The mine word: Blue roses.

Capítulo 29: Ataque surpresa.


Visão da Pompo:

Aquela foi uma manhã comum. Nada de especial. O sol ardia, embora fosse outono, com as folhas mudando de cor e caindo enquanto o vento soprava.

Steve voltava do galinheiro com uma cesta de ovos. Estava sorridente e ria com a companhia de Alex. Pokko batia na mesa com uma colher de madeira, impaciente. Ele tem andado assim desde que começamos a dar comida a ele.

Steve preparou e serviu a comida. Estava boa como sempre. Ele tinha um jeito todo pessoal de fazer a comida. Ou era isso que eu achava.

É raro pras pessoas do campo receberem cartas. A maioria são da Pheal ou do Skel. Porém, naquela manhã, uma carruagem veio até a nossa propriedade.

Meu pai já estava de pé, com a arma nas costas, quando chegamos pra ver o que era aquilo. Era uma carruagem de madeira branca, decorada com vários adornos verdes e pretos, puxada por quatro cavalos. Outras três carruagens e alguns cavaleiros esperavam do lado de fora da fazenda.

Um homem alto e de rosto magro saiu da carruagem. Trajava roupas finas, de cor verde-claro e preto.

—Perdoem o inconveniente. Sou Aldeh, enviado de sua majestade. Vim trazer uma mensagem para o senhor Ponko e a senhorita Pompo.

—Eu sou Ponko, senhor Aldeh. Realmente é uma honra recebermos uma visita tão inusitada quanto o senhor. Esta é minha filha Pompo e meu genro Steve.

—Muito bem, senhores, —O homem retirou um papel enrolado de um dos bolsos. —Isto é para vocês.

—Pai, isso é...

—O selo da família real, sem dúvidas. —Disse meu pai, encarando a caveira de cor esverdeada que selava a carta. —Me pergunto o que pode ser.

Meu pai desenrolou a carta e a leu com cuidado, me entregando em seguida.

Percebi que era sério assim que li. Não era uma carta do rei, era da princesa. Dizendo, da forma mais clara, que o rei morreu há alguns dias.

—Mais alguém sabe? —Perguntou meu pai.

—Pessoas próximas, amigos e os funcionários do castelo. Será dito em público em uma cerimônia daqui três dias. —Disse Aldeh.

—Precisamos ir? Pai, a Char...

—Não iremos. Dê nossos agradecimentos a nova rainha e diga que não poderemos comparecer.

—Não estou entendendo, senhor. Veja, temos toda uma escolta pra os senhores e...

—Eu disse Não. —Sua voz foi firme.

—Entendo. Darei as notícias. —Ele subiu novamente na carruagem. —Saiba que é muito bem vindo no castelo, senhor.

—Sei disso. Agora saia.

—Espera, Ponko, por que recusar um convite desses? —Perguntou Steve, calado até agora.

—Não é da sua conta, Steve. Agora me deixem em paz por um momento.

Ele voltou pra casa. Os homens foram embora. A carta continuava em minhas mãos. Steve me abraçou e me levou pra nossa casa.

—Eu não sei o que houve, mas não parece ser coisa pequena.

—É uma longa história, Steve. Muito longa.

—Tenho tido bastante tempo. —Ele puxou uma cadeira e se sentou. —Vamos, pode contar.

—Está bem... Por onde começar...? Minha mãe ficou doente algum tempo depois que eu nasci. Disseram que ela tinha febre e vomitava muito. Meu pai, como um soldado, pedia ajuda ao seu antigo quartel. Minha mãe foi levada pra capital e tratada lá. Moramos lá por, talvez, cinco ou seis anos até ela melhorar. E é até engraçado lembrar disso. O quartel ficava próximo ao castelo. Praticamente ao lado. Um dia, por alguma razão, eu decidi entrar lá. Fiquei invisível e passei pelos guardas. Foi muito fácil. Mas alguém me viu. Uma menina. Era a princesa Charlotto.

—Isso que é história de infância. Então você já conheceu a princesa. —Comentou Steve.

—Sim. Na hora eu não sabia quem ela era, só queria brincar com alguém. Passamos a tarde jogando e correndo no jardim até meu pai me achar e me arrastar pra fora de lá. Levei uns tapas e fiquei de castigo por ter sumido. No dia seguinte, Char veio me visitar acompanhada de seu pai, o falecido rei. Ele escutou sobre a minha mãe e, pelos serviços de meu pai, ajudou pessoalmente no tratamento dela. Foram só algumas semanas até minha mãe se curar, mas Char e eu nos tornamos amigas nesse tempo.

—Por que nunca disse nada?

—Meu pai. Ele meio que discutiu com o rei em uma outra ocasião e eles ficaram brigados assim até... Bom, até agora. Não sei do que se tratou, mas ele me proibiu de enviar cartas.

—Você vai aceitar isso? Não faz diferença pra mim, mas você quer ver essa Charo não sei o quê de novo, não quer? É só dizer e eu te levo lá.

Precisei rir. —Não seja bobo, Steve. Claro que tive algo com ela no passado, mas ela é uma princesa agora. Uma rainha, melhor dizendo. Não tem nada a ver comigo.

—Acha que ela te enviaria uma carta se pensasse dessa forma?

—Eu... —Minha barriga tem crescido cada vez mais. Está mais difícil de fazer as coisas ultimamente. —Não se incomode, Steve. Passado é passado.

—Vou aceitar, então. —Steve respira fundo, reclinando o corpo. —Está com fome? Acho que vou inventar alguma coisa.

—Não há formas melhores de começar um incêndio, Steve?

—Realmente. Mas vai ser algo simples, eu prometo.

Visão do Steve:

Pompo não tem dormido bem ultimamente. Ela tem tido dores de estômago, além dos constantes enjôos matinais. Não consigo parar de pensar no quanto ela sofre pra nos dar um filho.

Decidi sair pra dar uma volta. A noite estava fresca, sem nuvens, dando uma bela visão das estrelas e da lua cheia. O céu daqui é muito brilhante. Talvez as luzes das cidades realmente sejam um problema no outro mundo. Talvez seja estranho, mas eu já não consigo lembrar do céu daquele lugar.

Uma única luz é visível em toda região. Um brilho fraco de uma vela na varanda da casa dos pais da Pompo. Alguém estava sentado lá, observando o céu assim como eu.

—É uma noite bonita, não? —Perguntou Ponko, com os olhos vidrados no alto.

—É. —Me sentei ao seu lado. —Pompo me contou a história do rei.

—Então não há mais o que dizer. Bom, não mais. Parece que eu ganhei a briga no fim das contas.

—Pois é. É algo complicado.

—Estou a fim de beber. Você quer?

—Se não for problema.

Ele foi até a cozinha e trouxe uma garrafa de vinho caro. Parecia ser um vinho dos Esqueletos.

Bebemos durante um tempo, nunca dizendo mais do que duas ou três palavras entre um copo e outro. Parecia uma antiga conversa de bar com meu irmão.

—Não vê problema em deixar a Pompo sozinha? —Perguntou ele, virando o copo. —Ela é forte, mas acho que a mimei demais.

—E eu lhe agradeço por isso. Você criou ela bem, Ponko, não precisa ficar com ideias erradas.

—Sabe como foi difícil? Esconder as duas de todos foi um fardo que carreguei por anos. O rei e meus companheiros de exército foram leais e não contaram a ninguém, mas... Eu já nem sei mais.

—É um novo mundo, Ponko. E sua filha ajudou, mesmo que pouco. —Virei o copo. —Precisa confiar nela e na Cidia.

—Você é um bom rapaz, Steve. Melhor do que eu poderia querer pra Pompo. Sei que fui meio grosso com você, mas eu prefiro ver você aqui do que ver ela sozinha.

—Você também é legal. Tem ajudado no treinamento da Alex e ela gosta muito de você.

—A baixinha é forte como a mãe. Talvez mais forte do que eu. Precisamos ficar de olho nela daqui pra frente. É seu dever manter a família a salvo.

—Pode contar comigo. —Ergui o copo, já cheio novamente. —Não vou te desapontar.

—É assim que se diz, meu garoto. —Ele bebe outro copo de uma vez, soltando uma gargalhada depois. —Acho que vou pra cama. Com sorte esse barulho todo acordou a Cidia e talvez possamos... —O sorriso desapareceu de seu rosto.

Ao longe, pro Oeste da fazenda, o bosque pegou fogo. Um fogo ardente e vivo.

—Vou pegar minha arma! Vá acordar a Pompo e as crianças! Vai!

—Já vou! —Corri o mais rápido que pude, chegando em casa em poucos segundos. Algo estava errado. A porta estava aberta. —Pompo! Crianças! Precisamos sair logo antes q... —Um vulto apareceu na minha frente. Um brilho metálico se projetou a minha frente. Uma lâmina! Me esquive por pouco, me agachando. —Ahu terra spinae! —Espinhos de terra se projetaram do chão, perfurando o vulto. O sangue espirrou por toda parte.

—O que está acontecendo?! —Perguntou Pompo, assustada.

—Não sei, mas é melhor sairmos antes de descobrir. Pegue as crianças.

Não houve resposta, apenas passos rápidos. Olhei novamente para o vulto. Era um homem vestido com um manto preto. Um Enderman.

Pompo não demorou com as crianças. Peguei minha espada que estava debaixo da cama e juntei todos. —Todos prontos? Vamos até a casa do vovô. Não precisa ter medo, filha. —Alex se agarrava com força na minha perna.

Chegamos até a casa, onde Ponko estava de prontidão com sua arma, com Cidia ao seu lado. Seus olhos estavam brilhantes.

—O que aconteceu lá?! —Perguntou ele.

—Um Enderman. Quase me acertou.

—Fiquem por perto. Endermans são criaturas demoníacas.

O fogo se alastrava pelo bosque. Nenhum sinal de outros invasores era percebido por alguém. Tirando o sol do fogo e de nossas respirações, tudo estava quieto.

—Ali! —Gritou Ponko, atirando em um Enderman materializado no ar. O corpo desabou como uma pedra. —Continuem atentos!

Foi como um chamado pra guerra. De repente, vários Endermans começaram a surgir.

—Não tenham medo! Protejam as crianças! —Gritava Ponko, atirando como um soldado americano.

—Pompo! —Bloqueei o ataque de um, que sumiu no ar como fumaça. —Calma, eu te protejo.

—Eles são muitos. Precisamos fugir. —Sugeriu Cidia, segurando um punhal.

—É muito arriscado agora! Vamos esperar mais um pouco! —Um tiro acertou o rosto de um, outro o joelho, em outro acertou o peito. —Não vou ser derrotado por Endermans​! —Outro tiro na cabeça.

Nossa casa acendeu em chamas. Um brilho cegante que foi a brecha que eles precisavam.

Uma lâmina surgiu na minha esquerda, tão rápida quanto um raio. Não pude desviar. Minha orelha sangrou e uma dor tremenda percorreu meu corpo. Larguei a espada, caindo sobre o ombro da Pompo.

—Steve! —Gritou ela, parecendo estática no meu outro ouvido.

Deve ter sido a gota d'água. Pompo começou a berrar, explodindo aleatoriamente o terreno. O barulho era ensurdecedor.

Quando voltei ao normal, o campo estava repleto de crateras, grama queimada e partes de corpos carbonizados. Um cenário de guerra.

Ela caiu sobre mim, agora sem energia. A segurei pelos braços, a mantendo de pé. Peguei a espada novamente e continuei aguardando os ataques.

Nossa casa agora era carbonizada, cuspindo fumaça pro alto como uma grande chaminé. Um trabalho de anos destruído em poucos minutos.

—Vão até o celeiro e peguem os cavalos! Vão! Vão! Ficarei aqui e darei apoio!

—Certo! Vamos, crianças!

Corremos o mais rápido que pudemos. O celeiro não era longe, mas o tempo pareceu uma eternidade.

Ponko dava o apoio, com os tiros passando ao nosso lado. Pompo ficou com as crianças, na mira do Ponko, enquanto fui pegar os cavalos. Um Enderman me atacou de surpresa, mas consegui bloquear o ataque. Ele voltou pelas costas, pelas laterais, por baixo, todos bloqueados no último segundo. Acertei sua panturrilha num descuido, o derrubando.

—Por que estão fazendo isso?! O que fizemos?!

—Vocês atrapalham os planos do Grande. Sim, vocês não podem viver! Minha vida é um preço pequeno a pagar se... Arg! —A lâmina perfura sua garganta, jorrando sangue.

Coloquei Pompo e Pokko em um cavalo e montei em outro com a Alex. Ponko continuava atirando, gritando e acenando pra irmos para leste. Pompo lutou. Ela não iria abandonar os pais.

—Não! Vamos voltar!

—Eles sabem se virar! Precisamos proteger as crianças! Sabemos disso, Pompo! Vamos nos encontrar em Exblod!

Ela fechou os olhos e acelerou o cavalo. Corremos mais rápido do que jamais corremos montados. Minha orelha, ou o que restou dela, latejava muito, me deixando tonto. Mesmo assim dava pra ouvir o choro baixo da Pompo no cavalo ao lado. Abandonar os pais foi a coisa mais difícil que ela já fez.

Visão da Pompo:

Cavalgamos até o sol nascer. Pai, mãe, me perdoem pelo que fiz.

A orelha do Steve sangrou por bastante tempo, escorrendo e manchando sua camisa branca. Ele não parecia bem, então resolvemos que já era seguro parar.

As crianças dormiram, de algum jeito, durante a viagem. As colocamos deitadas sobre um lençol que encontramos dentro da bolsa de um dos cavalos.

—O que faremos agora? Precisamos voltar.

—Voltar? Está doida?!

—Meus pais ainda estão lá!

—E quer que o sacrifício deles tenha sido em vão?! —Steve estava bravo. Furioso, na verdade. Ele parecia querer voltar e lutar mais do que eu. —Vamos só colocar as ideias no lugar e sair logo daqui. Vamos pra casa da Pheal, por enquanto.

Não quis dizer nada. Ele não iria me ouvir. Apenas concordei e fui ficar perto das crianças. Deixei minha cabeça no lençol e fechei os olhos por um instante. Dava pra escutar um barulho baixou. Um tremor. Era...

O Golem de ferro da minha mãe emergiu do bosque, fazendo voar pássaros e tremer as folhas.

—Mãe! Pai! —Gritei, me levantando. Minha mãe saltou do Golem. Seu rosto estava inchado e seus olhos estavam vermelhos. Não via meu pai. —Cadê o meu pai...?

—Pompo... —Ela se segurava. —Seu pai...

Visão da Cidia: Passado.

Eles continuavam a vir. Pareciam uma praga de insetos. Convoquei o Golem para ficar de olho no caminho ao leste enquanto defendiamos a casa.

Quando a munição acabou, Ponko pegou sua espada e começou a lutar com todos de uma vez. Jamais o vi com tanta determinação. Ele permanecia de pé, mesmo sendo atingido várias vezes.

—Vá! Vá! Encontre eles!

—Mas você...!

—Eu disse pra ir! —Uma das lâminas deles perfurou seu peito, o fazendo cuspir sangue. —Agora!

Chamei o Golem, com lágrimas nos olhos, montei e fugi o mais rápido que pude. Sei que não deveria, mas olhei pra trás. Vi meu marido ser apunhalado várias vezes, pra no fim explodir. Um ataque surpresa, como ele gostava.

Visão da Cidia: Presente.

—Me perdoe, Pompo. Eu não pude salvar ele.

Pompo me abraçou, deixando suas lágrimas escorrerem. Não haviam palavras pra descrever aquele momento.

Steve se aproximou, colocando a mão no ombro da Pompo. —Precisamos ir. Se você era o que estava mantendo eles longe, então logo eles virão.

Enxuguei as lágrimas. —Você tem razão, Steve. Vamos ao menos seguir a última ordem dele.

Montamos novamente e continuamos o caminho. Essa foi uma noite que nenhum de nós conseguiu esquecer.