– Nós nos perdemos. - George e eu dissemos em uníssono assim que Bailee nos encontra no saguão do prédio principal. Ela nos analiza, os olhos passando minuciosos pelo suor que escorre de minha testa e provavelmente, pela minha palidez excessiva.

– Só se perderam? - Ela questiona, voltando-se para George.

– Sim. O que acha que fizemos? Algo como eletrocutar crianças de quatro ou cinco por quebrar pratos? É a única coisa que podemos fazer nessa aldeia e não, muito obrigado. - George responde.

– George, se você... - Ela começa a querer repreendê-lo.

Ele vira as costas para ela, num gesto de extremo desprezo e puxa o meu braço para que eu o siga. Bailee fica paralisada do outro lado enquanto caminhamos para o quarto de George.

– É incrível o poder que tem sobre ela. Sabe disso, não sabe?

– Eu não tenho poder algum sobre ela, Tess. A culpa e o remorso é que tem. - Ele finaliza a conversa.

Entramos em seu quarto e me jogo na cama. Porque me sinto exausta. Exausta e não fraca.

– George, você acha que deveríamos fugir?

Ele senta-se ao meu lado.

– Não por agora. Estou trabalhando em uma coisa.

– Deprimir a governadora do Continente Feminino? Está se saindo bem, por sinal. - Respondo.

– Não. Destroná-la. - Ele diz. - E sim, meu processo de evolução neste plano enquanto você estava esquecidinha, está quase concluído.

– Oh, estou tão orgulhosa do babá do subterrâneo. - Digo, me aconchegando em seu travesseiro.

– Você é bem das engraçadinhas, né?

Sorrio. Sorrio porque estamos ali, sentados, juntos, um zombando do outro. É quase tanta aproximação quanto tinhamos na floresta, enquanto um treinava o outro em algo que agora é aparentemente inútil. Apenas George Mason e Tessa Stolpeen, tendo seu incrível momento George/Tessa.

– Posso ser engraçada quando meu melhor amigo é filho da governadora? Sim, eu posso.

– Fique a vontade.

– Bailee Mason, dona do mundo. - zombo.

– Não. - Ele responde.

– Absolutamente não.

– Tess, já parou pra pensar no quanto somos invencíveis? É sério. Quantas vezes já tentaram te matar? No mínimo, duas vezes mais do que a frequência que você respira. - Ele comenta.

Concordo com a cabeça.

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Um barulho do lado de fora do prédio principal chama a minha atenção e a de George enquanto cochilávamos. É mais gritos do que barulhos, e George salta da cama antes de mim, porque reconhece um dos gritos antes de mim.

Ele quase arranca a porta de sua soleira e vai descalço em disparada pelo corredor extenso. Corro atrás dele assim que alcanço o grito em meio aos outros. Jamie. Meu irmãozinho está gritando no pátio.

Disparo atrás de George, que nunca vi mais inconsequente, assim que atingimos a grama baixa do pátio. Ele não para quando atinge a mulher que surrava meu irmão. Joga-a no chão e envolve seu pescoço com suas mãos.

– George! - Jake grita. - Vai matá-la.

– Eu não ligo. - Ele responde. A guarda que há segundos surrava Jamie, que está debruçado em um Derek cambaleante, bate nos braços de George, que não param de apertar seu pescoço.

– George! - Grito.

Ele a solta e vira-se para mim.

– Não toque nunca mais nesse garoto. Nem pense em tocar. Estamos morando no mesmo lugar e sei onde você dorme. Acabo com você no mesmo instante, que fique bem claro. - Ele ameaça.

Em meio à confusão, olho para Jake pela primeira vez desde que o efeito do Lyniop acabou. Ele também olha para mim, e apesar da improvável cena que nos rodeia, um pequeno sorriso surge em seus lábios. Fico tonta.

Droga, tenho que ser forte quando se trata de Jake também.

Pelo contrário do que uma parte da minha mente me manda fazer, não me jogo em seus braços. Permaneço de pé, firme, enquando desvio o olhar para Derek e Jamie no chão. Meu irmão está com ferimentos leves em seu rosto e anuncia que está bem, que foi só um contratempo em sua vida masculina.

George o pega pelo braço e lhe dá o abraço mais forte que eu já vi Jamie receber de alguém. Não há dúvidas de que o laço entre os dois é o mesmo que tenho com Jamie. Eu. Que sou sua irmã de sangue.

– O que vieram fazer aqui? - George grita. Ele está irritado pois trouxeram Jamie. Permitiram que meu irmão se machucasse.

Há ferimentos no rosto perfeito de Jake e também perto do olho de Derek, mas nada comparado aos ferimentos de Jamie. Entendo a irritação dele.

– Todo mundo para dentro. - Uma voz masculina diz. Derek e Jake colocam-se rapidamente em minha frente. Wes e Dylan estão com armas apontadas para nós e sendo liderados pelo indivíduo central. Tyler. O homem ruivo que logo no primeiro dia alertara que me mataria, está certamente tentando cumprir sua promessa.

– Certo, não precisam responder a pergunta da Tess. - George diz.

Sob pressão das armas, subimos as escadarias em passos largos. Mas é quase como se fosse uma entrada comum, já que minha tremedeira para assim que Jake pega minha mão. Eu seguro a mão de George, que segura a de Jamie, que segura a de Derek. Subimos as escadas em uma corrente que parece inquebrável.

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Eles nos deixam parar de subir, quando não há mais lugar para onde se subir. Estamos no andar mais alto e o Centro de Comando do prédio principal.

Uma mesa branca está posta no centro da sala e adquire tonalidades azuis assim que as luzes do mesmo tom são acesas.

Observo novamente os integrantes do trio de Tyler. À sua esquerda, Wes, com um tapa olho do lado direito. À sua direita, Dylan, que sorri presunçoso.

Penso na noite passada. É provável que a presença de Dylan tenha sido efeito do Lyniop, mas perguntarei sobre isso para George depois.

– Ah, Wes. - Digo, livrando-me das mãos de Jake e de George, que quando percebem que me perderam já é tarde demais, e corro na direção dele. Quero abraçá-lo e pedir para que ele me perdoe, mas em vez disso, a costa de sua mão dá um tapa tão forte em meu rosto que me joga no chão.

Jake rosna para ele, e George tem que conter Derek para que ele não atravesse a sala. Os olhos verdes de meu pai brilham com tanta fúria que me lembro da noite em que matei minha mãe.

Levanto-me e tento correr para o lado de Jake de novo, mas Wes me joga no chão novamente, puxando minha trança única. O que ele está fazendo?

Suas mãos pegam um estilete em seu bolso. Ele sobe em cima de mim e já sei exatamente o que vai acontecer. Ele quer vingança. Quer me cegar da mesma forma que eu o ceguei.

– Você era o inimigo desde o começo. Consegue ver o que fez comigo? - Ele aperta minhas bochechas com violência, fixando meus olhos nos seus. Especialmente, no olho que agora nada vê.

A ponta do estilete roça meu rosto e sangue começa a escorrer.

– Acabe logo com isso, Wes. Não perfure minha pele se seu objetivo é atingir o meu olho. - Rosno.

Tudo acontece tão rápido, que mal consigo visualizar toda a cena. Em um segundo, a ponta do estilete está na frente de meu olho e na outra, Wes está do outro lado da sala, e Jake está ao meu lado, com o pescoço cortado.

Sangue jorra em minha blusa branca e então me desespero. Nunca tive nenhum dote na área da medicina. Levo minhas mãos à boca e faço a única coisa que me é conveniente. Rasgo um pedaço da minha blusa, deixando meu umbigo à mostra e também um ferimento perto dele, e pressiono no pescoço de Jake. Seus olhos azuis me fitam. Observando. Observando.

– Jake, você não pode! - Ordeno.

Em segundos, a malha branca do pano rasgado de minha blusa está ensopada de líquido vermelho. Me desespero demais para poder notar toda a cena que está acontecendo ali, longe de nós dois.

– Achei que era eu quem dava as ordens. - Ele diz, com esforço.

Esfrego o ferimento, tentando de alguma forma estancar.

– Nós dois podemos fazer isso. - Digo. - Está doendo?

– Não. - Ele sussurra.

Fico olhando para o seu rosto, perdendo todo o brilho que tem por natureza. Isso não pode acontecer.

– Derek! - Jake grita. - Tire ela daqui.

Novamente, é tudo tão rápido que mal consigo me mexer antes que as mãos de meu pai cerquem minha cintura.

– NÃO! - Começo a gritar. - NÃO! ME SOLTE! JAKE! ME SOLTE! JAKE, VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO. DEREK, ME SOLTE AGORA. NÃO. NÃO.

Ele entra em uma pequena sala, onde Jamie está sentado no chão. Seu rostinho não parece mais tão machucado em comparação com o meu.

A porta de vidro que cercava a pequena sala se fecha automaticamente. Paro de gritar e olho para Dylan, que está com a mão no controle. Ele nos trancou aqui dentro.

Parece que ele tenta manter nossa segurança, até que escuto o barulho de uma chicotada. Uma chicotada. Duas. Três. Quatro. Cinco.

Me levanto para me deparar com George, que está amarrado contra a mesa branca e com Tyler batendo nele sem parar. Vejo os olhos de Jake fixos na sala em que estamos agora. Ele está morrendo. E eles estão matando George também. Dylan não estava tentando manter nossa segurança. Estava simplesmente nos trancando para que não interrompêssemos.

– George, George, George. - Tyler murmura. - Não sabe o quanto me senti traído quando descobri que você era o filho de Bailee. Não sabe o quanto...

Ele puxa o cabelo de George, encostando sua cabeça quase nas costas, já que suas mãos estão amarradas e seus pés também. Ele não grita. Pelo contrário. Faz um silêncio que me deixa agoniada.

A porta se abre repentinamente e barulhos de salto alto invadem a sala. Clover entra em nosso campo de visão, mas corre para onde Jake continua sangrando e olhando para a sala onde estou trancada. Ela pressiona um pano branco em seu pescoço e o arrasta para o canto da sala. Jake está suando tanto que sei que o tempo está se esgotando.

Derek está esmurrando a porta e Jamie e eu estamos ajudando-o. Estamos parecendo animais enjaulados. Os mesmos rosnados dos dias no guarda roupa escapam de meus lábios.

Tyler não se importa, pois continua chicoteando George.

– Eu fui...o escravo pessoal de sua mãe, querido. - Ele continua. - E também fui o amante. Ah, eu amei Bailee. E como amei. Mas sabe? Ela me traiu. Traiu a minha confiança. Ela, assim como a mãe de Tessa, não recebeu a inseminação artificial, George. Você foi fruto do...

– Tyler! Você está fora de si. Largue o menino agora! - Clover grita.

– Ah, aí está você. Tão decepcionada quanto eu. Tão decepcionada, porque seu escravo pessoal foi o segundo amante de Bailee. Seu escravo pessoal é o pai de George. E você era apaixonada por ele.

– Não é um tempo de rancores agora, Tyler. Largue o garoto! - Clover levanta-se, mas se recusa a deixar Jake no chão.

Eu ainda esmurro a porta, enquanto solto barulhos selvagens de minha boca.

– É tudo culpa sua. - Tyler sussurra, desprendendo os braços de George da mesa. Depois as pernas. Suas costas esbanjam sangue e começo a chorar, enquanto pretendo quebrar minhas mãos esmurrando a porta. Inutilmente. O cadeado é automático e o controle está nas mãos de Dylan.

– Dylan, seu desgraçado! - Grito, com todas as minhas forças.

Tyler passa um estilete no braço esquerdo de George, fazendo um corte vertical.

– Isso é tudo culpa sua. - Ele sussurra, no ouvido de George. - Isso é tudo culpa sua.

– Tyler! - Eu grito. - É melhor deixar Wes me matar, porque se ele simplesmente me cegar, eu caço você até no inferno. Caolha mesmo! Eu vou matar você! Eu vou matar você!

Meu coração se acelera quando Tyler aponta uma arma na cabeça de George. Ele olha para o objeto, com nojo.

– Certo. Faça isso. Nunca pedi para viver. - George diz.

– George! - Eu grito. Não consigo parar de gritar.

A rapidez recomeça. Continuo gritando enquanto um tiro é disparado.

Paro de gritar.

Aproximo-me da janela bem a tempo de ver Bailee Mason enterrando uma segunda bala na cabeça de Tyler.

– Não com meu filho. - Ela sussurra, quando livra os braços de George das mãos firmes de Tyler, que cai no chão com violência. Ela o chuta, para mostrar o seu desprezo.

Dylan e Wes são lentos demais para entender o que está acontecendo. Bailee aponta duas armas na cara de ambos.

– Me passe esse controle, idiota. - Ela diz, para Dylan.

Ele passa, trêmulo.

– Vou decidir o que fazer com vocês.

Duas mulheres chegam para ajudar, no instante em que Bailee abre a porta da sala onde estávamos trancados.

Estou atordoada demais para dar qualquer passo em direção à saída, mas Derek e Jamie correm até onde Jake e Clover estão.

Bailee olha para as guardas recém chegadas.

– Levem esse garoto para a ala hospitalar. - Ela ordena. E depois volta-se para Jake. - Desculpe, por chegar atrasada. Vamos cuidar de você.

Saio do meu transe apenas para correr na direção de George e abraçá-lo com tanta força que me esqueço de seus ferimentos causados pelas chicotadas. Ele pousa seu rosto em meu ombro e eu choro, porque penso que eu podia tê-lo perdido.

Me afasto dele só no momento em que Bailee se aproxima. É inesperado, pois eu a abraço. A abraço pois acabou de salvar a vida do meu melhor amigo.

George me olha com o canto do olho roxo e sai de perto de nós duas.

– Obrigada. - Sussurro para ela. - Sério. Não só por George, mas por enviar Jake à enfermaria. Creio que se você não chegasse a tempo, estaríamos todos mortos.

– Espero que eu esteja pagando a dívida que tenho com você, Tessa. - Ela diz, para minha surpresa. - Espero que eu pague, daqui para frente, tudo o que fiz de ruim. George e você...vocês abriram meus olhos. Talvez, daqui há alguns anos, todas as mulheres possam ter o seu próprio George. Ou o seu próprio Derek. Ou o próprio Jake. Eles se sacrificam por você todos os dias. Sabe, isso foi o bastante para que eu entendesse alguns conceitos.

– Então...acabou? Não precisamos mais fugir ou coisas assim? - Pergunto.

– Estou mantendo vocês aqui por questões de segurança, Tessa. O problema de vocês agora não são as mulheres e sim os homens, que dentro de sua revolução, construíram sua própria revolução. E nesta, o principal objetivo não é me matar. É matar você e George. - Ela hesita. - Mas ninguém vai tocar em meu filho. Não mais.

– Ninguém toca em George. - Concordo.

Ela sorri e pega minha mão.

– Acordo fechado.

Sorrio para ela.

Chamo George para perto de nós com um aceno de cabeça. Ele aproxima-se calmamente.

– Acho que precisa dizer algo... - Digo.

– O quê? - Ele pergunta. - Acha que é díficil para ela colocar uma bala na cabeça de um homem?

– Certo, tenho que ir. - Bailee diz e começa a se afastar.

– De qualquer forma...Obrigado. - George começa. - Obrigado por salvar minha vida pela primeira vez...Mãe.

Seu tom não é de ironia e Bailee se vira para nós. Seus olhos verdes estão marejados de lágrimas, mas ela tenta se conter.

– Não há de quê, George.

Sorrio para ele e o abraço novamente, porque quero senti-lo ali. Me sinto trancada de novo na sala pequena, mas não esmurro a porta, porque essa sala me parece amigável. Me sinto em casa e tudo parece como antes. Nem parece que George acaba de ser torturado e nem que Jake está com um ferimento grave no pescoço.

– I love you, sister. - Diz George.

Olho para ele, com o Olhar de Zombaria.

– Desde quando fala inglês?

Ele sorri.

– Acha que eu sou o quê? - Ele pergunta. - Um homem?

Balanço a cabeça negativamente.

– Você só é um homem quando termina a faculdade. Por enquanto, é só o meu irmão.

Não me preocupo em falar com ele sobre a revolução dentro da revolução. E não me preocupo com Dylan e muito menos com Wes, que eu nunca perdoarei caso tenha tirado Jake de mim. Não me preocupo com o fato de que podemos ser mortos nos próximos minutos. Temos o agora e é isso que me importa. Saímos da sala que agora está vazia, apagando as luzes que nem deviam ter sido acesas.