– Ei. - Digo assim que entro na ala hospitalar. Jake é o único lá, e agora com um curativo no pescoço causado por mim e uma espécie de receptáculo de soro pendurado em seu braço, instalado bem em suas veias.

Ele morde os lábios de dor ou incômodo, quando tenta se levantar para me receber. Não é muito comum conversarmos com ele deitado, sem que estejamos abraçados, como na noite em seu Compartimento.

– Como se sente?

– Como eu me sinto? - Pergunto. - Esse não é o ponto, Jake. Como você se sente?

Ele me observa, calado. Típico.

– Isso perto de sua boca. Foi o que Wes fez, não foi? Com o estilete. - Ele questiona assim que me aproximo mais dele.

– Isso em seu pescoço. Foi o que Wes fez, não foi? Com o estilete.

– Perguntei primeiro. - Ele diz, e dá um sorriso triunfante.

– Certo, foi Wes. E sobre o seu corte no pescoço?

Ele ri, com esforço.

– Eu acho que ele deveria arrumar uma arma melhor do que um estilete, caso queira matar alguém. - Ele comenta.

– Ele veio com boas intenções, Jake. Veio com a intenção de me cegar e não de me matar, acorda.

Ele ri novamente, levando a mão ao rosto.

– Cara, você não existe, hein?

Pego em sua mão.

– Talvez não. Talvez em menos de um minuto algum cara do que Bailee e eu chamamos de "Revolução dentro da Revolução" entre aqui para me matar. Isso é tudo.

– Ninguém vai te matar, Tessa. Não enquanto eu estiver vivo. Eu prometo. - Ele diz, com uma segurança alarmante em sua voz.

– Não quero que se coloque em frente à um estilete para me salvar de novo, está entendendo? Prometa, Jake.

– Eu prometo. - Ele diz, calmamente.

– Certo, eu volto mais tarde. - Solto sua mão e beijo sua testa. Ele fecha os olhos azuis quando pressiono meus lábios em sua pele, então faço mais. Beijo seus lábios com a mesma intensidade que eu beijava no Compartimento. E não quero parar. Mas sou obrigada a isso, quando George pigarreia na porta da ala hospitalar.

– Não é recomendado fazer isso justamente aqui. Isso não é o Compartimento. - Ele diz sério, mas sinto o tom brincalhão em sua voz. Passo por ele, dando-lhe uma trombada nos ombros.

– Eu odeio você. - Digo.

– Ah, é mesmo, queridinha? O sentimento é recíproco. - Ele diz e manda-me um beijo. Sopro o beijo de volta e saio do hospital sorrindo.

Passo pela sala de convivência, onde Bailee e Derek jogam uma partida de...Espere. Bailee e Derek? Meu pai e a governadora do Continente Feminino, que há poucos meses queria sua cabeça exposta? Alguma coisa mudou...E muito.

– O que está acontecendo? - Questiono.

– Bem, se chama xadrez. O objetivo é... - Derek começa.

– Eu sei o que é. Só quero saber o que... - Aponto para ambos. - é.

Bailee sorri e pisca para Derek.

– Bom, o objetivo é dar um cheque-mate no rei do oponente. - Ela diz.

Encaro Derek e logo após, Bailee. Não esboço nenhum sorriso, mas a expressão divertida no rosto de ambos me deixa com vontade de rir. Seguro-me ao máximo.

– Estão supostamente brincando comigo? Porque isso não é engraçado.

– Não é isso que as lágrimas por tentar conter a risada dizem, Tess. - Derek sorri e ambos voltam-se para o jogo.

– Querem me explicar o que está acontecendo? A revolução está terminada? A guerra, eu quero dizer?

Derek ri.

– Tess. Isso é uma trégua. Somente entre nós, já que os outros homens estão focados em sua própria revolução. A nossa revolução pede a igualdade entre ambos os sexos. A deles, pede o contrário do que está ocorrendo agora. - Ele diz.

– Você quer dizer...mulheres escravas dos homens?

– Sim. - Bailee diz. - Exatamente isso. Não estou disposta a servir um bando de animais, sem ofensas, Derek. Não mesmo. E também não estou disposta a ver meu Continente sendo arrasado pela força bruta. Estamos nos dando essa trégua. Vamos lutar juntos, por enquanto. E sabe qual é o principal objetivo deles agora? Matar você. Matar George. Matar Jake. E é por isso que vocês estão partindo em dois dias, apenas o tempo para que Jake se recupere.

Levo pelo menos vinte segundos para processar o significado de partir.

– Você quer dizer, para um outro prédio mais escondido? Um lugar de completo sigilo aqui?

Ela ri e meu pai a acompanha nas risadas.

– Não, tolinha. Eu me refiro ao Continente Feminino.

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– Mãe, eu não estou partindo. Aliás, não vou a lugar nenhum. Não sou qualquer tipo de covarde que deixa a luta para trás e se aloja em um apartamento com tratamentos cinco estrelas. Não sou desse tipo. - George protesta assim que é comunicado. - E além do mais, não posso deixar Jamie, Derek e Clover desprotegidos. Ainda não confio totalmente em você.

– Já que não confia em mim, porque me chama de mãe? Vamos, George. Você não tem escolha. Seja um bom garoto.

– Bem, eu sou um garoto ruim, então. Pois não vou a lugar nenhum.

– Estou com George. - Digo.

– Eu também. - Jake concorda.

E em trinta minutos, estamos dentro de um avião. Rumo ao lugar onde lutamos para sair.

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Duas semanas desde que chegamos no Continente Feminino se passa. Nada de interessante acontece aqui. Estamos no apartamento governamental de Bailee e é um lugar enorme, onde se escutam passos a noite, por isso, durmo no meio de George e Jake. E dormimos no meio da sala, em colchões infláveis.

– Aposto que todos esses passos são das crianças que já morreram pelas mãos das guardas de Bailee. - George diz.

Olho feio para ele.

– George. Estou com medo, tá?

– É a minha teoria. - Ele dá de ombros.

– George, cale a boca. Ela precisa dormir pelo menos por uma noite inteira sem ter pesadelos. - Jake diz. Ele já está virado para o seu canto e provavelmente dentro de uma hora entará dormindo, apesar dos passos no andar de baixo. E no de cima. E no mesmo andar em que estamos.

– Este lugar é definitivamente assombrado. - Pego a mão de ambos e me enfio dentro do cobertor, fechando os olhos com força e não abrindo-os pelo resto da noite, apesar de estar acordada.

Jake vira-se para mim, durante a madrugada.

– Deveria dormir. - Ele diz.

– Eu deveria. Deveria mesmo. Mas eu não consigo.

Ele segura minha mão com mais força e me aconchego em seu peito, ainda segurando a mão de George.

Me enrosco tão bem em Jake, que meu ouvido esquerdo é tampado por sua camiseta e o direito é tampado pelo cobertor. Sinto que finalmente conseguirei dormir.

E é isso que faço.

Na manhã seguinte, George não está mais do meu lado quando acordo, mas Jake está. E dormindo tão profundamente, que permaneço onde estou, com minha mão grudada à sua para não acordá-lo. Acabo dormindo novamente.

Quando acordo de novo, meus olhos percorrem a sala e percebo que estou sozinha.

– George? - Chamo, levantando-me rapidamente. - Ah meu Deus, não posso ficar sozinha nesta casa.

Ouço barulhos no andar de baixo. Na cozinha. Desço as escadas depressa e encontro ambos trabalhando em alguma obra culinária.

– Meninos? - Chamo.

– Feliz aniversário, Tess! - Eles dizem, em uníssono.

Olho para o calendário na geladeira. Sim. Vinte e cinco de setembro.

– Obrigada. O que estão fazendo aí? Espero que seja algo para mim, porque estou faminta. - George passa e me dá um beijo com cheiro de chocolate na bochecha. - Aposto que isso em sua boca era brigadeiro, George Mason. Eu quero.

– É mais que brigadeiro. É um bolo de.

– Você está brincando? - Digo para Jake. Ele se aproxima para segurar minha cintura e me abraçar, rodando pela cozinha. - Eu amo brigadeiro.

– E eu amo você.

– Pensei que não era meu escravo para cozinhar para mim.

– De fato, não sou.

– Onde está George?

– Ele saiu. Provavelmente, foi ao mercado. Você tem que ver como as meninas daqui adoram o filho de Bailee Mason.

– Você está brincando? - Digo, já rindo. - Eu quero ver isso. Eu preciso...

Um estrondo no andar de cima interrompe minha fala.

– Isso não é um dos passos macabros, com certeza.

– A não ser que Bailee já tenha matado um elefante. - Respondo.

Subo na frente de Jake, com meu arco e flecha apontado para o que quer que seja. Mas é inútil. A não ser que eu possa acertar o fogo.

– Não pode ser. - Corremos para o quarto mais alto da casa, tentando fugir das chamas. É impossível. - Vamos ter que pular nessa janela, Jake. Agora. Temos que ser rápidos antes que as chamas alcancem a parte de cima. E quem quer que tenha feito isso, fez com a intenção de causar um incêndio. E deve estar fazendo em todos os andares. É uma questão de tempo até que tudo pegue fogo.

Estamos no quarto mais alto, forçando a janela a se abrir. Não estamos tendo resultado algum. Posso sentir o calor nos alcançando e sei que estamos mortos. Mortos.
Jake abre uma fresta da janela. É o suficiente para que passemos por ela.

– Vamos. Vem. - Digo. Puxo sua mão, no instante em que um ferro enorme cai de cima do telhado, bloqueando o pouco de passagem que nos restava. O fogo já consome a porta do quarto. Alguém já tinha jogado gasolina ou algo do tipo antes que entrássemos ali.

– É impossível. Só um pode sair nesse espaço de tempo e no espaço que a janela permite. - Jake diz. Posso sentir o calor se aproximando mais e mais. Quase não posso respirar.

– Vai. - Digo para ele. - Salve-se a si mesmo, assim como já tentou me salvar uma imensidão de vezes. É a minha chance, Jake. É a minha chance de salvar alguém que eu amo, sem que essa pessoa se machuque.

– Não vou. - Ele diz. Fecho meus olhos e aperto firme sua mão.

– Então vamos morrer aqui. - Respondo. - Cobertos pelo fogo. Mortos em um incêndio.

No momento em que sua mão me aperta mais forte, sei que cometi um erro e que já é tarde demais para considerar uma tentativa de repará-lo. Jake passa minha cintura pelo espaço curto da janela e estou fora. O ferro enorme fecha ainda mais a janela e sei que está acabado. Espanco a janela, tentando quebrar o vidro, mas o fogo se aproxima. Cada vez mais.

– Jake, você me traiu. - Choramingo. - Você prometeu para mim.

Ele arfa, buscando ar e sinto como se um pedaço de mim estivesse sendo arrancado neste exato momento. Não há esperança. Não há mais nada. Estou paralizada na frente da janela, esperando para vê-lo queimar.

– Eu prometi que nunca mais a salvaria de um estilete. - Ele me lança um sorriso que ainda me deixa tonta, apesar da palidez que agora inunda sua pele. Continuo esmurrando a janela, que descubro agora mesmo ser blindada.

– Não. Você não pode estar fazendo isto comigo, Jake, você não pode me deixar!

– Me desculpe. - Ele diz. - Eis minha última ordem: encontre George. Vão para o lugar mais longe e mais escondido que consigam achar. Não tente descobrir quem incendiou a casa. Cuide de Jamie. E cuide de você. Faça isso por mim. Não morra. - Ele diz. - Eu amo você.

– Não! Você não pode... - Ele não tem escolha. Não posso ser tão egoísta a ponto de dizer o que ele pode ou não pode fazer neste momento. Digo-lhe a verdade. - Eu amo você. Obrigada por amar todas as Tessas que eu sou. Eu também amo todos os Jakes que você é.

– Eu sei que expressão é essa. Se sente culpada. - Ele diz. - Não se sinta.

– Talvez você esteja errado. Estou me sentindo arrependida. Eu deveria ter me aproximado de você enquanto você ainda me observava. Ou nunca ter me aproximado, já que se não fosse por mim, você não fosse morrer. - Eu me desespero. Lágrimas já não são simplesmente lágrimas. É a única forma que encontro de tirar a dor de perder alguém. De saber que irei perder alguém e não poder salvá-la.

– Você é a melhor pessoa que eu já conheci em toda minha vida. E as melhores pessoas sempre vencem.

– Isso é nos filmes, Jake. Não na vida real.

– Faça isso por mim. Vença. Continue viva. Lute. Seja forte. Seja brava. Seja firme. Seja exatamente o que você é.

– Vou sentir falta do futuro que eu poderia ter tido com você. - Digo, por fim.

Ele sorri e fecha os olhos azuis. Sei que é a última vez que verei alguma coisa naquela tonalidade.

– Não! - O apartamento governamental explode, lançando-me pelos ares.