Os presentes de Derek, geralmente, vem cercados de duplo sentido. Geralmente, eu preciso pedir qualquer tipo de explicação, já que nunca sou suficientemente esperta para entender qual tipo de coisa ele quer sinalizar.

Certa vez, ele me deu uma vassoura tecida com fios de ouro. Minha genialidade me levou a pensar que ele provavelmente estivesse insinuando que eu deveria arrumar meu quarto, mas quando perguntei, ele disse que ouro não varre coisa alguma. E me deu mais um de seus belos sorrisos enigmáticos.

Continuei atrás dele, procurando entender, pelo resto da tarde até que ele finalmente se rendeu.

– Tessa, o que eu quis dizer é que não precisa me ajudar nas tarefas domésticas. Eu sou o escravo, e não você. E caso você quisesse mesmo assim me ajudar, teria que ser com objetos valiosos, como uma vassoura banhada no ouro. Entende?

Aos meus onze anos, eu já entendia completamente o quanto Derek era trilhões de vezes melhor que eu.

– Não. Não entendo. Na realidade, acho que nem mesmo você entende. Derek, você não é um escravo.

– Sim, eu sou. - Disse ele, rapidamente.

– Não é. Não aqui. Você sabe que minha mãe te ama, não sabe?

Ele virou-se para mim, o sorriso enigmático havia desaparecido. Em seu lugar, estava um semblante de preocupação.

Eu estava sentada na pia da cozinha enquanto ele preparava o almoço. Ele chegou bem perto de mim, os olhos verdes esbanjando terror.

– Nunca, nunca mais diga isso. Nunca mais, certo? Prometa que nunca mais vai dizer algo nem parecido.

– Por que? - Eu disse. Aos onze anos eu era realmente muito curiosa, e Derek era meu alvo principal.

– Porque não é certo. Ninguém pode saber de nada disso. Ninguém, certo, Tessa?

– Está bem. - Eu digo, mal humorada.

– Prometa que nunca mais vai dizer isso.

– Eu nunca mais...direi isso.

Ele me dá um beijo na testa e me tira da pia, colocando-me no chão delicadamente.

– Obrigado. - Diz ele. - Agora acho melhor você se arrumar para a escola, pequena. Estarei lá em cima em poucos minutos, para arrumar seu uniforme e...

– Derek! - Eu grito. - Eu não tenho qualquer tipo de deficiência. Posso pegar meu uniforme eu mesma.

E saio da cozinha , irritada, porque penso que talvez ele acredite que sou incapaz de realizar tarefas simples como pegar um uniforme ou varrer um cômodo.

É claro que agora, olhando para o pingente e tentando encaixar o que aconteceu aos meus onze anos e o que aconteceu há exatas duas horas, não consigo organizar os pensamentos. Derek é sempre muito enigmático e isso me irritada diversas vezes ao dia.

Salto da cama e desço até o andar de baixo, chamando por ele. Encontro-o na sala, sentado no sofá com uma pessoa ao seu lado.

– Derek. - Balanço o pingente sem me importar com quem é o indivíduo ao seu lado. - Eu queria que me ajudasse a entender, como sempre.

Minha mãe aparece, saindo de dentro da cozinha com um vestido florido e o cabelo preso em um coque. Ela sorri para Derek e depois para mim.

– Querida. Feliz aniversário.

Preparo-me para agradecê-la, quando a pessoa que estava ao lado de Derek se levanta e posta-se ao lado de minha mãe e do sofá.

É um garoto de aparentemente dezessete anos, de cabelos pretos e olhos cor de chocolate, pele branca e traços finos. Posso observar tudo isso, apesar de sua cabeça focar no chão. Ele usa uma camiseta de algodão branca e uma calça jeans, que lembro-me de comprar para o meu irmão e não servir em Jamie. Minha mãe ou Derek devem tê-la pegado por algum motivo.

– Bem, conheça Dylan Fonkin. Seu presente de aniversário enviado pela governadora Bailee Mason. - Diz Derek.

Não preciso de mais nenhuma deixa. Dou um pulo para trás e vou aos tropeços para o meu quarto, trancando-me inutilmente.

Essa é a minha realidade agora. Não posso fugir do que já foi designado para todas as mulheres do continente. Agora eu tenho meu próprio escravo, assim como minha mãe tem Derek.

Minha mãe bate na porta diversas vezes. E eu não abro. Dylan vem até a porta e pergunta-me se preciso de alguma coisa, e isso, sinceramente só piora a situação. Só piora por lembrar-me que agora essa é a meta da vida dele. Um garoto de dezessete que tem como meta satisfazer todas as vontades de uma garota de quinze, e caso não cumpra corretamente o papel designado, ser surrado até a morte. Ótimo. Ele tem um vida maravilhosa pela frente.

De repente, meu pensamento se eleva para o subsolo de nossa casa. Jamie. Será que Derek e minha mãe já colocaram Dylan à par de todo o nosso esforço para manter Jamie em sigilo? Será que ele entenderia? Será que eu poderia ameaçá-lo caso ele tentasse fazer qualquer coisa contra o meu irmão e ele simplesmente recuaria?

Eu não sei. Eu não sei. Tudo o que sei e que está se tornando cada dia mais complicado.

Derek não permitiria que ele tentasse me ameaçar com o segredo. Isso é um fato consumado. Mas e se ele ameaçasse Derek também?

Bem, então eu acabaria com ele.

Ele é o meu escravo. Dylan é meu escravo. Ele é minha propriedade até que se prove o contrário. Posso matá-lo e ele será substituído.

Canso de fazer hipóteses e me jogo na minha cama, pouco depois de Derek bater levemente na porta.

– Tessa? Você pode abrir para mim?

Levanto-me e abro a porta. Ele entra, com os olhos verdes fixos em mim, e fecha a porta.

Ele me puxa para um abraço quando se senta na cama, e eu me afundo em seus braços o máximo que posso. Sinto confiança. Sinto segurança. É o efeito de Derek.

– Acho que isso é o maior tranquilizante que posso tomar.

Ele ri baixinho e aponta para a porta.

– E aquele é o melhor presente que você poderia ter.

– A porta? - Zombo.

Ele revira os olhos.

– Você só precisa saber se vai usá-lo para o seu bem estar, ou para o bem estar familiar. - Ele demora alguns segundos até falar novamente. - Eu, pessoalmente, o usaria para o meu bem estar. - E depois dá o tipo de risada rápida e que demora meses até que eu possa ouvir novamente. - Estou brincando. Só quero dizer que Dylan não é uma bomba. Ele pode ser o seu maior presente.

– Não, Derek. Não quero me sentir inválida. Não quero que ele tenha que fazer tudo para mim, mas também não quero que ele se sinta inválido, já que foi treinado desde criança apenas para me servir. Entende?

Ele assentiu.

– Faça o que você julgue que é certo. Equilibre as coisas.

Eu me enrosco ainda mais em seu abraço, tentando fazer com que ele não se solte, mas é claro, ele já o fez e está na porta do meu quarto.

– Derek. - Chamo.

– Sim?

– Obrigado. - Digo a ele.

Ele leva a mão até a cabeça e faz o gesto que as mulheres do exército costumam fazer. E sai. Me deixa novamente sozinha.

Alguém bate na porta novamente. Rezo para que não seja minha mãe.

– Entre.

E não é. É Dylan, que entra aos tropeços.

– Desculpe. - Diz ele.

– Está se desculpando por tropeçar em meu tapete? Eu realmente espero que não, porque se for, eu com certeza vou arrancar esse abajur da tomada apenas para acertá-lo em sua cabeça.

Seus olhos se arregalam de pavor e eu tento reprimir uma gargalhada, mas é tarde demais. Enquanto dou risada, Dylan permanece na frente de minha cama, com os olhos paralisados na minha expressão divertida.

– Certo, sente-se aqui. - Eu digo quando consigo parar de rir.

Ele obedece mas não se senta na cama e sim ao meu lado, no chão.

– Sei que depois dessa ameaça e da minha gargalhada pareço uma louca psicopata que adora bater em qualquer tipo de pessoa, mas não me veja dessa maneira. Por favor.

– É claro. - Diz ele.

– Não quero que concorde comigo porque corre o risco de ser castigado. Quero que concorde porque acredita realmente nisso, tudo bem?

– Tudo. - Diz ele.

– Me fale sobre você. - Eu peço.

Ele pensa por alguns instantes e por fim, sorri.

– Meu nome é Dylan Fonkin. Tenho dezessete anos. Esperava uma garota mimada, irritante e descontroladamente mandona para que eu servisse. Uma garota fácil de odiar e simplesmente manter o máximo de distância possível, porque é assim que as mulheres são vistas no outro continente. Todas elas. As poucas que eu já vi, são feias e mandonas. Eu as detesto. Mas quando cheguei aqui, vi Jennette Stolpeen e mudei minha opinião sobre mulheres. E depois, vi uma outra garota, não sei se você conhece, mas ela se chama Tess Stolpeen e é diferente do tipo de garota que eu esperava para servir. Receio e temo que seja impossível odiá-la.

Eu reprimo um sorriso e sento-me no chão, ao seu lado. Ficamos encarando um ao outro por um tempo grande demais, até que me levanto.

– Na verdade, é Tessa e não Tess.

Ele sorri novamente.

– Eu sei.

Eu me viro antes que ele possa dizer qualquer outra coisa ou se levantar e desço para o subsolo de nossa casa. Jamie está sentado de frente para a porta.

– Ouvi vozes. As mulheres voltaram? Papai e mamãe brigaram. Eu os ouvi brigando. Mamãe disse coisas horríveis para papai e acho que tinha algo a ver com o seu presente, Tessa. Ela também disse que o odeia, e que arrumaria uma forma de castigá-lo.

Eu desço as escadas para pegar Jamie da cadeira e confortá-lo de alguma forma, quando ouço um grito. Eu reconheço facilmente o dono, pois eu ouvia o mesmo som enquanto o ajudava a regar as plantas e o molhava de propósito, quando era um pouco menor.
Derek.

– Eu já volto, Jamie. Fique bem aqui.

Volto para o interior da casa, procurando o som novamente.

– Derek. - Grito. - Derek.

Paro na porta do quarto de minha mãe, que está com um objeto que solta faíscas azuis. É o Eletrosingular. O objeto de tortura dos escravos, que solta uma voltagem elétrica suficientemente alta para deixar quem quer que encoste no objeto ferido ou até mesmo inconsciente. E ela encosta no peito de Derek. De novo. E de novo. E de novo. E de novo. E todas as vezes, ele emite um ruído mais baixo. Sei que ele está perto de ficar inconsciente, então faço a primeira coisa que me vem na cabeça. Me jogo na frente de Derek e do Eletrosingular que nunca havia sido usado até hoje.

O choque me faz cambalear e minha mãe solta um gritinho agudo.

– Tessa! Ah meu Deus, Tessa! - Ela grita em meio aos soluços. Eu ainda estou consciente o suficiente para sentir Derek lutando contra si mesmo para me levar cambaleando para fora do quarto de minha mãe. Ela grita com ele. Muitas coisas obscenas. Principalmente quando Derek fecha a porta em sua cara. Ele me coloca em sua cama e se joga no chão. Agora tenho certeza de que ele está inconsciente. E em poucos segundos eu também vou estar.

– Senhora! - Ouço Dylan tentando conter minha mãe, que esmurra a porta do quarto com uma força que não transparece existir em uma mulher tão pequena. - Senhora! Vamos até a cozinha. Vou fazer uma xícara de chá...
E então, eu não sei se finalmente fico inconsciente do barulho, ou se ela o seguiu. Só sei que me arrasto pela cama, para agarrar a mão de Derek. Ele ainda está incosciente. Mas sei que quando acordar, vai culpar esse ataque de minha mãe como "intermináveis problemas". Nunca é culpa dela. Não ao ver dele. E então lembro-me de Jamie apavorado no subsolo.

– Ela estava fora de si. Desculpe por não descer para contá-lo o que aconteceu. - Sussurro, esperando que meu recado mental chegue até meu irmãozinho.