A floresta. Meu lugar preferido no Continente Masculino está novamente aberto para mim. Para mim e para George, que durante as duas semanas seguintes à minha sentença de liberdade, me acompanha nas minhas horas de loucuras envolvendo planos e folhas de árvores grandes.

Ensino-o a atirar com flechas e ele me ensina a desenvolver uma técnica de defesa e ofensividade numa luta corpo a corpo. Não deixo de observar o quanto ele é bom nisso.

Treinávamos um ao outro, como sempre fazíamos, quando o buraco onde o elevador passa para deixar alguém da população subterrânea no térreo, se abre para exibir Katy e Dylan. Sorridentes. De mãos dadas. As duas semanas um ao lado do outro aparentemente fizeram bem para ambos.

George revira os olhos e não se abala, pois a flecha acerta o centro do alvo. Bato palmas e dou alguns pulinhos, de brincadeira, enquanto George estala a língua em um gesto de puro desdém.

Katy me acompanha nas palmas, como se não entendesse que é indesejável no momento George/Tessa.

– Está ficando ótimo nisso, George. - Ela comenta.

– O mérito pode ir para Tess também, que é uma ótima arqueira e aparentemente uma ótima professora. - Dylan comenta, e me dirige um sorriso meio torto.

– Acho que eu não estava com o arco nas mãos quando, que fique bem claro, GEORGE acertou o alvo. Então, o mérito é todo dele. - Rebato.

O sorriso de Dylan não diminui e aquilo me incomoda.

– Obrigado, Tessa. - George murmura. - É mesmo de suma importância que alguém reconheça meu talento com um arco.

– É difícil não acertar o alvo quando ele não passa de vinte e cinco metros e é totalmente livre de árvores ao redor. - Murmuro de volta.

– Você não existe, hein? - George rebate. E por um momento esquecemos totalmente da presença de Katy e Dylan e nos atacamos seguindo o padrão de luta corpo a corpo, ofensividade e defesa. Isso só acaba quando George deixa meu corpo imprensado contra uma árvore úmida e me debato, sem chances de sair de lá.

Ele sorri e me ajuda.

– Você pode ser boa no arco e flecha, mas eu sou melhor nisso.

– Vou tentar me lembrar disso antes de atacá-lo novamente. Obrigada.

É quando saímos do transe que notamos a presença de Dylan e Katy. Eles ainda nos observam. Os olhos de Dylan estão iluminados o suficiente para nos orientar caso haja um blecaute.

– Está ficando boa em luta corpo a corpo também, Tessa. - Diz ele.

– Pelo que estou vendo a convivência entre vocês dois está aprimorando as técnicas de sobrevivência cada dia mais. - Comenta Katy.

George e eu lançamos a eles o mesmo sorriso amarelo e embarcamos no elevador, cientes de que eles esperavam que deixássemos ambos a sós na floresta.

George não fala nada até pelo menos metade da nossa viagem de volta até o subterrâneo.

– Climão, hein? - Ele zomba.

Não consigo resistir e solto uma gargalhada.

– Realmente...uma saia justa.

Ele não entende a metáfora e passo o resto do trajeto explicando-a.

Assim que atingimos a cidade, Jamie corre até nós.

– George! - Ele grita. - Você precisa ver o que Jake e Derek fizeram! Venha! Alguém viu o Dylan? Ele também precisa ver

– Opa, opa, opa, opa, Jamie Stolpeen Ripling. Aonde pensa que vai levar meu treinador sem me convidar? Dylan está no térreo com Katy

Ele parece notar minha presença naquele momento e enruga sua testa quando nomeio a companheira de Dylan.

– Ah, oi Tessa. Você não está convidada porque é uma coisa só para homens. É necessário muita força para girar as engrenagens. Não é recomendado para pessoas frágeis como garotas.

A última frase me acerta em cheio.

– Pois vou logo atrás de vocês e vou mostrar que consigo fazer exatamente o mesmo que vocês fazem. E até em um tempo menor.

George e Jamie lançam olhares zombeteiros um para o outro.

– Eu não faria isso novamente. Tenho meu arco e minha aljava lotada de flechas bem em meus ombros. - Observo.

– A fraqueza dela é no corpo a corpo, Jamie. Se quiser pegá-la, lute com ela sem o arco e flecha. Ela se cansa em pouco tempo e aí fica muito mais fácil. - George dá as dicas para o meu irmão.

– Cale a boca.

– O difícil é ela estar sem o arco e flecha. É por isso que ela tem total controle em suas lutas com as guardas da aldeia, não é? Danadinha. - Diz meu irmão.

– Querem fazer o favor de calar a boca?

– Não! - Eles respondem em uníssono.

Caminho em silêncio, ouvindo-os tagarelar sem parar. O que quer que seja isso que Jake e Derek construíram, não parece ser um arsenal de armas pois Jamie estava por dentro disso. E Derek não permitiria que Jamie estivesse por dentro de um arsenal de armas. Disso eu tenho certeza.

Chegamos ao Centro de Controle da cidade. Derek e Jake tagarelam algo que não faço a mínima ideia do que se trata, até que chego mais perto.

– Tessa! - Jake me saúda. - Como vai? Seja bem vinda.

– Bem. - Respondo. - Obrigada. - Ainda fico desconcertada na presença do loiro de olhos azuis.

– George, venha ver isso. - Jake chama. George o segue até enormes engrenagens de ferro giratórias e começa a explicar algo que não compreendo ao longe.

– Oi, queridinha. - Diz uma voz feminina enjoativamente sedutora. Clover.

– O que faz aqui? - Respondo bruscamente.

Ela dá um sorriso sarcástico.

– Eu moro aqui há mais de um mês.

– Eu não estou me referindo à cidade. Estou me referindo ao Centro de Controle.

– Ora, estou com Derek. - Ela responde, como se fosse uma coisa extremamente normal.

– E por que está com Derek? Por que ele ao menos quer você por perto?

Ela solta uma risadinha tímida. Aproximo-me da mesa de centro para pegar uma xícara de café e levar o líquido preto à boca.

– Acho normal que as pessoas gostem de estar perto uma da outra quando estão namorando, queridinha.

Cuspo o café no carpete do Centro de Controle e deixo a sala antes mesmo de ver o que as engrenagens giratórias enormes fazem.

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– Eu sabia que me seguiria. - Digo.

Derek está atrás de mim, que estou completamente encharcada de água salgada. Penso em me desculpar pelo café ou por ter dado um ataque mas simplesmente espero ele sentar na areia ao meu lado e me enrosco em seu colo como eu fazia quando tinha nove ou dez anos.

– Por que? - Pergunto.

– Ás vezes, essas coisas acontecem, Tess. - Ele diz, chamando-me de Tess pela primeira vez, já que anteriormente, era apenas Dylan quem fazia isso. - Ás vezes, você conhece pessoas que realmente se importem com você e te fazem se sentir especial.

– Você tem a mim e a Jamie para isso.

Ele pisca e concorda com a cabeça.

– Você também tem a mim e a Jamie, mas mesmo assim precisa de Dylan. Ou precisou.

– Por que não contou para mim sobre Clover e você, então?

– Por que não contou para mim sobre Dylan e você, então?

Penso que ele está certo. Agiu como um adolescente ao me esconder seu relacionamento com Clover, mas também agi mal por esconder sobre Dylan e eu.

– Tudo bem. Já passou. Digo, ambas as coisas. Tanto Dylan, quanto meu estresse e surpresa a respeito de Clover e você.

– Está aí outra coisa que me deixou bastante irritado. Você não procurou a mim para desabafar quando Katy chegou e Dylan deixou você. Procurou a George. Está certo que um foi o ponto de força do outro, mas de certa forma, estou aqui para isso, Tessa.

Coloco o dedo mindinho sobre a boca e dou dois beijinhos.

– Não vai mais acontecer. Promessa. - Digo.

Ele sorri.

– E saiba que não importa quantas mulheres bonitas eu conheça, você sempre será a rainha de todas elas.

– A Rainha do Desastre. - Sugiro.

– A Rainha da Beleza. - Ele sugere.

Finjo pensar por um instante. Levo meu dedo indicador ao queixo, indicando que estou pensando ainda. Ele espera calmamente.

– Ainda acho que a Rainha do Desastre é melhor, você não acha?

Ele faz uma careta.

– Sim, eu acho. - Ele concorda, por fim.

Ambos rimos.

– Eu te amo. - Digo, olhando para o seu rosto que fita a imensidão marítima a nossa frente.

Ele sorri e me puxa para mais perto ainda de seu corpo, até que não haja mais nenhum espaço entre nós dois.

– Eu te amo também. Tanto que até dói.

– Hm. Certo, o que está verdadeiramente doendo é você pressionando meus ossos com seus braços excepcionalmente fortes.

Ele ri e me solta um pouco.

– Esqueço que você é apenas uma garota frágil. - Diz ele, com o intuito de me provocar.

– Idiota. - Resmungo.

Somos interrompidos por passos apressados. George e Dylan saem esbaforidos de trás das árvores que escondem a praia.

– Ah...Graças a Deus. - Dylan exclama.

George corre ao meu encontro e quase me esmaga em uma mistura de abraço e retomada de fôlego.

– O que aconteceu? - Pergunto.

– Um desastre. - Dylan diz.

Derek e eu nos entreolhamos. Aposto que esse desastre é culpa minha. A Rainha do Desastre ataca novamente.

– Bailee Mason anunciou em um canal televisivo mundial que está vindo nessa semana para o Continente. Ela diz que vai vir fortemente armada e com mais alguns reforços femininos do exército especialmente para caçar vocês dois. Ela disse que só volta para o Continente Feminino quando estiver com a cabeça de Derek Ripling e Tessa Stolpeen em mãos para expor em praça pública no outro Continente. - Dylan explica, ainda esbaforido.

– Certo, Derek, a Rainha do Desastre acaba de te coroar Rei do Desastre. Boa sorte com o título. - Digo.

– Obrigado, mas eu acho que o título de Morto e Exposto Em Praça Pública cairá bem em menos de uma semana. - Ele diz.

– Idem. - Respondo.

– Vocês dois querem parar de brincar com algo sério? - Dylan extravasa.

Abaixo-me para pegar meu arco.

– Esperem a governadora chegar, garotos. Ela não vai conseguir expor a cabeça de Derek e nem a minha, - Encaixo uma flecha no arco e miro o alto de um galho seco. Acerto e ele desaba no chão, bem atrás de Dylan. - caso nós dois exponhamos a dela em nossa cidade subterrânea primeiro.

Sorrio de um jeito que imagino ser suficientemente frio e perverso, de forma que as expressões de Dylan e George se tranquilizem e eles acreditem fielmente em minhas palavras.