The mine word: Blue roses.

Capítulo 33: Trato firmado.


Visão da Pompo: Passado.

O sol batia em meu rosto, mas eu não podia vê-lo. O chão úmido estava sobre meus pés descalços, mas eu não conseguia vê-lo. O vento carregava os sons do bosque... E eu podia ouvi-los.

O som vinha da direita, talvez a vinte metros de distância, e se aproximava. Comecei a me mover para a esquerda, me agarrando em uma árvore e a usando como escudo. O golpe atingiu a madeira e a atravessou, me fazendo cuspir saliva e desabar no chão.

Me recompus e voltei a correr. Ele estava ali. Eu podia ouvir ele. Era hora de tentar. Eu precisava conseguir.

Sentia meu corpo ficando leve. Precisava esvaziar a mente. Deixar fluir. Me concentrar. Um golpe me acertou no ombro, me jogando de encontro com uma árvore. Eu havia falhado...

—É isso. Chega por hoje, lindinha. —Papai retirou a venda dos meus olhos, com um sorriso meio forçado no rosto. A luz cegava. —Você quase conseguiu. Cheguei a não enxergar você durante algum tempo, mas precisa aprender a se mover enquanto faz isso.

—Eu sei... É que... Ai! Você pega muito pesado, pai! —Reclamei. Meu ombro doía, mas não estava machucado.

—O mundo pegará bem mais pesado do que eu, filha. Precisa ser forte e encarar de cabeça erguida. Vamos, vamos voltar. Precisa de um banho, porquinha.

—Você também, seu bobão. —Brinquei, subindo em suas costas. —A mamãe vai matar a gente...

—Com certeza. —Ele começou a correr, me obrigando a segurar forte em sua camisa. —Mas eu protejo a gente.

Visão da Pompo: Presente.

Podia sentir o frio em meus ossos. Conseguia ver a escuridão. Podia sentir a dor da fome me corroendo por dentro, tentando se libertar, buscar, caçar. A boca estava seca. Não duraria muito.

Ouvia a voz do Steve, me trazendo comida, água, apenas querendo conversar. Ouvia as crianças brincando. Sentia a gravidez dentro de mim. Podia sentir tudo a minha volta... Menos o que queria sentir.

Meu pai estava morto. O homem mais forte do mundo estava morto. Se até ele perdeu, como nós... Eu... Como podemos derrotar essa força devastadora? Essa força capaz de derrotar um homem tão poderoso quanto o meu pai?

Não há mais o que fazer. Não posso ajudar em nada. Aprendi com ele tudo o que sei. Nada que eu faça servirá de grande ajuda. Ninguém precisa de mim...

...Mas estou cansada de dormir.

Visão da Pompo: Passado.

Sentia que meu corpo estava mergulhado em água gelada. Era desconfortável e causava choques. O sol batia em meu corpo, mas nenhum calor podia ser sentido. O frio da terra ainda era sensível, mas quase imperceptível.

Ataquei pela esquerda, acertando o antebraço, que era duro como um pedaço de madeira. O golpe fez meu pé doer.

—Bom golpe, mas não será o bastante. —Dizia ele, mas parecia não saber onde eu estava.

Movia-me com cautela, tomando cuidado com gravetos, folhas e com minha sombra. A tarefa era difícil sem poder enxergar.

Preparei-me pro próximo ataque, mas fui surpreendida por um agarrão. Um braço, o direito, me agarrou em volta do pescoço, me jogando pra traz e depois me erguendo no ar, me apertando de leve, sem machucar, mas fazendo doer.

—Argh...! —Engasguei, emergindo da água imaginária. Sentir o calor novamente era quase reconfortante, se não fosse pelo golpe recém tomado. —Tá, tá, eu me rendo!

—É isso que vai dizer quando colocarem uma espada na sua garganta? —Ele me soltou, retirando a venda. —Essa técnica é difícil de aprender, Pompo. Precisa de muita concentração. Você está progredindo e eu fico orgulhoso, mas ainda está ficando visível quando se distrai com alguma coisa. Olha, vou demonstrar. —Ele desapareceu, mas ainda era possível ver a sua sombra.

—Você faz parecer muito fácil. —Aquilo me deixava triste e irritada. Se ele conseguia então eu podia conseguir. —Não sente a água fria?

—Não se concentre no que você sente, mas no que não sente. Sabendo o que não se sente será capaz de saber o que fazer. Haverá menos coisas pra se distrair.

—Entendi... Vou tentar.

Visão da Pompo: Presente.

Já estava cansada daquela dor. Cansada de não fazer nada. A dor se tornava ódio a cada dia. A vontade de matar aqueles desgraçados emergia de dentro de mim.

Comecei a me sacudir na cama. Embolar as cobertas. Derrubei o travesseiro. A cama arrastou sobre o piso de madeira... Uma explosão.

—O quê...? —Minha voz saia rouca e falhada, se é que ela realmente saia. —Alex...! Alex!

Saltei da cama com um pulo, me chocando com o chão frio, machucando os joelhos. Corri até a porta, meio caindo, meio de pé. Me agarrei a ela e girei a chave. Quando a porta abriu, meu corpo foi novamente de encontro ao chão. Minhas pernas estavam dormentes e doloridas, mas suportei. Precisava suportar.

Não sei quanto tempo se passou. Dei de cara com a Pheal no corredor, segurando uma xícara de chá, que eu quase derrubei. Ela parecia surpresa.

—Céus, Pompo, que susto! O que...

—O que houve, Pheal?! Eu ouvi uma explosão! A Alex está bem?!

—Calma Pompo. Respira... A Alex está bem. Está com o Steve. Foi... Digamos, que um acid... Não, acidente não... O Steve te explica. —Ela me indicou o quarto onde eles estavam.

Quando entrei, Alex dormia agarrada ao Steve, com a cabeça em seu peito. Parecia ter chorado até dormir. Steve, por sua vez, continuava sorrindo, mesmo dormindo, com uma expressão que lembrava conforto e carinho.

A dor em meu estomago bateu forte. Já não comia fazia dias. Minha visão ficou turva e escura. O chão era frio e dolorido...

Visão do Skel:

A viagem até a velha fortaleza Witywolve foi tranquila como uma boa noite de sono. As correntes e o vento estavam na medida certa, proporcionando uma agradável brisa durante o caminha e o mínimo de turbulência, o que foi ótimo para a Hedyps.

Fomos recebidos com gracejos e boas-vindas de todos, não importando a idade. Todos perguntavam onde a “princesa”, que era como chamavam a Henne, e onde estava o Hekke. Contei as novidades ao orador da fortaleza, que ficara encarregado de contar aos outros, o que livrou a minha barra daquela multidão.

Deixei a Hedyps e o Lhelt aos cuidados dos empregados e fui direto até os aposentos de meu avô, onde ele descansava. Havia estado debilitado nestes últimos anos, mas a mente continuava afiada como uma espada. Quando entrei, seus olhos se voltaram em minha direção e um sorriso se abriu em sua face.

—Olha quem resolveu aparecer! —Disse ele, com a voz gasta e cansada. —Onde estão as crianças, Skel?

—Era sobre isso que vim falar com o senhor. —A expressão em seu rosto mudou. —Hekke recebeu uma proposta de casamento com a Princesa Carine e Henne recebeu uma proposta de casamento com o filho mais novo do General Lenfre. Os dois lados propõem uma aliança e alguns benefícios comerciais. Porém, como o senhor ainda é o general, a decisão final cabe ao senhor.

Ele fechou os olhos, numa expressão que mostrava sabedoria e, de certa forma, experiência. Ele suspirou lentamente e abriu os olhos. —Os Lenfres não são uma das famílias progenitoras. Você bem sabe disso. Mas não se pode negar que são bons negociadores, comerciantes e estrategistas. Dominaram a Ilha de Lenfre há mais de oitocentos anos e permanecem lá até hoje. Soube que estão negociando minério de ferro, metal, ouro e outras mercadorias desde que o tratado imperial foi assinado. Não estou mais em condições de governar, Skel. Estou velho. Logo serei apenas uma lembrança presa nestas paredes frias de pedra polida.

—Bom, eu...

—Não diga nada. Se você acha certo, eu acho. Faça o que achar melhor. Logo a pequena Henne tomará conta dessa fortaleza e irá trazer a família Witywolve de volta a grandeza. Ela será tão boa quanto meu pai ou eu fomos. Talvez até melhor. Você criou bons filhos, Skel. Tenha mais fé neles e em si mesmo.

—Entendi senhor. Porém preciso de mais algum tempo de sua atenção.

—O que seria agora, filho?

Puxei uma cadeira para perto da cama e sentei-me. Segurei sua mão. Estava gelada e era possível sentir os ossos e o sangue fluindo sobre a pele. —Há algo muito importante que o senhor precisa saber.

Visão do Steve:

Alex cuidava da Pompo enquanto eu preparava algo pra ela comer. Foi realmente uma surpresa quando a ouvi despencar no chão, provavelmente por causa da fome.

Fritei umas salsichas de porco, ovos, passei manteiga em algumas torradas e espremi duas laranjas pra fazer um suco. Pode ter sido inconsciente, mas o conjunto acabou virando um café da manhã americano, o primeiro que eu havia feito neste mundo. Por algum motivo isso me parecia engraçado.

Levei a comida em uma bandeja de madeira até o quarto. Alex parecia ter conseguido fazer a Pompo acordar e agora conversava com ela, a mantendo acordada.

Pompo comeu tudo tão rápido quanto parecia possível, soltando um leve arroto e voltando a descansar com travesseiro alto. Deixei a bandeja de lado e pus Alex sentada em meu colo.

—Quer conversar? —Perguntei, antes de tudo. Ela balançou a cabeça, positiva. —Se sente melhor? —Outro aceno. —O que aconteceu, Pompo? Você nos deixou preocupados.

Ela olhou em volta, meio que procurando palavras. —Não... Não tenho certeza. Eu só... —Outro momento de silêncio. —Desculpa amor. —Ela acariciou o rosto da Alex. —Me desculpa também, Steve. Fui egoísta. Abandonei vocês quando mais precisavam de mim. Me perdoem... —Pompo começou a chorar. —Me perdoem...

Alex e eu a abraçamos. Era bom sentir o seu toque, o seu calor, o seu cheiro, mas, acima de tudo, era bom confortar a Pompo. Ela precisava tanto quanto nós. E eu sabia disso.

—Agora descanse. Trarei o almoço quando estiver pronto.

—Obrigada Steve. —Ela repousou a cabeça e fechou os olhos enquanto saíamos do quarto.

Quando fechei a porta Alex puxou a minha calça, chamando minha atenção. —Não vai contar pra ela o que eu fiz? —Sua voz era de tristeza e arrependimento. Uma típica voz de criança que fez arte.

—Não. Ficará apenas entre nós. Considere um aviso. —Abaixei e a peguei no colo. —Falarei com a Pheal e com o Rheal para não contarem. Mas de agora em diante você não faz mais isso, está bem? Combinado?

—Combinado, pai. —Ela beijou minha bochecha e depois eu beijei a dela. —Estou com fome.

—Então vamos comer.

Visão do Skel:

Retornamos para a Fortaleza Lenfre. Henne nos recebeu com pulos de alegria. Não era à toa, já que ficamos uma semana longe dela.

Logo após uma breve refeição fui tratar de negócios com a senhorita Firinda. Encontramos-nos em seu escritório, decorado por estantes com livros e pergaminhos antigos, além de outras peças raras das eras passadas.

—Sente-se, por favor. —Ela mostrou a cadeira. —Então, o que decidiram? —Seu olhar parecia demonstrar que sabia a resposta.

—Decidimos firmar o acordo. Não há motivos para não o fazermos. Porém, antes, tenho algumas perguntas.

—Claro. Prossiga. —Firinda se debruçou sobre a mesa, apoiada nos cotovelos e com um olhar de curiosidade.

—Soube que vem se aproveitando bastante do novo acordo imperial para adquirir recursos que antes eram praticamente impossíveis de se conseguir. Bom, com exceção de um: Lucidiun. —Seu olhar mudou. Uma coisa quase imperceptível. —Nossa aliança é mais do que um acordo comercial, não? Gostaria de saber o que tem em mente, primeiramente.

Ela me encarou durante um tempo. Seus olhos, brancos como diamantes brutos, pareciam vazios, buscando qualquer sinal de fraqueza. Não daria essa satisfação a ela.

—Muito bem... —Ela respirou fundo, voltando a se recostar na cadeira. —Digi, pode sair. —O pequeno golem de neve saiu de detrás de uma das estantes. —Não se preocupe, ele estava aqui apenas para a minha proteção.

—O que deseja minha senhora? —O pequeno golem usava o mesmo terno que usara da última vez que eu o vi.

—Por favor, nos leve até o setor oito. —Ela se ergueu da cadeira, ajeitando o vestido que mesclava branco, azul e azul-bebê. —Nos siga senhor Skel.

O pequeno golem nos guiou por diversos corredores, alguns tão antigos quanto à estadia da família Lenfre na fortaleza, pelo que parecia. Descemos escadas de pedra, corredores em rampas, escadas de madeira e, por fim, paramos em frente a uma grande porta de madeira reforçada por chapas de ferro e ouro.

—Chegamos, senhora. —O pequeno golem se curvou.

—Obrigada, Digi. Foi de grande ajuda. —Ela parecia plenamente capaz de fazer este caminho, pelo que parecia. —Vamos entrar. Espere aqui.

—Sim senhora. —Digi juntou suas mãos nas costas, ficando em posição de sentido.

A porta rangeu ao ser empurrada, mas se moveu tão suavemente que quase não parecia pesar nada. Dentro havia luzes espalhadas por toda sala, que era grande como um armazém. Pareciam presas dentro de redomas de vidro e brilhavam como nunca havia visto uma tocha brilhar. Um barulho grave e constante tomava conta do ambiente, além de um calor incomum.

—Bem vindo ao setor oito, senhor Skel. —Ela estendeu os braços, demonstrando o quão grande era o ambiente. —Gostaria de dar uma volta?

—Que lugar é esse? O que é tudo isso? Nunca vi nada parecido. —O lugar era fantástico e curioso ao mesmo tempo.

—Este é nosso centro de pesquisa, onde pesquisamos novas tecnologias para empregar em nossas linhas de defesa ou para o lazer da população.

—Senhora Firinda?! —Gritou uma voz aguda vinda do final do salão. —O que faz aqui?

—Me perdoe por ter vindo sem avisar, Erina. Estamos com um convidado. Venha conhecê-lo.

Um barulho agudo, lembrando metal fino, começou a se espalhar pela sala, mesmo que abafado pelo outro barulho, que era bem mais alto. A imagem que vi era quase mística: Uma cadeira feita de metal, couro e madeira, se movendo conforme a jovem garota que estava sentada nela movia seus braços. Seus cabelos eram loiros, dourados como ouro, diferente de todos os cabelos desta cor que já vi, com olhos azuis como o céu em um dia de sol e a pele branca coberta por sardas vermelhas em volta do nariz rosado.

—Este é o senhor Skel, Erina. Ele é o general do Portão de Fogo Norte. —Explicou Firinda enquanto a cadeira se aproximava.

—Ouvi muito sobre você, Skel. —A cadeira parou em frente aos meus pés. Ela estendeu a mão. —Prazer em conhecê-lo.