Ultrapassávamos a aldeia que invadimos no dia anterior, quando fui acertada na perna. Sim. Aquelas desgraçadas conseguiram acertar uma parte do meu corpo.
Viro-me apenas para fixar uma flecha no olho da mulher que com certeza me acertara. Posso não ter matado-a, o que realmente era minha intenção, mas pelo menos consegui deixá-la caolha.
Derek me pega em seu colo com facilidade e me arrasta pelo resto do caminho até a cidade subterrânea.
Grito de dor quando tento comprimir minha perna para entrar no elevador e Dylan desperta com meu grito.
– Tess! - Ele chama.
Não respondo. Permaneço em silêncio, por temer que assim que abrir minha boca, um urro escandaloso de dor poderá escapar. Não quero parecer fraca na frente de Clover.
– Está tudo bem, queridinha? - Ela diz.
Sorrio com o máximo de convicção possível.
– Foi só uma bala em minha perna, queridinha. Estou perfeitamente bem. - Respondo.
Derek alarma todos os homens assim que tocamos o chão do subterrâneo. Dois médicos me arrastam para a ala de hospitais e outros dois arrastam Dylan. Digo em meio aos gemidos de dor que não há necessidade de qualquer medicamento ou parte cirúrgica, mas eles me ignoram.
Sou colocada em uma maca e em questão de minutos estou inconsciente. Antes de perceber que estou sendo levada pela escuridão dos medicamentos aplicados em minha veia para que eu durma por horas ou dias, sussurro o nome de Dylan. Aguardo até que haja alguma resposta e, de fato, há:
– Estou aqui, Tess. Não vou sair daqui.
E a inconsciência me arrasta.

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Quando acordo, há um par de copos ao lado da mesinha de cabeceira e estou numa maca com um papel grudento de suor sob minha cabeça dolorida.

– Derek? - Sussurro.

– Aqui. - Ele responde.

Levo alguns minutos até relembrar a situação.

– Oi, e aí?

Ele não sorri para mim. Não dá qualquer indício de que está feliz com o meu despertar. Há apenas uma carranca em seu rosto.

– E aí? - Responde ele. - E aí? É tudo o que tem para me dizer? Tessa, você provocou as guardas e brigou com Clover, que está tentando nos ajudar, simplesmente porque ela sugeriu carregar Dylan. Tem alguma noção disso? Está perdendo totalmente o controle das suas ações, e não estou entendendo o motivo.

– Desculpe. - Sussurro. - Estou recuperada e minha sanidade mental também está. Posso me levantar? Posso tentar planejar um outro ataque contra as guardas da aldeia? Posso tentar nossa liberdade no continente?

Derek revira os olhos.

– Você não está entendendo o ponto, Tessa. Está se tornando violenta por motivos que desconheço. Não era isso que você deveria se tornar. Deveria pregar a paz entre os gêneros feminino e masculino. Enquanto não colocar isso em mente, não sairá de dentro do subterrâneo. Ficará aqui para cuidar de Jamie com George, enquanto Tyler, Jake, Wes, Dylan e eu cuidamos dos homens das aldeias.

– O quê? Derek, não vou ficar aqui! Não vou! Não vou, Derek.

– Você vai. Até se recuperar fisicamente e mentalmente, ou então vai ficar aqui sem participar de mais nenhuma atitude da possível revolução. E aí, qual vai ser? Qualquer uma das alternativas me deixam igualmente satisfeito. Principalmente a segunda, já que garante a sua segurança.

– Derek eu nunca vou estar segura. Bailee me quer morta. E você está agindo como minha mãe quando tinha total consciência do que a rodeava. Sempre tentando me privar de qualquer coisa que me submeto a fazer.

– A primeira alternativa: Ficar com George até se recuperar fisicamente e mentalmente. A segunda alternativa: Ficar aqui sem participar de mais nenhuma atitude da possível revolução. A última resposta é sua. E chantagens emocionais envolvendo sua mãe não irão adiantar. - Diz ele, rispidamente.

Pondero por alguns segundos. Penso em dizer coisas grosseiras, como: "você não é o meu pai" ou "não sou Jamie para que possa mandar em mim", mas sei que depois iria ficar arrependida de qualquer palavra pronunciada e choraria muito, então murmuro com má vontade:

– Ficar com George.

– Perdão? - Diz ele.

– Ficar com George! - Digo, alto o suficiente para acordar metade dos homens que suponho que estejam na ala hospitalar e cochilam com a ajuda de soníferos fortes.

– Tem certeza? Porque as duas alternativas me deixam satisfeito. - Diz ele, com um sorriso soberbo nos lábios.

– Tenho certeza, sim. - Respondo. - Mais alguma coisa?

– Sim. Quero que pense mais a respeito de Clover. Fala sério, Tessa, ela aturou as obscenidades que você disse a ela e também a flechada em seu ombro. Ela nos ajudou a chegar até aqui, ferida e carregando Dylan também ferido. Foi quando você deu seu show.

– Não quero que nenhuma mulher encoste em Dylan, Derek. Especialmente quando ele está ferido. Não confio nela. Ela colocou uma arma em suas costas e de repente decide que está do nosso lado.

Seus lábios se repuxam para o lado esquerdo.

– Só não se esqueça de que você também é uma mulher. E até George, que é a pessoa mais próxima de você aqui embaixo, desconfiou de você quando colocou seus pés no convés daquele barco. Dê um crédito a ela. Talvez, ela possa ser tão próxima a você, quanto George é agora.

Sorrio para ele de má vontade, e então ele se afasta.

Toco meu colar, presente de Derek pelo meu décimo quinto aniversário. Eu estou sendo exatamente o que ele deseja, não estou?

Meus olhos pousam em Dylan, que ainda dorme, por conta dos medicamentos soníferos que lhe foram aplicados na veia, possivelmente. Salto de minha maca e vou para o seu lado. Observo a ala hospitalar e descubro-a vazia, exceto por nós dois. Depois, volto minha atenção para seu rosto tranquilo e puramente sereno enquanto dorme.

Sua respiração é lenta o suficiente para que eu possa contá-la. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. Sua boca se abre repentinamente e posso ver seus dentes brancos perfeitos. Sorrio para um Dylan inconsciente.

Me ajoelho para ficar na altura que se encontra sua boca. Começo a examiná-lo mais meticulosamente. Toco seu rosto com a ponta dos meus dedos, ajeito suas sobrancelhas, seu cabelo. Toco seu lábio inferior com delicadeza. É quando seus olhos se abrem e me sinto extremamente desconfortável por estar ajoelhada perto de seu corpo e tocando partes aleatórias de seu rosto.

– Oi. - Ele diz.

– Oi. Você baba enquanto dorme. - Minto. Penso que se eu zombasse, meu desconforto diminuiria.

– Estava sonhando com você.

– É mesmo? Espero que seja melhor do que o que acontecia enquanto você sonhava comigo. Estou presa aqui dentro até que eu me recupere do tiro em minha perna. Ótimo. Em cativeiro. O que você sonhou?

Ele sorri.

– Você é tão ingênua. Não sei como sobrevive tão bem num ambiente cheio de homens com pensamentos sujos envolvendo você. - Ele revira os olhos. - Eu não estava sonhando com você. Estava procurando uma justificativa por ter babado enquanto dormia.

– E você não estava babando enquanto dormia. Eu estava procurando uma justificativa por estar ajoelhada na frente de sua maca, lhe observando.

Ele salta da maca e segura minha cintura apenas para me colocar, sem demonstrar o mínimo esforço, sentada nela.

– É a minha vez de te observar.

Ele passa o dedo pelos meus olhos, que se fecham quando seus dedos entram em contato com eles. Depois pousa na ponta de meu nariz. E por fim, passa a ponta do dedo sobre meus lábios, calmamente.

Fico olhando para ele. Esperando cada movimento e abominando o momento em que ele pare de me tocar.

– Eu amo você. - Ele sussurra. - Eu sabia que iria amar você a partir do momento em que você se trancou em seu quarto quando me viu pela primeira vez. Sabia, assim que você sorriu para mim em seu quarto e me perguntou coisas sobre mim. Eu sabia, assim que percebi que você era diferente.

A sentença me pega de surpresa. Penso que vou engasgar quando tentar falar qualquer coisa, mas simplesmente solto o que eu consigo dizer. O que eu tinha de dizer. A verdade.

– Eu amo você.

– Você tem certeza disso? Eu posso amar você secretamente. Diversos rapazes escravos amam as garotas que servem...isso pode ser igual...

– Deixe-me tentar algo para calar você. - Digo. - Tenho a sua permissão?

– Se esqueceu de que eu pertenço a você? Continuo sendo o seu escravo, não precisa da minha...

– Shh...Eu sou sua tanto quanto você é meu.

E então eu o calo. Meus lábios são apressados nos dele. Talvez porque tenho medo de ser pega, ou porque não tenho a mínima técnica com isso. Seu beijo é doce. O meu é provavelmente apaixonado. Porque eu realmente estou. Estou apaixonada por Dylan.

Sua mão agarra meu pescoço, impossibilitando-me de parar. Mas eu não quero parar. Abomino esse momento, tanto quanto abomino o momento em que ele irá parar de me tocar e me deixar sozinha na ala hospitalar.

Ele toca meus lábios com seus lábios lentamente, dando-me beijos como eu sou acostumada a dar nas bochechas de Jamie. Beijos rápidos. Mas Dylan me beija nos lábios. E é tudo o que importa no momento.

Uma vez. Duas vezes. Três vezes. Seus olhos se abrem antes que tenha a quarta vez. Ele sorri para mim, e então me beija outra vez.

Alguém tosse, tentando chamar nossa atenção, do outro lado da ala hospitalar.

– Oi, Tessa. - É Jamie. Dylan se afasta de mim, encostando-se na maca ao meu lado. Mas não me toca.

Certo, não foi tão doloroso porque meu irmãozinho está me encarando nesse momento.

– Vim ver como você estava. - Ele murmura. - Mas pelo que vejo, você está muito bem. Completamente disposta a tomar outro tiro em sua perna, não é, irmã? Aparentemente, a outra pessoa nessa ala hospitalar deseja levar um tiro de Derek...não sei, é só um palpite.

Dylan solta uma risadinha discreta na direção do teto iluminado.

– Estou bem disposta, sim, Jamie. Cem por cento. Já pode falar para o seu pai me liberar. Não preciso ficar algum tempo aqui com George. Diga a ele.

Jamie sorri.

– Acha que vou perder a oportunidade de ficar alguns dias com você? Desde que chegamos aqui, não a vejo. Durmo antes de você e acordo muito depois. Estou achando isso tudo um saco. Você corre perigo, fica com as partes legais de morar nessa cidade sinistra e eu...simplesmente fico na companhia de George. Ou Jake. Ou Wes. Aprendi até a costurar. E a ler. E escrever. Acredita que já fazem mais de seis meses que estamos aqui?

Em partes, me sinto culpada por desprover meu irmão de minha presença. Mas estou fazendo pelo bem maior, não estou? Não só por ele, como por Derek e Dylan, e todos os homens que estão aqui. Ou os que estão na aldeia. Estou tentando garantir segurança para eles.

– Tudo bem se eu tomá-la de você por alguns dias, Dylan? - Jamie questiona.

Dylan sorri para ele.

– Tudo bem, parceiro. Mas vamos rever o conceito "tomar". - Ele olha para mim. - Eu também preciso dela.

–Terá que sentir na pele o que eu sinto. Você vai vê-la só na hora do jantar, e se estiver no refeitório no horário. Vem, Tessa. Vamos embora da ala hospitalar. Dylan ainda não está liberado. Vou lhe mostrar um livro que li ontem.

Não tenho tempo para discutir com meu irmãozinho e seus oito anos teimosos. Tenho tempo apenas para olhar para trás e ver Dylan sentando-se na maca e olhando-me deixá-lo. Ele sorri e consigo ler seus lábios quando ele diz "eu te amo".

Sorrio em sua direção e Jamie e eu viramos a curva da porta da ala hospitalar.