The mine word: Fire Gates.

Capítulo 31: Passeio no inverno.


O ar frio da manhã enchia meus pulmões e a fina neve caia sobre meus cabelos. Skel me emprestou um de seus casacos de pele de lobo, que, obviamente, é bem quente e elegante. O álcool ainda fazia efeito na minha mente e me deixava mais relaxado que o normal, só assim pra aguentar aquele frio.

Tudo estava movimentado naquela manhã. As pessoas iam de um lado ao outro, levando e trazendo coisas. Sentei-me em um dos degraus da entrada principal e fiquei observando a cena. Dois mercadores discutiam sobre quem tinha os melhores produtos, as mulheres mais velhas riam enquanto estendiam as roupas no varal, que por algum motivo não congelavam ao vento, as damas mais requentadas podiam ser vistas com suas quentes vestimentas enquanto andavam com sorrisos forçados em seus rostos e alguns cães cuidavam dos cavalos do curral enquanto babavam com o cheiro da carne sendo preparada na cozinha.

Uma mão caiu sobre o meu ombro. Era pequena e clara, com unhas meio sujas de terra e vermelhas devido ao frio. Um sorriso está em seu rosto e seus loiros cabelos cobriam-se com a neve. Pompo estava com suas roupas normais, provavelmente aquentava o frio em uma tentativa de parecer durona.

—Vai ficar resfriada, sua boba. –Disse tirando o casaco de pele e colocando sobre seus ombros.

—N-Não tem problema... Mas, obrigada.

Ela se encolheu no casaco e olhou pro chão. –A Gisele desmaiou?

—Não, está brincando com a Pheal. Aquelas duas ficaram muito próximas.

—Está com inveja? –Ela desviou o olhar, mostrando que eu acertei. –Ela é nossa filha agora. Não precisa se preocupar com a Pheal.

—Eu só queria pegar o gosto de ser mãe. É estranho me imaginar segurando o nosso filho.

Meus pelos se arrepiavam com o frio. –Tente não pensar muito nisso. Deixe o problema pro seu eu do futuro resolver. Em minha opinião você seria uma ótima mãe.

—Você sempre sabe como me animar. –Ela sorri. –Vamos Entrar? Você parece com frio.

Suas mãos quentes encostaram-se no meu rosto e só aí eu percebi o quão frio ele estava. Dei uma olhada em volta e respirei o ar da manhã. –Tudo bem. Vamos.

Demos as mãos e entramos na fortaleza. Ela estava bem mais agitada do que há algumas horas atrás. Os guardas corriam de um lado ao outro, pessoas passavam carregando e levando coisas e as faxineiras brigavam com os golens de neve que sujavam de neve os tapetes dos corredores.

Pompo parecia cantarolar alguma canção enquanto caminhávamos. Sua cabeça balançava de um lado pro outro de forma muito peculiar, talvez apenas eu tenha percebido. Às vezes é solitário olhá-la de cima, me faz sentir meio esquecido. Prefiro quando estamos deitados e nossos rostos ficam de frente um com o outro. Momentos onde posso ver a clareza de seus olhos, as pequenas sardas em torno de seu curto nariz e as linhas suaves da sua boca. A verdade é que a Pompo é muito mais do que eu poderia pedir.

—Uh? O que foi? –Perguntou ela quando percebeu que eu a encarava.

—Só pensando longe da realidade. Percebendo a minha sorte.

—Sorte? De que?

—De ter você.

Seu rosto ficou vermelho e seus olhos se arregalaram. –E-E-Eu?! N-Não seja bobo... Eu não tenho nada de especial.

—Você é a pessoa mais especial que eu já conheci. Você aquenta os problemas, se sacrifica pelos outros e atura muita coisa sozinha. Sei que briguei muito com você por causa disso, mas admito que seja uma qualidade sua.

—... –Ela permaneceu em silêncio. Devo ter tocado em alguma coisa que não deveria. Senti que talvez não fosse à hora.

Voltamos ao nosso quarto e escutamos Gisele rindo desde o inicio do corredor. Abrimos a porta e nos deparamos com ela montada sobre as costas da Pheal brincando de cavalinho. Pheal bufava e relinchava como uma égua do estábulo. Ao virar seu rosto e notar nossa presença, Pheal encolheu o rosto vermelho e tossiu meio que pra disfarçar a situação.

—B-Bem... Chega de brincar por hoje, Gisele.

—Por quê?! –Perguntou Gisele, sem entender a situação.

—Preciso resolver umas coisas agora. Fique com seus pais um pouco. –Ela piscou um olho pra nós. –Já vou. Até mais. –E desapareceu.

—Isso ainda me assusta. –Comento.

—Você se assusta a toa. –Retrucou Pompo.

—Eu quero brincar mais! –Reclamou Gisele.

—Por que não brinca um pouco com a Atie e com a Adreu? –Pergunto.

—Elas estão dormindo. –Ela olhou pro canto do quarto onde as duas estavam sentadas sobre os joelhos e de cabeças baixas. –Quero brincar na neve! Só havia lido sobre ela em livros antigos. Podemos ir? Por favor?!

Pompo e eu nos entreolhamos. –Só se arrumarmos um casaco pra você.

—Veja com o Skel. –Disse Pompo.

—Vou dar uma olhada.

—Obrigada! –Ela correu e nos abraçou. Podia não parecer grande coisa, mas era uma de nossas primeiras experiências como pais.

Consegui um casaco infantil que servisse na Gisele. Era um pequeno e fofo casaco de pele de urso albino, que a fazia parecer uma bola de neve com pernas.

Ficamos juntos e saímos pelo portão principal, indo em direção ao pequeno bosque que cercava a fortaleza. As árvores eram pinheiros não muito altos e com bastantes folhas, com uma madeira de cor bem escura e coberta até a copa pela neve que caiu recentemente.

Um som de risadas chamou nossa atenção. Elas vinham de uma clareira logo a nossa frente. Caminhamos a passos largos, com Gisele correndo na nossa frente, e descobrimos que a autora das risadas era a Kabi. Ela fazia um “anjo de neve”, coisa que eu fiz muito com meu irmão quando éramos pequenos, movendo seus braços e pernas enquanto permanecia deitada na neve.

Gisele correu pra junto dela e começou a imitá-la, assustando Kabi, que parou de se mexer e nos olhou com uma expressão de vergonha. –O-O que fazem aqui? –Perguntou ela.

—Estávamos dando uma volta. O que você faz aqui? –Retornei a pergunta.

—Só... Matando o tédio.

—Pensei que os Golens de neve eram bastante atarefados. –Disse Pompo.

—A verdade é que eu não gosto muito da companhia de outros Golens. Talvez seja algo que eu tenha puxado do Skel. Não gosto de como agem, de como se acham superiores. Enche-me de tanta fúria que poderia derreter.

—Tá aí outra semelhança, ambos são cabeça quente. –Comento. –Aposto que nenhum dos golens daqui fez metade do que você conseguiu em um dia na tomada do Portão de fogo.

—Aquilo foi incrível. Eu me senti grande, forte, poderosa. Senti que dominaria o mundo.

—Você ajudou na batalha? –Perguntou Gisele curiosa.

—Sim. Eu me transformei em um gigante de neve e lutei contra dezenas de soldados. –Disse Kabi, sorrindo pra garota.

—Por que não usa isso contra eles? Você sabe lutar, e trabalha muito bem tomando conta de casa. Se não tivesse a Pompo eu me casaria com você.

O rosto dela ficou vermelho. –Não seja bobo. Meu corpo pertence ao Skel.

—Ainda bem, pois ele é meu! –Disse Pompo agarrando meu braço.

—“Da neve vens e para ela retornarás” essas são as palavras presentes no texto sagrado da Lua. Um dia, quando a morte chegar para o Skel, meu corpo se fragmentará e eu desmoronarei sobre mim mesma como um monte de neve sem vida. Nunca pensei na morte até ficar presa naquela sala após a batalha do Portão de fogo. Eu estava sem corpo, não podia ver, ouvir, cheirar, tocar, nada. Estava morta e aquilo me assustava.

—Realmente parece desesperador. –Digo finalmente me sentando em um tronco tombado de árvore. Junto meus braços e tremo um pouco. –Esse frio mata.

—Não tenha duvidas. –Comentou Kabi. –Dizem que a neve é uma devoradora de homens.

—E você é feita dela. –Retruco.

—Bem observado. –Ela ri.

Às vezes a Kabi parecia mais “humana” do que qualquer pessoa que eu antes havia conhecido. Ela tinha um ótimo senso de humor, não tinha medo de dizer o que pensava e sempre estava lá pra estragar os melhores momentos de forma totalmente vergonhosa. Gisele não gostou dela desde o momento em que pôs os olhos nela, mas adorava as histórias que Kabi contava e se fascinava pelo seu tipo, os Golens de neve.

De repente, Kabi levantou a cabeça, assustada. –Uma tempestade está para acontecer.

—Então vamos voltar pra dentro. Vamos, Gisele. –Digo a chamando. Ela levanta da neve e corre em nossa direção. Voltamos às pressas pra fortaleza, onde todos já pareciam se preparar pra tempestade.

Skel limpava a neve sobre o braço ferido e sacudia as costas tentando tirar o casaco. Kabi o auxiliou na tarefa e recebeu um agradecimento dele. –Parece que não poderemos ir embora hoje. –Disse Skel. –Querem uma bebida quente?

—Não, tudo bem. Onde está a Hedyps? –Perguntei.

—Estava arrumando as malas. Terei que avisar a ela, embora ache que ela já saiba da tempestade. –Disse ele ajeitando os cabelos brancos. –Quer falar com ela?

—Nada de mais. Depois resolvemos.

—Certo. Preciso ir.

—Até mais, gente. Depois eu brinco com você, Gisele. –Disse Kabi sorrindo pra ela.

—Sim! –Respondeu Gisele.

Tratamos de nos limpar da neve e de voltar pro quarto. Gisele pulou sobre a cama e Pompo foi mexer na sua bolsa enquanto eu olhava pela janela do quarto. O tempo estava horrível. Era a pior tempestade que já havia visto na vida. Era como um tsunami vindo em nossa direção.

Ventos frios entraram pela janela junto com um pouco de neve. Pompo disse alguma coisa sobre fechar a janela antes que ela me arremessa-se por ela e assim eu o fiz. O quarto ficou escuro, necessitando de uma vela que foi acesa pela Pompo.

—Deveríamos ir pro salão. Lá tem uma lareira. –Sugeriu Pompo.

—Troque a roupa da Gisele. Estarei esperando do lado de fora.

—Mas eu estou limpa! –Reclamou Gisele.

—Pensa que eu não vi que você trouxe neve dentro do bolso do casaco? Trate de jogar isso lá fora.

—Tudo bem... –Disse ela olhando pro chão.

Sai do quarto e esperei pelas duas. Não demorou muito e fomos direto ao salão. Ele estava lotado, parecia que todos haviam tido a mesma ideia. Os únicos que não estavam presentes eram o Ponko e o Lhelt.

—O que aqueles dois estão aprontando? –Perguntei a mim mesmo quase que como um sussurro.