– Tessa, corra! - Jamie voa por entre as árvores, segurando-se apenas na confiança de que pode correr mais rápido do que os carros enviados pelo governo feminino.

– Jamie, não dá! Não podemos correr. Não posso deixar George para trás. Não com elas tendo total posse dele. - Ele vira-se e quase choca-se contra um tronco de árvore grosso. - Vá você. Chame Derek ou Jake. Chame qualquer um. Eu preciso de ajuda.

Jamie interrompe bruscamente seu ritmo.

– Eu posso ajudar você. - Diz ele.

– Você me ajudará muito se buscar ajuda.

– Eu posso ajudar você! - Ele grita, irritado.

– Jamie! - Eu grito de volta. - Faça o que eu mando! Agora!

Ele não faz. Ele apenas contorna a direção que seguiria caso fosse para a cidade subterrânea e para ao meu lado. Ele não sairá do meu lado.

– Jamie, droga!

– Você poderia dizer "faça o que eu mando" para Dylan, Tessa. Ele é seu escravo. Eu não. Sou apenas mais um dos meninos que deveriam se tornar escravos em menos de sete anos. - Ele sussura. - À propósito...hoje é meu aniversário de nove anos e estou tomando a minha própria posição. Eu vou lutar como George. Quero ser como ele. E aliás, já sei mais sobre luta corpo a corpo do que você. Agora, se me dá licença, vou resgatar meu único amigo.

E corre para a direção oposta, como se não tivesse acabado de declarar sua liberdade fraternal aos nove anos de idade.

Jamie amadureceu. E eu que sempre acreditei que ele permaneceria sendo o meu menininho ingênuo do porão, que não sabia de absolutamente nada do que o aguardava nos andares de cima de nossa casa, fico aqui. No meio da floresta. Imobilizada porque agora que ele tomou partido de permanecer ao lado dos homens fugitivos. Porque agora ele corre tanto perigo quanto eu. Quanto Derek. Quanto Dylan. Quanto Jake. Quanto Wes. Quanto George.

George.

A simples menção do nome, mesmo que em meu pensamento, congela os meus orgãos internos e então desperto. Corro, seguindo os barulhos dos sapatos de couro pesados de Jamie pisando firme no solo pedregoso.

– Espere! - Grito. E também espero. Espero até que ele obedeça. E ele o faz.

Assim que o alcanço, ele aumenta seu ritmo novamente. Seus cabelos castanhos e lisos estão sendo lançados para todos os lados, numa confusão escura em meio às árvores que passam por nós como um borrão verde vivo.

Quando ele me fita pela primeira vez desde que proclamou sua "independência de irmã", seus olhos verdes como os de Derek, brilham de entusiasmo.

– Posso sugerir um caminho? - Ele diz.

– Claro, parceiro.

Ele diminui o passo e sorri.

Quando aponta para um dos lados da floresta, três figuras escuras irrompem atrás de nós. Me viro, arco em punho. Pronto. Elas nos pegaram. Pegaram meu irmãozinho.

– Derek, droga! - Berro, assim que localizo os olhos verdes na escuridão que a floresta nos proporciona.

Ele não se desculpa. Pelo contrário, pega meu braço com força e me impulsiona contra a árvore mais próxima e, provavelmente mais áspera, pois no momento em que minha pele entra em contato com o tronco, começa a formigar e logo após, a doer.

– Nunca mais faça isso, entendeu? - Ele berra tanto quanto berrei. - Nunca mais saia da área liberada para que vocês fiquem sem avisar a ninguém. Eu quase morri de desespero.

– Você está vivo, Derek. Ou por acaso é Jesus? Solte meu braço agora. - Grito, tão irritada quanto ele aparenta estar. - É claro, porque tive todo o tempo do mundo para avisá-los. Eu poderia avisá-los realmente, já que lutei para salvar a vida de Jamie e a minha própria. Elas invadiram a praia, exatamente onde estávamos.

Jamie observa tudo tão quieto quanto os dois homens que acompanham Derek.

– E agora...E agora eu preciso resgatá-lo. Eu preciso...Preciso... - Começo a gaguejar sem nenhum motivo aparente. Até que percebo o porquê. Minha garganta está fechada. Fechada.

– Quem você precisa resgatar? - Um dos homens que estão com Derek fala calmamente.

– Quem? - Derek grita.

O grito dele fecha ainda mais minha garganta. Está claro que ele está irritado, com os nervos à flor da pele, mas eu também estou.

– Não grite comigo! Não vou suportar se você também estiver com tanta raiva de mim a ponto de querer gritar comigo o tempo todo. - Digo, direcionando toda a minha raiva à Derek. Eu não ligo.

Ele se reposiciona em minha frente e olha nos meus olhos, da forma doce como costumava fazer até duas horas atrás. Sem nenhum estresse. É apenas o meu Derek.

– Quem precisa ser resgatado, Tess? - Ele repete.

É nessa hora que percebo que minha garganta está totalmente fechada. E eu realmente não sei porquê até que desabo. Eu não consigo ao menos respirar sem que jorrem lágrimas de meus olhos.

– George! - Grito, em meio ao choro que parece interminável.

Derek me abraça com força contra seu peito e começa a lutar contra as minhas lágrimas que descem pelo meu rosto como uma cachoeira. Ele passa seu dedo delicadamente sobre cada uma delas, que continuam caindo sem parar.

– Ei. Ei. Não chore. Tess. Olhe para mim. O que está acontecendo?

Penso um pouco, enquanto luto para conseguir fazer com que saiam outras coisas de minha boca além de gemidos irritantes e barulhos que garotas mimadas fazem. É isso que estou parecendo. Uma garotinha. Agora eu sou minha mãe e Derek continua sendo Derek, tentando fazer com que eu me sinta melhor, não importa o que eu tenha feito.

– Bom, quer que eu enumere? - Digo em meio às lágrimas. - Certo. Eu ainda acho que matei minha própria mãe, comecei uma revolução um tanto quanto estranha, a governadora do Continente Feminino fortemente armada jurou morte à uma das únicas pessoas que eu amo no mundo e à mim, todos os que eu tento proteger acabam nas garras das guardas desse Continente, meu irmão acaba de anunciar que está junto com os rebeldes e correndo o risco de morrer a qualquer momento, e por último mas não menos importante, Derek, estou sofrendo calada por uma droga de desilusão amorosa. Eu acho que não vou suportar se perder uma das únicas pessoas que estão me ajudando a superar todos esses itens.

– Vamos trazer George de volta. - Promete Jamie. - E quanto ao item envolvendo a mim...não se preocupe comigo. Já sou um homem quase formado.

Bom, pelo menos a minha garganta não está mais fechada. E nem escorrem mais lágrimas pelo meu rosto. Estou apenas grudada ao corpo de Derek, olhando para o rosto de meu irmão, que promete que resgataremos meu amigo.

– Estou tão esgotado quanto você. - Diz Derek. - Eu choraria agora mesmo, caso não soubesse que você é muito fraca em assuntos que envolvem Derek e dor. E lágrimas, com certeza significam dor.

– É isso aí. - Digo. - Geralmente sou muito fraca em assuntos que envolvem Derek e qualquer outra coisa.

Mesmo no escuro posso ver o branco de seus dentes e sei que ele está sorrindo.

– Quer saber de algo? Acho que já é o momento certo para isso. Ainda mais agora, que nos demos o luxo de ter esse momento sentimental...

– Não temos tempo. Não sei o que elas estão fazendo com George, pai. - Jamie diz, apressado.

– É. Vamos salvar George.

Fico curiosa para saber o que ele me contaria, mas isso pode esperar. Pode esperar.

Corremos pela floresta seguindo a direção exata do local onde George está confinado, pois já sabemos onde o estão mantendo. No mesmo lugar onde mantiveram Dylan. O farol.

Os dois homens entram juntamente com Derek, fazendo qualquer tipo de bagunça que podem, para que Jamie e eu penetremos com sucesso na direção da sala da porta de ferro. Ele está lá. É claro que está.

Subimos a escada apressadamente, sem que qualquer guarda nos incomode, já que estão todas ocupadas lá embaixo. A porta de ferro está aberta, o que me deixa um pouco grilada. É como se fosse uma armadilha...

De repente me lembro de um detalhe que pode ser útil. Bailee Mason está no Continente.

– George, vamos! - Eu digo assim que abro a porta. Ele levanta-se apressadamente, seu rosto avermelhado e ensanguentado. Seus cabelos castanhos estão sendo puxados para a sua testa por conta do sangue que escorre.

– Bailee Mason está... - George começa a dizer.

– Jamie, ajude-o. - Grito, descendo as escadas o mais rápido que posso. Bailee Mason está no Continente.

Bailee Mason está no Continente. As palavras martelam em minha cabeça, tanto quanto devem estar martelando na de George. Ele apressa o passo, apesar de os cabelos estarem lambendo seus olhos azuis.

Assim que passamos pelo corredor principal, vemos a anarquia formada. Um dos homens de Derek está no chão, quase impossibilitado de correr e engatinhando para fora da instalação. Ele deve ter apanhado demais ou sido eletrocutado com um eletrosingular.

Abaixo-me para ajudá-lo. Derek corre atrás de nós, e seu outro companheiro está logo atrás dele. Começamos a entrar na floresta quando um sino intenso corta o ar. Bom, se isso não me deixou surda, nada mais o fará.

São os segundos que perdemos com o som que possibilitam que alguém se aproxime de nosso grupo. Bailee. Eu sei que é exatamente ela.

Mas na confusão de colocar Jamie atrás de mim e de George tentar entrar em minha frente, um tiro é disparado.

Preparo-me para me sensibilizar pela vida perdida de um dos homens que moravam na cidade conosco e que provavelmente tinham alguma esperança de voltar para lá, assim que resgatássemos George. Alguém que teria o Compartimento na cidade completamente esvaziado pois sua vida havia acabado. Eu tenho certeza de que a vida dele acabou assim que vejo a mancha vermelha de sangue espalhando-se pela camiseta branca.

O mundo está em câmera lenta. Seja lá qual dos dois homens que está caindo nesse momento, ele se jogou na frente do tiro para salvar a mim. O corpo continua caindo, após sua camiseta embebida de sangue passar pelos meus olhos. O pescoço. A boca. O nariz.

Os olhos. Cheios de horror e dor.

– Bom. Um a menos. - A voz cheia de veneno de Bailee repercute no ar e me tira do transe.

Os olhos.

Os olhos. Os mesmos olhos que me fitavam por horas no dia e me acalmavam em apenas segundos. Os mesmos olhos que eu estava acostumada a ver assim que acordava, não importava o dia.

Os olhos.

Eu grito. George segura o meu braço para me manter em pé, inutilmente.

Derek.