The price of evil...

So don't worry, I'll be fine...


When my life ends, I'll leave this scar.

As lágrimas agora contornavam a maçã de meu rosto e algo em meu peito doía. Um turbilhão de pensamentos e emoções passou por mim em uma fração de segundo, não atentei para o fato de não estar mais sozinha no quarto. Abracei meu próprio corpo impedindo que ele se partisse ao meio, pois era exatamente assim que me sentia... Como se fosse quebrar em minúsculos cacos de vidro a qualquer momento.

-OH MEU DEUS! –A voz feminina cortou meu pranto, ainda com a visão turva, consegui enxergar uma silhueta movendo-se calma e graciosamente pelo ambiente. –O que você fez?

-Isabelle... –Disse em meio a soluços, minha voz se tornou quase inaudível.

-VOCÊ O MATOU! –Apesar de estar berrando, não encontrei nada naquele tom de voz que transparecesse tristeza ou pesar.

-Eu juro que... Eu... Isabelle, eu não sei o que... –Levantei o queixo para conseguir enxergar seu rosto, estava quase à minha frente, os olhos fixos nos meus, os lábios formando uma linha fina e singela em seu rosto, as machinhas marrons na pele lhe davam um aspecto angelical, os olhos marcados com uma maquiagem bem feita me fuzilavam de um jeito diferente. Senti meu estômago revirar. –Não sei o que aconteceu, Isabelle, por favor...

Naquele momento talvez eu não estivesse em meu juízo perfeito, porém precisava que ela me entendesse, que dissesse que a culpa não havia sido minha... Enxuguei o rosto com a costa da mão e continuei fitando a ruiva enquanto tentava controlar os soluços repentinos. Procurei por algo em Isabelle que lembrasse a nossa mãe e só então percebi que tudo nela gritava suas semelhanças. O olhar de desdém, sempre arquitetando os passos das pessoas a sua volta, os lábios finos que formavam um sorriso quase inexistente em seu rosto, como se zombasse de algo de uma forma que ninguém nem ao menos perceberia. Dissimulada. Mas algo a mais chamou minha atenção. Eu. Por um instante pude enxergar eu mesma em Isabelle, claro que nossas diferenças físicas eram evidentes, mas tudo se encaixava como se fôssemos uma peça repetida de um quebra-cabeça. O sangue que corria em nossas veias de repente tornou-se uma evidência.

-Isabelle... –Minha voz saiu totalmente suplicante e notei que Isabelle tinha um ar tão sereno, aquilo fez com que um lampejo passasse por minha mente. Ah minha nossa! Sim, fazia sentido! Senti meus olhos saltarem, enquanto ela esboçava um meio sorriso. –VOCÊ! VOCÊ! MEU DEUS! VOCÊ! –Berrava descontroladamente e subitamente a moça à minha frente caminhou vacilante até a cama em que Sr. Mack estava ajoelhando-se ao lado da mesma. Chorava e gritava, parecia desconsolada, não entendi o que se passava até ouvir a porta sendo fechada bruscamente atrás de mim. A dor em meu peito aumentou.

Simon estava lá. Completamente imóvel, o rosto vazio e os olhos presos ao pai, o qual parecia apenas dormir. Seus cabelos castanhos estavam agora mais compridos do que eu me recordava, os olhos de um azul claro em contraste com as olheiras que os cercavam, vestia uma camisa preta larga, jeans e tênis esporte. Reprimi a vontade de abraçá-lo e chorar em seu ombro como já havia feito tantas vezes um tempo atrás. Uma sensação horrível tomou conta de mim, não saberia descrevê-la, mas senti-me arrependida. Não queria tê-lo deixado, não queria partir. Talvez ter aceitado a proposta dos meninos não houvera sido a melhor escolha. Sempre senti afeto e uma admiração gigantesca por Simon e nunca pensei em como ele poderia estar enquanto estive longe. Talvez só precisasse de um pouco mais de tempo pra me apaixonar por ele. Eu errei todos os meus passos, todos! Os prantos de Isabelle estavam distantes demais, minha mente vagava nos olhos do rapaz postado em frente à porta como uma estátua de mármore.

-Simon... Simon, eu... –Meus soluços não permitiram que eu continuasse falando, meus olhos umedeceram. Ele deu um passo lento para frente acentuando a diferença de nossa estatura, só então nossos olhares se cruzaram, uma lágrima solitária percorreu seu rosto chegando até seu queixo e manchando sua blusa logo em seguida.

-Vá embora. –Seu tom era rígido, calmo e não deixava espaço para que eu contestasse, mas mesmo assim o fiz.

-Simon, por favor... –Joguei meu corpo para frente quase o tocando e ele se esquivou como se estivesse enojado.

-SOME DAQUI AGORA CLARISSE. –Berrou e mais lágrimas tomaram conta de seu rosto apesar de ainda parecer calmo. Me virei para trás vendo que Isabelle ainda mantinha sua ceninha desesperada ao lado do homem que dormia serena e profundamente.

Caminhei até a porta tentando não tropeçar em meus próprios pés, na sala recolhi algumas coisas minhas que havia deixado jogadas por lá durante a tarde e saí da casa. O sol estava se pondo deixando as ruas com um tom alaranjado, várias pessoas voltavam do trabalho apressadas, a cidade se preparava para descansar. O mundo continuava o mesmo e ironicamente esfregava isso na minha cara. Atravessei a rua e sentei-me na elevação de cimento em frente à confeitaria.

Quem é você garota? Vamos, diga! Qual é o seu nome?

A voz rouca de Sr. Mack era nítida em minha mente, como se ele estivesse agora mesmo pronunciando aquelas palavras com seu sotaque estranhamente estrangeiro.

-Desculpe, mas por acaso isso é da sua conta? –Falei sozinha não podendo evitar sorrir.

Não, mas passa a ser quando uma jovem malcriada com a aparência de um zumbi fica jogada na frente do meu estabelecimento espantando os fregueses. Ainda por cima com uma roupa de hospital!

Abracei minhas pernas e chorei sem me importar com as pessoas que circulavam por ali, algumas até me ofereceram ajuda, mas ignorei. Ninguém poderia me ajudar. Ninguém poderia me salvar de mim mesma. Não sei quanto tempo se passou até que criei forças e fui caminhando em direção a minha casa. Tombei em algumas das tantas pessoas que andavam na direção contrária a minha, fui xingada por motoristas por atravessar a rua na hora errada, parecia vagar sem rumo, mas só queria chegar em casa e quando isso aconteceu, encontrei um ambiente escuro e vazio. Perguntei-me onde estariam os meninos, mas provavelmente haviam se cansado de ficar trancados aqui. Não liguei as luzes, apenas me joguei no sofá e deitei em posição fetal abraçando o próprio corpo, me sentindo um lixo, afundei a cabeça na almofada e comecei a chorar.

-Clarisse? –Aquela voz me pegou de surpresa, meu coração acelerou por impulso, mas logo depois meus batimentos voltaram ao normal. Zacky estava ali.

Não queria que ele me visse naquele estado, porém fiquei imensamente feliz em saber que ele estava ali. Enxuguei as lágrimas rapidamente e normalizei a respiração.

-Oi Zacky, o que faz aqui? –Falei ao sentar-me. –Cadê os outros?

-Foram comer uma pizza, sei lá. –Deu de ombros, o enxergava somente como uma sombra dançante vindo em minha direção e sentando ao meu lado.

-Por que você não foi com eles?

-Não estava disposto e resolvi que iria esperar você chegar em casa.

-Me... Esperar?

-É. Algum problema? Você quer ficar sozinha?

-Não, não! –Respondi de imediato. –Quero que fique aqui comigo.

-Sendo assim... –Virei o rosto para poder olhá-lo, sorrimos um para o outro, mas ele ainda me parecia diferente, sempre mantendo uma distância segura de mim. –Aconteceu alguma coisa?

-Não. Ta tudo bem. –Obriguei minhas palavras a serem convincentes, mas não sei se foi o que realmente aconteceu. –Eu sinto sua falta, Zacky. –Disse depois de um tempo.

-Eu também Liss. Ou, Clarisse. –Riu enquanto se aproximava de mim. Ele passou um braço pela minha cintura e me aconcheguei em seu peito enquanto seu perfume invadia minhas narinas. –Clarisse... –Disse com a voz grave afastando-se de mim.

-Sim?

-Eu realmente não to muito a fim de continuar com essa coisa toda, eu gosto de você e eu tenho certeza que você gosta de mim também.

-Nossa, e eu achava que o único com o ego inflamado era o Gates. –Rimos.

-Nós não somos mais adolescentes, então...

-Zacky –o interrompi –eu não posso te prender a mim. Não sei se você entendeu, mas eu vou ser julgada e condenada daqui um mês. Não tem mais volta pra mim. Acabou! E eu não posso te acorrentar a um erro meu. Você precisa ir embora daqui alguns dias com os meninos... Enquanto eu permaneço aqui. –Ele não respondeu nada, apenas continuou me fitando com uma expressão indecifrável. –Não queria que fosse assim, muito pelo contrário, Zacky, eu mais que tudo queria você. Quero você! Mas isso não muda nada.

Ficamos em silêncio, as palavras ditas por mim vagaram entre nós dois por um tempo.

-Tudo bem. –Foram suas duas últimas palavras.

Tudo bem? Era só isso que ele tinha pra dizer? Senti-me irritada no instante que um alarme de celular começou a tocar preenchendo o ambiente. Zacky pegou o aparelho em seu bolso e eu pude ler na tela o nome “Gena”. Ele me olhou, um pouco desconcertado.

-Atenda. –Meu tom de voz saiu mais autoritário do que o esperado. Ele levantou-se e foi até o quarto para atender a ligação.

Eu estava sozinha novamente, suspirei. Não queria pensar, não queria sentir nada... Meu sangue fervia ao mesmo tempo em que me sentia esgotada. Eram emoções totalmente inversas mescladas em uma só pessoa, em um só momento. Apertei bem os olhos e massageei a fronte. Isso já foi longe demais. Em um momento de raiva, ainda na casa de Sr. Mack, uma ideia vagou por minha mente ao ver a expressão de Isabelle, tentei raciocinar, minha reação foi algo totalmente estúpido, não havia nada que indicasse que minha irmã poderia ter um dedo metido nessa história, mas eu sabia que tinha, eu a conhecia. Dei os medicamentos corretos na hora exata, fiz tudo como Simon havia indicado e...

Respirei fundo, iria esperar até o resultado da autópsia que provavelmente seria feita e tentar interligar os fatos, obviamente até lá Simon não iria querer ao menos olhar na minha cara. Talvez fosse melhor. Ah, o que eu estou falando? Ele seria minha última esperança, daqui uns dias os rapazes e Michelle voltariam para suas vidas e o que restaria pra mim?

Mais uma vez eu sendo consumida pelo meu imenso egoísmo querendo que Simon ficasse preso a mim enquanto eu pagava pelos crimes que havia cometido.

A campainha tocou e eu agradeci mentalmente, não aguentava mais aquelas discussões internas. Levantei-me em um pulo e abri a porta.

-Jace! –O rapaz loiro tinha as duas mãos nos bolsos da calça jeans, vestia uma camisa pólo e pela primeira vez estava parecendo uma pessoa normal e não um daqueles detetives gostosos de seriados. –Ah minha nossa, acho que nunca fiquei tão feliz em te ver! –Falei ao pular em seu pescoço envolvendo-o em um abraço apertado. Depois de cinco segundos voltei ao meu juízo perfeito e o larguei imediatamente.

-Credo, você se comporta como uma adolescente que abraça todo mundo. –Franziu o cenho e sorriu. Não espera, ele sorriu! Pela primeira vez enquanto falava com ele senti que estava na presença de um amigo. –Eu fiquei sabendo... –Desfez o sorriso.

-Como?

-Não importa. –Deu de ombros.

-E por que veio?

-Você sabe por que. -Sim, eu sabia. –E então? Já não acha que causou problemas demais?

-Jace, eu não fiz nada, eu juro... –Pousei as mãos sobre seu tórax batendo no mesmo como que para descontar a raiva.

-Eu sei Clarisse, mas enquanto você continuar aqui nada disso vai acabar. Pensa bem, isso ta indo cada vez mais longe, mais gente se envolvendo, daqui a pouco pode ser um dos seus amigos... -Sacudi a cabeça espantando a ideia de que algo poderia acontecer a Michelle ou aos rapazes por minha causa. Mais do que tudo queria eles longe, só assim me sentiria mais tranqüila. –E então?

-Eu vou Jace. Eu vou pra qualquer lugar longe daqui, você nem precisa me explicar por que esta fazendo isso, eu não me importo. –Respirei fundo.

-Vai pra onde Clarisse? –Meu coração acelerou, talvez fosse capaz de ouvi-lo pulsando do outro lado da rua. A voz de Zacky me pegou totalmente desprevenida pela segunda vez ao dia, havia esquecido que ele ainda estava ali.

**

Há alguns minutos tinha recebido uma ligação que me deixara aflita, precisei correr pra casa e deixar os meninos sozinhos na pizzaria. Simon ligara para avisar que Clarisse havia matado seu pai, o rapaz estava desconsolado, quase não conseguia falar devido os soluços. Obviamente deve ter sido acidental, Clary anda tão estressada ultimamente, não fez de propósito, eu tenho certeza, mas o histórico dela não era algo muito bom. Resolvi que iria para casa de Simon ajudá-lo, porém o mesmo pediu que eu procurasse por Clarisse já que ele a expulsara de sua casa.

A imaginei sozinha depois de tudo que havia acontecido e conhecendo bem minha amiga como conheço posso ter a certeza que não é coisa boa que vem por aí. A noite fria e escura era cortada pelo som das minhas passadas, enquanto andava, uma luz forte de faróis se aproximando me cegou, protegi o rosto com a mão e esperei o carro passar, porém algo não saiu como o esperado. O veículo não parou, muito longe disso, ele freou bruscamente bem perto de onde eu estava, o barulho dos pneus invadindo o silêncio.

**

-E então? Vai pra onde? –Perguntou hesitante.

-Pra lugar nenhum, não que isso seja da sua conta. –Falei ríspida.

Zacky semicerrou os olhos e balançou a cabeça singelamente em sinal de reprovação.

-Certo. –Disse ao sair da sala.

Voltei minha atenção para o rapaz do lado de fora da casa.

-Jace. –Suspirei, estava esgotada.

-Não precisa pedir, já estou de saída. Até daqui três semanas.

-Mas daqui três semanas será o julgamento! –De repente toda a esperança que ainda se encontrava em meu corpo esvaiu-se. Jace também não poderia me ajudar.

-Clary - segurou meu queixo para que olhasse diretamente para aquele par de olhos azuis que me fitavam - confie em mim e tente não estragar tudo até lá. São apenas três semanas, acha que consegue fazer com que ninguém morra nesse meio tempo?

Era um tanto difícil lidar com o humor negro de Jace, nunca conseguia entender quando ele brincava ou falava sério, apenas assenti e fechei a porta antes mesmo que ele começasse a andar na direção contrária. Caminhei novamente até o sofá, sentei-me e tentei de todas as formas possíveis esvaziar minha mente, mas não consegui.

Nunca acreditei na condolência das pessoas, ou que alguém pudesse me ajudar sem ter em vista a intenção de pedir algo em troca. Poderia esclarecer agora mesmo qual seria a recompensa de Jace com tudo isso, mas preferi me dar o benefício da dúvida, aliás, nada me assustava tanto quanto passar a vida na cadeia.

Ouvi um barulho vindo de um dos cômodos da casa. Zacky. Levantei e fui a passadas curtas e silenciosas até o quarto de hóspedes onde estavam jogadas as coisas dos meninos.

Parei frente à porta entreaberta, uma fenda retangular com a luz vinda de dentro do quarto fez com que eu enxergasse uma silhueta movendo-se apressadamente lá dentro. Percebi que ele falava ao telefone.

-Valary? Oi Val, escuta, eu preciso de um favor - fez se uma pausa - pode arranjar uma passagem de volta pra casa pra mim? Ué, até onde eu sei os cientistas já criaram algo chamado internet –ouvi um riso fraco- pra essa madrugada, já to indo pro aeroporto, me liga quando conseguir... Beleza, tchau.

No instante em que ele desligou nossos olhares se cruzaram pela pequena abertura da porta, tentei desviar meus olhos dos dele, porém era algo que exigia forças que eu não tinha naquele momento. Zacky caminhou na direção da porta.

-Sua mãe nunca te ensinou que é muito feio ficar ouvindo a conversa alheia ou ela não teve tempo já que você provavelmente a matou antes? –Seu tom não era nada amigável, eu nem ao menos sabia como responder. Não o culpava pela rispidez, na verdade, talvez fosse melhor que as coisas seguissem por aquele rumo.

Respirei fundo e ao invés de me fazer de coitadinha magoada, respondi no mesmo tom.

-Ajuda pra arrumar as malas? –Arqueei a sobrancelha e sorri cínica.

-Não, obrigado, elas já estão prontas.

-Ainda falta algo. –Tirei a camisa que vestia e o entreguei sem me sentir desconfortável. Dei as costas para ele e procurei por qualquer pedaço de tecido naquela casa que me servisse de blusa. Na cozinha, encontrei uma regata branca, que provavelmente já havia sido usada, jogada em uma das cadeiras. A peça tinha um cheiro forte de bebida.

-Gates... –Bufei.

Ouvi a porta sendo aberta, mas sem muito alarde. Zacky estava saindo.

-Vengeance. –Gritei abafando o nó na garganta. Ele parou e apoiou a única mala que carregava no chão.

-Sem querer ser grosso, mas eu realmente tenho que ir.

Lógico que estava mentindo, as passagens nem ao menos havia sido compradas.

-Não vou gastar muito o seu tempo, só queria pedir um favor... –Percebi que acabaria chorando se dissesse mais alguma coisa, então encurtei o que queria falar. –Mande lembranças para...

-Gena –ajudou-me a completar a frase - e pode deixar, não vou esquecer. Adeus - Fechou a porta atrás de si.

Tentei permanecer com a mesma expressão serena, mas no mesmo segundo em que ele sumiu de minha vista, comecei a chorar como uma criança sem sua mãe no shopping.

Então era isso? Tudo estava acabando? Eu nunca mais o veria?

Michelle, cadê ela quando preciso?

Com a visão turva fui até o telefone residencial e disquei seu número, porém caiu direto na caixa postal. Abracei meu próprio corpo e deitei no sofá, as lágrimas cessaram na mesma rapidez que apareceram. Não me sentia com forças pra chorar ou me lamentar por algo, certas coisas eram necessárias e eu não podia me dar o luxo de ter um coração partido. Em pouco tempo dormi.