma correta o nome das pessoas.

- Ah cala a boca, não vem jogar a culpa pra mim. Essa aqui é a Clarisse, aquela doida varrida de antigamente.

Por um instante todos pararam. Val, Lacey e a outra que estivera sentada na cadeira vieram até a sala ver o que estava acontecendo. Eu me limitei a prestar atenção na criança. Quantos anos o menininho deveria ter? Dois ou três? Talvez nem tanto assim.

- Oi Val –sorri –ele é realmente lindo. Fico muito feliz por você, grandalhão. –falei olhando para Matt.

Tentei voltar no tempo mentalmente e lembrar o que eu fazia, o que falava para que tudo fluísse normalmente e nós começássemos a conversar e falar besteira. Já estava começando a ficar desesperada quando Matt se aproximou com aquele sorriso de sempre. Era incrível como ele conseguia estar ainda mais bonito e agora seu cabelo estava maior o que o deixava com um ar bobo se misturado ao sorriso.

É mais do que óbvio que o abraço foi bem vindo e retribuído com a mesma intensidade.

- Parabéns, papai.

- Obrigado. Quer beber alguma coisa?

Assenti e dei um passo à frente, me sentindo mais confiante.

- Johnny! Ai meu deus, como você cresceu. Não, mentira.

- Por que você ter forjado sua morte não me surpreende nadinha, heim?

Não esperei que ele erguesse os braços para me abraçar, simplesmente pulei em seu pescoço. Depois disso me inclinei para Zacky que só então levantou e retribuiu meu abraço, assim como todos os outros.

Foi algo tão espontâneo e natural que imediatamente anulou todas as esperanças que eu quase tinha. Zacky há um bom tempo superou tudo que eu significava e isso era bem óbvio. Mas pra falar a verdade, eu não sei como eu me sentia em relação a isso.

Segui até Valary e mexi com a criança que não achou nada de excepcional em mim.

- A filha pródiga ao lar retorna? –sorriu e passou o braço livre pelo meu pescoço.

- Eu jurava que já tinha falado com você no hotel - franzi o cenho apontando o queixo para Michelle. –Ok, não teve graça, né?

- Nem um pouco.

Sorri e cumprimentei as outras duas. Lacey e Gena. A última, aliás, era do tipo que causava problemas na autoestima de qualquer uma e a minha não estava imune a isso. Ah, não que o Zacky tenha sido meu namorado ou coisa do tipo, mas você nunca quer ver seu ex com alguém melhor que você. Eu acho, sei lá.

E depois de todas as apresentações e os abraços lá estávamos todos nós mais uma vez. Às vezes eu e o magricelo, que se apresentou como Arin, segurávamos vela e tínhamos que ficar responsáveis pelo Owen, mas na realidade foi uma das tardes mais agradáveis que eu já passara ao lado deles. Sem toda aquela coisa que eu fantasiei de “o que você ta fazendo aqui, sua mentirosa do caralho?”. Na verdade foi tudo tão simples que eu senti vontade de arrancar meus cabelos por ter complicado tudo em minha mente nos anos anteriores. Até a minha identidade falsa foi questionada como se cada um deles também tivesse uma de reserva. Meu espanto com isso foi evidente.

- Ah, qual é, olha a nossa cara de mocinhos que nunca arranjaram um jeito de burlar a lei. –Johnny disse.

Foi tudo extremamente normal até que a inevitável pergunta surgiu vinda de Valary.

- E aí, você pretende ficar?

- Na verdade não. - respondi olhando para Michelle – desculpa não ter contado, mas eu preciso ir embora no máximo até depois de amanhã.

- Ah, então você pode passar a noite aqui. –Val sugeriu.

- Eu não quero incomodar...

- Deixa de bobagem, eu realmente tava precisando de uma babá essa noite.

- Entendi agora que a preocupação não é com meu bem-estar. - nós rimos e por fim eu concordei em passar a noite ali ajudando a cuidar do Matt júnior. –Então quem vai comigo até o hotel buscar minhas coisas?

- Eu já fui buscar, agora é a vez de outra pessoa. –Gates disse logo de cara.

Subitamente Johnny fingiu estar muito ocupado vigiando Owen, que a propósito estava nos braços de Matt.

- Tudo bem, eu vou.

Meu coração quase deu um salto ornamental pela sala. Zacky realmente se oferecera a me dar uma carona até o hotel ou eu estava esquizofrênica? Ao ver que somente eu tinha achado aquela situação constrangedora, percebi que era tudo coisa da minha cabeça.

-x-

E lá estava eu sentada no banco do carona do carro de Zacky, olhando para tudo menos para ele.

- Você ta bem? –me sobressaltei com sua voz.

- To bem sim... To legal. Por quê? –tropecei nas palavras e ele deu de ombros – e você ta bem?

- Muito bem.

Naquela hora eu desejei mais do que tudo ter o sangue frio e a cara de pau de Isabelle, agir como se aquilo não me afetasse, dar uma cotovelada nas suas costelas e falar “e aí, garotão, se deu bem heim”. Mas eu não era Isabelle. Mas bom, poderia tentar.

- Ela é muito bonita, pelo visto você se deu bem. –Fiz o melhor que pude para olhar em sua direção e sorrir. Ele por sua vez deu uma gargalhada.

- Você é estranha e sim, a Gena é incrível e muito bonita.

Puxa Zacky, que bacana! Por que você não fala logo “ah sim, ela é muito melhor que você”.

- Ela é bem simpática também.

- Obrigado por lembrar, mas eu me casei com ela, eu sei de tudo isso. –Apesar de ter sido uma resposta ríspida, não tinha sido dada com um tom grosseiro.

- Claro que sim.

Enfim quando chegamos ao hotel, ele perguntou se eu queria ajuda, mas eu mal tinha trazido uma mala, então respondi que não era necessário. Subi e recolhi minhas coisas, conversei com um atendente, passei o cartão de Jace e voltei para o carro. Zacky estava esperando sentando em no mesmo banco em que eu me sentara para esperar Vernet. Ele me ajudou a colocar as coisas no carro, apesar de não ser preciso e me chamou para sentar ao seu lado.

Ao dar de cara com tudo que eu havia perdido, senti um nó se formando em minha garganta. Lá estava ele, tranquilo e acolhedor, como sempre. Lembrei-me da nossa amizade que costumava me salvar naqueles dias no ônibus com a banda. Lembrei-me de tudo que ele fez por mim e isso não ajudou em nada. Seria tudo muito mais fácil se ele me chamasse de vadia sem escrúpulos e xingasse até minha última geração, eu me sentiria melhor, mas muito pelo contrário lá estava ele pacientemente esperando que eu me sentasse ao seu lado. Assim eu o fiz. Eu estava com medo de falar algo e minha voz vacilar, esperei que ele tomasse a palavra.

- Clarisse, quando tudo aconteceu e de repente você estava inacessível –pigarreou – ao contrário do que você deve imaginar, não foi tão fácil assim pra mim. Você tinha morrido e eu sentia remorso pelas coisas que eu tinha dito e feito.

Eu queria poder dizer que ele estava errado, que não deveria ter se sentido daquela forma. Eu era a única que não agira de forma correta, mas sabia que se falasse alguma coisa ia começar a chorar e uma ceninha melodramática era a última coisa que precisávamos.

- Até agora eu ainda não me sinto convencido de que você esteja aqui –ele deu um sorriso fraco, não olhava para mim e eu também não olhava para ele, encarávamos o vazio a nossa frente, qualquer coisa que passasse era digna de atenção –mas, quando eu descobri que você tinha sofrido um acidente e não havia sido encontrada... Sei lá, essas coisas pesam na consciência. Eu queria poder te ver mais uma vez e conversar...

- Mas não é a mesma coisa agora que você sabe que eu estou viva.

De todas as coisas que eu podia falar, por que caralho eu escolhera essa?

- Não, não é a mesma coisa. –ele respirou fundo – Estou feliz com a Gena e você é a pessoa mais instável que eu conheço...

- Eu sei disso Zacky, mas queria que entendesse que o fato de eu estar de volta, não significa que eu queira mudar qualquer coisa quanto a isso.

- Então é isso, Clarisse. Por acaso você ao menos sabe pra onde vai dessa vez? –só então ele olhou para mim e eu me obriguei a fazer o mesmo.

- Mesmo que soubesse não contaria a ninguém. Pelo visto, você vai ter que esperar pra saber.

-x-

Naquela noite eu pedi o notebook de Val emprestado e comecei a procurar passagens por um bom preço para qualquer lugar não tão longe assim enquanto ficava de babá para Owen, eu estava decidida a não ir embora para sempre, quem sabe um dia quando Ross estivesse pensando que eu estava morta, eu pudesse voltar. Talvez eu só precisasse de uns cinco anos longe dali agora que nem Vernet nem Jace eram os meus problemas. Mas por outro lado, por que eu voltaria? Ainda mais se conseguisse me estabilizar profissionalmente em outra cidade. Embora relutante, eu sabia que essa resposta era mais do que óbvia.

Eu voltaria por que o Avenged Sevenfold não havia sido somente parte de umas férias. Eu voltaria por que eu adorava aquele lugar, adorava aquelas pessoas.

Owen brincava com o meu cabelo e depois do problema da passagem resolvido, comecei a fixar toda a minha atenção nele até que Matt e Val voltassem. A viagem estava marcada para a manha seguinte já que quando não se tem um destino certo, pode ser muito fácil encontrar uma viagem com intervalo de tempo menor.

-x-

Sempre odiei despedidas, nunca soube como encará-las. No entanto, ali estava eu abraçando Val e agradecendo pela estadia, beijei a testa de Owen e exigi ficar a par dos acontecimentos com ele. Dei um abraço demorado em Matt e nós conversamos um pouco, ele ofereceu ajuda para qualquer coisa, mas eu recusei.

Brian e Michelle iriam passar para me buscar e me dar uma carona até o aeroporto. Ao ouvir a buzina saí da casa de Matt, mas dessa vez deixando o número do meu celular, além de uma promessa de que eu voltaria antes que Owen estivesse grande demais. Talvez para eles aquilo fosse estupidamente normal já que eles não sabiam ao certo por que eu tinha que ir embora.

Entrei no carro e seguimos para o aeroporto. Johnny e Zacky prometeram nos encontrar lá e ao contrário do que eu esperava, eles realmente foram. Mandei lembranças para Lacey e Gena e abracei os dois por um tempo absurdamente longo, mas que não houvera sido o suficiente para mim.

Antes mesmo de chegar ao aeroporto eu já podia sentir aquele enjôo no estômago, na hora das despedidas eu já estava fungando igual um porco de tanto chorar.

- Como você é mulherzinha. –Gates me deu uma cotovelada na costela.

- Tchau pra você também, seu palerma. –O abracei.

- Não vejo por que chorar já que dessa vez você não vai morrer.

- Quem garante?

- Eu. –respondeu com a maior convicção, como se fosse o dono do mundo.

- Ah claro e o Sr. Haner com certeza deve ter tudo que quer.

Despedir-me de Michelle não foi mais fácil, nós duas choramos e os outros não paravam de reclamar de tanto chororô e tantas promessas de ligar toda semana. Faltando menos de meia hora pro meu vôo, disse que já precisava ir e eles seguiram de volta pra casa. Eu observei os três carros partirem com o nó na garganta ainda mais forte. Eu queria ficar.

Foi então que eu a vi.

Não sei há quanto tempo ela estava parada ali observando, mas quando percebeu que eu finalmente a notara, Isabelle caminhou em minha direção com todo seu esplendor como se fosse superior a todos.

- Oi irmãzinha. Não acredito que você ia embora sem se despedir. –balançou a cabeça em sinal de reprovação.

- Como você soube... –me interrompi ao perceber que era mais do que óbvio e nós duas falamos em uníssono: Jace!

– Não esqueça que ainda está com o cartão dele. Mas enfim, eu só vim aqui pra me despedir, desejar boa viagem e dizer todas aquelas coisas de “espero que dê tudo certo” e blá-blá-blá. –a cara de entediada sumiu rapidamente e ela deu o sorriso mais espontâneo do mundo enquanto erguia os braços me abraçando como se fossemos velhas amigas- tchau irmãzinha.

- Sabe... Um dia eu quero ter sua cara de pau.

- Eu sei que você morre de inveja de mim. O papo ta muito legal, mas você tem um vôo agora e por fim eu queria dizer que espero estar aqui quando você voltar.

- Para sermos irmãs de verdade?

- Claro que não!

Caímos na gargalhada e depois cada uma seguiu seu rumo para lados opostos, como sempre fora desde que éramos pequenas. Ela foi a escolhida para ter uma família e eu somente uma avó que omitira a verdade durante muito tempo.

Mas talvez nada disso me importasse mais, aquilo tudo fazia parte de um passado que nunca tornaria a ser um futuro. Agora eu podia enterrar meus mortos e seguir em frente.