KAI

Eu já estava me sentindo mal muito antes de apanhar, mas agora, acho que preferiria estar morto, ou talvez até esteja e não tenha percebido. Estamos em uma escuridão total, seja lá onde que estamos presos se mexe e sacode me deixando ainda mais enjoado, o gosto em minha boca e cheiro em minhas roupas não ajudam tampouco.

Ninguém fala nada, seja por medo, cansaço ou simplesmente porque não há o que falar. Fomos capturados, lutamos tanto, para acabarmos capturados.

Perco a noção de quanto tempo ficamos aqui, parece ser tanto tempo, estar enjoado e passando mal também não ajuda, o tempo parece demorar mais do que de fato demora.

— Será que esses trecos nos nossos pescoços são os inibidores? – Sehun pergunta de repente. – Antes eu conseguia fazer alguma coisa, agora estou totalmente sem poderes.

— Provavelmente. – Suho responde com dificuldade um pouco mais próximo de mim.

— O que faremos agora? – Pergunto mais desesperado do que pretendia.

Ninguém fala nada.

O silêncio sufoca tanto quanto a escuridão.

Depois de muito tempo, finalmente sinto a velocidade diminuir e os sacolejos de um lado para o outro pararem, alguém bate três vezes do lado de fora e as portas se abrem, uma luz cegante machuca meus olhos, mas não é luz do Sol, é uma luz branca, e constante.

— Saiam do camburão. – O soldado ordena apontando armas para nós.

Eu sou o que estou mais perto e saio primeiro, tomando cuidado para não irritar os soldados novamente e levar outra pancada, mas Chen não tem a mesma sorte, assim que pisa no chão, suas pernas sedem e ele cai de joelhos, tendo que ser amparado por um soldado que o puxa de pé novamente e o acerta no rosto com a parte de trás da arma – Vê se fica em pé e anda direito.

Somos colocados em fila, um soldado na nossa frente, dois de cada lado e um no final. Estou na frente, seguido de Chen, Suho, Xiumin e Sehun.

Algo aqui me lembra a antessala onde enfrentamos a quimera há alguns dias, é uma sala grande e ampla, paredes cinzas, não consigo olhar para trás para ver o que me trouxe até aqui, mas a nossa frente vejo uma única porta pequena bem no centro da parede, soldados andam de lá para cá, várias caixas pretas com armas dentro, olho a minha esquerda e vejo um trambolho de metal preto e a palavra camburão pula em minha mente, será que fomos trazidos nisso?

Meu coração parece bater em meus ouvidos, minha testa está coberta de suor e sinto meu cabelo colado nela, minhas pernas bambeiam e me sinto mole, mas não sei se é cansaço ou medo, ou se ainda estou me sentindo mal da comida que ingeri.

O soldado a minha frente abre a porta, passa direto e nos manda fazer o mesmo, estamos em um corredor não muito mais largo que os do labirinto, paredes de blocos cinza, luzes brancas e cegantes no teto, agora o silêncio é quase tão sufocante quanto dentro do camburão, tudo que ouço são os passos ecoando.

No final do corredor, outra porta, de metal, ela se abre no meio com um ping e vejo paredes marrom claro com um espelho.

— Entrem. – O soldado ordena.

Nós o obedecemos, dois ficam fora e dois entram conosco.

Um deles aperta um botão a direita, as portas se fecham e sinto algo se mover.

Depois de alguns momentos as portas se abrem novamente, em um lugar totalmente diferente.

Não há um corredor longo e vazio, ou uma grande antessala, estamos em um lugar com paredes cobertas de monitores para todos os lados, divisórias de vidro, camas e pessoas vestidas de roupas brancas e uma faixa vermelha no braço indo de lá para cá.

— As cobaias restantes foram localizadas e estão sendo entregues para a ala médica. – Um dos soldados fala.

— Ótimo soldado, aguarde um momento, o chefe da ala médica irá se encarregar.

Imediatamente reconheço essa mulher falando com o soldado, não porque eu já a tenha visto antes, mas da descrição de Luhan, cabelo muito loiro, cara de tédio e um tapa olho, só pode ser Krystal.

Meu corpo reage da maneira que reagia quando eu estava em perigo dentro do labirinto, sinto meus músculos retesarem, fico atento a tudo ao meu redor, ou pelo menos tento, na medida do possível, mas o mal-estar ainda é muito forte.

Mas se tem uma coisa que Luhan deixou claro, é que essa mulher é muito perigosa.

Ela vai para o fundo da sala e então volta com outro homem, cabelo um pouco grande, passando as orelhas, parece cansado e irritado – Dr. Choi Jung Hoon, para onde essas cinco cobaias devem ser encaminhadas?

— Podem levá-los para o fundo da sala, as equipes de limpeza irão começar a cuidar deles. – Ele responde sem muita paciência e evitando olhar para Krystal, como se tivesse medo dela.

Daí para frente, tudo foi uma grande bagunça e eu não consegui entender direito. Outros homens vestidos de branco, acompanhados de soldados, nos levaram para um quarto pequeno, tiraram nossas roupas e jogaram jatos de água quente em nós cinco, depois nos deram roupas brancas e nos levaram para outra sala, lá uma mulher de roupas brancas, acompanhada de dois soldados, nos analisou por alguns momentos.

Palavras pipocavam em minha mente, mas não conseguia entender ou acompanhar, ela fazia anotações cada vez que passava por cada de um de nós.

— Todos estão com febre e desnutridos, a julgar pelos restos de vômito em suas roupas, tiveram alguma intoxicação enquanto estavam vagando, alimentar, talvez, mas não devem ter muitos problemas, levem eles para as macas e podem sedá-los, e mandem costurar a boca desse aqui. – Ela acrescenta apontando para Suho – Ele deve estar com muita dor e deve ter perdido muito sangue.

Sinto meu corpo quente, mas sinto arrepios e calafrios ao mesmo tempo, estou fraco, meu cabelo pinga água, as roupas brancas novas pinicam, minha visão está tremendo nos cantos, me sinto horrível.

Chegamos em uma última sala, aqui não há monitores nas paredes ou pessoas indo de um lado para o outro, apenas cinco macas uma do lado da outra, com uma pessoa de roupas brancas e faixa vermelha no braço ao lado de cada uma e um pequeno monitor ao lado de cada cama. Eu sei que não podem ser coisa boa para nenhum de nós, mas só de ver essa imagem, meu corpo parece chorar e gritar por qualquer uma delas.

— Deitem-se um em cada uma e os enfermeiros irão iniciar os procedimentos. - Choi Jung Hoon ordena.

Nós obedecemos, receosos.

Me deito na maca mais afastada, uma mulher de cabelo curto me observa muito curiosa, quando eu deito, ela prende meus braços e minhas mãos com amarras do lado da cama, sinto as lágrimas se acumularem em meus olhos.

— Não precisa chorar, eu vou cuidar de você. – Ela fala com uma voz calma e até amigável, como se fizesse alguma diferença.

Ela fura meu braço com alguma coisa, sinto um calor subir por ele e meus olhos começam a ficar pesados.

LAY

Quando acordei eu já estava em minha cela, não sei o que fizeram comigo ou porque me sedaram, mas na verdade eu não ligo, nada parece me afetar mais, nada que pudessem fazer parecia me afetar mais.

Eu já me sentia desperto, mas agora, depois de ver como Tao estava, algo em mim se retorceu e pareceu acordar com uma fúria que eu não sabia que tinha, vê-lo naquele estado, o olhar distante e sem foco, ele não parecia estar ali, queria poder tocar na cabeça dele, fazer aquela cicatriz grotesca sumir, ajudar a curar seja lá o que for que ele estava sentindo, trazê-lo de volta.

Se antes eu simplesmente não ligava para o tempo passando por mim, agora parecia ser uma tortura, não saber o que estava acontecendo, ficar preso dentro daquelas três paredes brancas e uma de vidro, eu poderia enlouquecer a qualquer momento.

Me sinto até mesmo culpado por não lembrar de Kyungsoo, afinal ele também estava debilitado, mas ainda dava sinais de vida, de ser ele mesmo, já Tao, vê-lo com aqueles pontos na cabeça, parecia tão fraco.

Só de pensar naquilo sinto meu sangue ferver e não consigo ficar parado, eu tenho certeza que poderia ajuda-lo, curá-lo em poucos segundos eu sei disso, me sinto tão inválido, inútil por não poder fazer isso.

Fico em dúvida sem saber o que poderia ser mais inquietante e assustador, ficar aqui sem a mínima ideia do que está havendo, ou ser levado de volta àquela sala, mas pelo menos indo para lá eu sei como meus amigos estão, se estão bem, preso aqui dentro, só fico apreensivo imaginando os mais variados destinos horríveis para eles.

O que houve com Baekhyun? Será que Tao está se recuperando? Kyungsoo está conseguindo também?

São tantas perguntas, medos, incertezas que giram em minha mente que eu simplesmente não consigo agir, ou pensar claramente, fico sentado na cama, olhando o mesmo ponto branco em específico, mordendo minhas unhas, meus dedos, balançando minha perna, estou inquieto, mas ao mesmo tempo sem conseguir me mexer e fico preso nesse ciclo contraditório e infinito sem saber por quanto tempo.

Minha comida é jogada para dentro da cela por uma abertura na porta, mas apenas olhar para ela me deixa enjoado e preocupado. Quantos dias já se passaram? Será que os outros caras conseguiram comida? Conseguiram ajuda lá fora? Estão bem? Quanto tempo mais eles podem aguentar sem comida?

Será que ainda estão vivos e tentando? Ou já perdemos essa batalha também?

Contar ou pelo menos tentar entender quanto tempo se passou, contar as horas é impossível, mas eu sei que já faz muito tempo desde a última vez que fomos levados a sala de terror do lunático e seu cientistazinho de estimação, eu consegui dormir demais e não fui acordado com nenhuma voz do outro lado me ameaçando.

Comi algumas vezes, mais por estar me sentindo fraco, do que de fato por querer e sentir fome, o arroz, a carne, a salada, tudo tinha gosto de serragem na minha boca e eu tinha que me obrigar a fazer descer goela abaixo.

Estou quase enlouquecendo aqui dentro, jurando que estou ouvindo barulhos que não estão aqui de verdade, vendo vultos nos cantos dos meus olhos e todas as vezes que durmo, acordo assustado com imagens de um monstro com cabeça de lobo me atacando.

Me sinto ansioso e apreensivo, sentindo medo tanto pela minha vida, quanto pela dos meus amigos. A última vez que tive um momento de sono, foi encerrado de maneira abrupta por um sonho que eu não sei ao certo se é um sonho.

Já fazia alguns dias que me perguntava isso, tinha essa sensação, mas não queria aceitar, não queria acreditar, mas comecei a me perguntar se Kris e Luhan ainda estavam vivos.

Não sei há quanto tempo estou encolhido em um canto do quarto, abraçando meus joelhos, preso em um choro silencioso, eu não quero aceitar, mas a cada minuto, minha cabeça começa a funcionar melhor, meus pensamentos e lembranças começam a se encaixar em seus lugares corretos e essa certeza cresce dentro de mim.

A saída do labirinto continua com muitos buracos, eu me esforcei demais e fiquei exausto, mas eu sinto isso.

As últimas horas se passaram divididas entre breves momentos de sono e crises de preocupação, não faço ideia de quanto tempo faz que estou preso aqui dentro, olhando apenas para essas paredes brancas e essa luz fluorescente no teto, quem diria que eu sentiria falta daquele céu triste misturando cores com cinza.

Já devem ter passado, pelo menos dois dias, disso eu tenho certeza, já faz muito tempo que estou aqui e não tem como tentar diferenciar ou estabelecer horas nem mesmo pelas refeições, todas são praticamente iguais.

Meu mais recente passatempo tem sido tentar me lembrar dos fatos que aconteceram depois que eu desmaiei curando Kris, estou sentado na ponta da cama, mais uma vez, mordendo meus dedos e balançando minhas pernas de maneira frenética.

Me assusto quando ouço uma batida na porta e o aviso de rotina – Não tente nada para sua própria segurança, resistir é burrice.

Me levanto em um pulo, estou tão acostumado em ver apenas a cor branca que o soldado vestido de preto e verde escuro quase preto me choca e meus olhos precisam piscar várias vezes para se adaptar as novas cores.

Dessa vez eles apenas me algemam e me puxam para fora e me indicam para onde ir.

Vejo mais uma fila de soldados a minha esquerda quando saio da cela, imagino que estão nos levando para mais uma sessão de terror na cadeira de tortura, tento me esticar para olhar mais à frente e ver se meus amigos estão bem, se Tao está bem, mais especificamente, mas sou contido pelo soldado atrás de mim. – Sem gracinha. – Ele rosna por debaixo do capacete preto e lustroso.

Não estamos amarrados a macas dessa vez, isso é estranho, talvez devesse ser animador? Tudo que sei é que me mandam andar e eu obedeço, ando por um longo corredor de cubículos brancos enfileirados um ao lado do outro, mas quando o primeiro soldado começa a subir a rampa a direita seguido por alguém de branco, sinto meu estomago ir ao chão.

Eu conheço aquela cabeleira loira quase branca, lá está ele entre dois soldados, Suho foi capturado. Meu peito gela por dentro quando me dou conta disso, ele anda devagar, cansado, curvado, nem parece o mesmo Suho que eu me acostumei a ver, parece derrotado, como nunca vi antes, curativos no rosto cobrem quase toda sua boca.

Quando vejo Kai, Chen, Sehun e Xiumin andando sem seguida, todos na mesma situação, titubeantes, curvados, devagar, sinto um arrepio gelado por toda minha espinha, talvez seja o meu medo se fazendo presente em meu corpo.

Vejo Chanyeol virar a rampa e então sou eu que subo, tento olhar para minha direita, mas sou repreendido novamente e não vejo Baekhyun, Tao ou Kyungsoo, mas devem estar atrás de mim, intercalados por soldados, só queria ver o estado em que Tao se encontra.

CHEN

Ser capturado rendeu pelo menos uma coisa boa, não sinto meu estomago doer nem minha cabeça girar mais, aqueles lanches das máquinas do metrô me fizeram passar por um verdadeiro inferno.

Agora que todas as minhas memórias voltaram ao lugar, é estranho colocar os dias no labirinto junto com elas, seja lá o que eles fizeram com minha memória antes, não está mais fazendo efeito.

Eu, Kai e Suho somos os primeiros a entrarmos no elevador com os guardas, quando as portas abrem eles nos conduzem para fora, andamos um pouco em um corredor estreito e mal iluminado, acho que sinto cheiro de mofo e algum produto de limpeza que não sei ao certo o nome.

Quando os guardas abrem a porta no final do corredor, eu fico sem reação por bons segundos, não por medo ou pavor do que quer que estivesse nos esperando, porque nem mesmo em meus sonhos mais loucos e otimistas, veria quilo.

Estamos em um cômodo de paredes claras, iluminação roxo claro, até mesmo aconchegante, no centro, uma mesa retangular com dez lugares, uma toalha branca a cobre combinando com as cadeiras brancas também, me censuro mentalmente quando me pego querendo sentar nelas, parecem muito confortáveis.

O guarda precisa me empurrar para que eu entre na sala, fiquei tão espantado que simplesmente parei no batente sem entender o que estava acontecendo.

Os guardas nos indicam onde sentar, Suho é o primeiro, senta na ponta, eu e Kai ficamos de frente um para o outro, logo os outros começam a entrar na sala, Sehun, Xiumin e Chanyeol são os próximos, é ao mesmo tempo triste e reconfortante rever as orelhas de abano daquele elfo gigante, estava realmente com medo de que isso não fosse acontecer.

Quando Lay e Kyungsoo entram e se sentam, eu fico olhando para a porta em expectativa, ainda faltam dois, será que vão colocar todos nós juntos? Porque fariam isso?

Paro de olhar para a porta e começo a prestar atenção nos rostos que foram capturados antes, Lay e Chanyeol parecem relativamente bem, diria até muito bem, cansados, mas bem.

É Kyungsoo que me assusta.

Seus grandes olhos que sempre estão tão alertas, agora estão quase fechados, caídos, diria até inchados, como se estivesse chorando talvez? Ele respira com dificuldade, quase ofegante como se estivesse correndo ou muito aflito com algo, ou talvez ainda, irado com alguma coisa. Seus lábios se mexem, mas não sai uma única palavra, como se estivesse pensando em alguma coisa e falando para si mesmo.

Enquanto Lay e Chanyeol estão do mesmo jeito que me lembro, Kyungsoo está com olheiras grandes ao redor dos olhos, seu rosto parece estar mais cansado do que os outros e até mais magro do que me recordo.

Quando a porta se abre novamente, fico incrédulo com o que vejo.

Um soldado empurra Tao em uma cadeira de rodas e o coloca ao lado de Chanyeol de frente para Kyungsoo, o corpo caído para o lado, torto, sem postura, seus olhos fitam o nada com duas grandes olheiras muito escuras, boca entreaberta com um fio de saliva caindo, cabelo raspado e pontos na cabeça, seu rosto está muito mais fino do que me lembro, as bochechas agora são buracos em seu rosto.

— O que fizeram...

— Sentado e sem falar! – Um soldado empurra a cabeça de Suho contra a mesa quando ele ameaça se levantar ao ver o estado que Tao está.

Minha boca fica aberta sem entender o que poderia ter acontecido, como o Tao que eu conhecia pode ter acabado daquele jeito?

— Me larga! – Suho tenta se debater contra o soldado, ele puxa seu cabelo para trás com força e bate sua cabeça contra a mesa com um baque surdo que me faz tremer por dentro.

— Já chega! Isso não é necessário!

Um homem que não sei o nome entra na sala, seu longo cabelo preto está bem penteado sem um único fio fora do lugar, seus lábios grossos estão franzidos em uma expressão de raiva, o blazer cinza está apenas sobre os ombros, a camisa branca abotoada até o último botão, com as mãos nos bolsos da calça cinza também. Algo em seu tom e sua expressão me deixa inquieto, alerta, não posso confiar nessa pessoa.

— Se afaste dele, e fique no fundo da sala junto com os outros, eu assumirei a partir daqui. – Ele se apressa para a última cadeira vazia na outra ponta da mesa. – Pois bem, - ele tira o blazer e o coloca nas costas da cadeira, desabotoa alguns botões da camisa e dos punhos – ora, ora, quem diria, o que temos aqui. – Ele olha de um lado para o outro da mesa parecendo muito satisfeito com o que vê. - Como já era de se esperar, eu consegui pegar todos vocês, ou pelo menos, os que restaram, não é?

Vejo Sehun se mexer em sua cadeira quando o homem se foca nele por um segundo a mais com uma expressão de falsa inocência.

— Alguns de vocês já sabem meu nome, estão acostumados com as instalações Kim já há alguns dias, mas para os recém-chegados, eu sou Kim Heechul, não se deixem levar pelas histórias que ouviram daquele canalha do Luhan.

— Vai se foder! – Sehun vocifera pegando todos nós de surpresa.

— Não, não, tudo bem. – Heechul faz sinal com a mão para que o guarda não contenha Sehun, ele não está bravo, está se divertindo, na verdade. – Eu imagino que deva doer saber que o seu irmão é uma pessoa detestável e desprezível, não é, Sehun? Afinal, ele que mandou todos esses rapazes aqui para um labirinto de tortura.

Minhas mãos estão fechadas com tanta força em meu colo que sinto minhas unhas machucarem minha pele. Ele fala como se estivesse falando com uma criança, de maneira proposital para parecer que está sendo simpático, inocente, mas é totalmente o contrário e isso me deixa irado.

— Isso mesmo, tudo que aconteceu com vocês nos últimos anos foi culpa dele, então, se querem culpar alguém, culpem ele. – Ele conclui se recostando de maneira preguiçosa na cadeira e colocando os pés na mesa. – E com o agravante de ser igual as pessoas que ele torturava diariamente.

— E você não tinha nada a ver com isso, não é? – Suho ainda tem a voz abafada e dificuldade para conseguir falar com clareza devido os curativos na boca.

— Ah eu tive, tive sim, mas eu queria uma cura para essa doença terrível que assola o mundo todo, porque eu, diferente de vocês e toda a sua raça esquisita, sou vulnerável a ela, eu sou um ser humano comum, normal e não uma aberração que faz coisas com as mãos.

Seria cômico se não fosse ridículo e estressante ver como ele acreditava naquelas palavras, ele ostentava genuíno nojo e ultraje em seu rosto agora, como se a pergunta o tivesse ofendido profundamente como nada antes.

— Podem me chamar de monstro e me olhar com essas caras feias o quanto quiseram, mas eu acredito que sacrificar a vida de algumas pessoas, até mesmo algumas centenas, para salvar o planeta inteiro, é uma troca justa, não é mesmo? – Ele pergunta se levantando com um sorriso satisfeito no rosto.

— Monstro não chega perto de te descrever. – Suho sibila.

— Eu acho que você está esquecendo que não sou eu que mexo as coisas com minha mente, ou crio água do nada – ele aponta parecendo se divertir – se tem algum monstro aqui, são vocês. Mas eu sou um homem de visão, - ele começa a andar vagarosamente ao redor da mesa – então ao invés de apenas ficar horrorizado com esses erros da natureza na minha frente eu procurei a cura para a humanidade e de quebra, um jeito de transformar anomalias em algo produtivo.

— Por isso que você deixou a cura de lado e começou a pesquisar apenas sobre nossos poderes? – É Sehun que pergunta agora, é perceptível em sua voz o quanto ele está se controlando.

De repente, parecia que todos nós estávamos apenas assistindo e mais uma vez a liderança de Suho fica explícita, apenas ele está batendo de frente, ele foi o único que tentou se levantar e fazer alguma coisa, Sehun está em estado de fúria por estarem falando de seu irmão, mas talvez não falasse nada se não tivessem tocado no nome dele.

Bons segundos se passam enquanto eu vejo a expressão controlada e divertida de Heechul mudar, um segundo e sua calma congela, mas um fantasma de alguma outra emoção aparece por trás, mais um segundo e seu maxilar trava, outro e seus olhos reviram e mais um segundo é necessário para que ele fique sério e pergunte – Do que você está falando?

— Luhan falou algumas coisas. – É Suho que responde, agora é ele que está se divertindo.

— E vocês vão acreditar nele? – Heechul já perdeu a pose calma e já está ficando irritado em frações de segundos.

— Antes nele que nos ajudou a sair daquele inferno do que no cara que nos caçou. – Suho rebate no mesmo segundo.

— Pois bem, se é assim que vocês querem, vamos deixar de ser amigáveis e adotar uma abordagem mais incisiva, vocês roubaram um HD das instalações, roubaram um HD de mim e eu não sou homem que se deixa ser roubado. – Ele corta a distância entre ele Suho rapidamente, apoia uma das mãos na cadeira e encara Suho perto, olhos nos olhos – Onde ele está? Diga e ninguém sofre.

— Eu não sei do que você está falando. – Suho mente, sua boca está coberta com curativos nas laterais, mas eu quase consigo ver em minha mente o sorriso que ele estaria ostentando agora. – Você sabe de algum HD, Sehun?

— Nunca ouvi falar. – Sehun é mais cínico e finge realmente não saber de nada e até mesmo interesse no assunto. Eu tenho que me segurar para não rir. Estou adorando vê-los afrontarem esse imbecil.

Heechul suspira profundamente, retoma a postura e começa a andar pela sala novamente, dessa vez, mais devagar com as mãos nos bolsos – Sabe, eu tenho alguns meios de conseguir as informações que quero, tanto é que consegui descobrir onde encontrá-los, não é? Mas infelizmente, meus métodos podem ser um pouco abusivos as vezes, vocês podem perguntar a esses dois aqui que não me deixam mentir, não é mesmo? – Ele se senta na cadeira da ponta mais uma vez apontando para Kyungsoo e Tao. – Eu odiaria ver mais um de vocês nesse estado.

Kyungsoo ainda o olha de esguelha com puro ódio nos olhos, Tao não esboça uma reação sequer.

— O que você fez com eles? – Suho pergunta sério, o ar de provocação de antes some, ele está mesmo preocupado agora.

— Apenas um pequeno procedimento de extração de informações, nada mais, costuma ser bem efetivo, afinal, cá estão vocês, não podemos deixar isso passar. – Ele responde se apoiando na mesa. – Mas como pode ver – ele gesticula na direção de Tao – as vezes, os efeitos podem ser um pouco, brutos demais com as pessoas, é algo novo, ainda precisa ser aperfeiçoado. – Ele conclui como se estivesse em uma conversa casual.

— Você vai pagar por tudo isso. – Suho sibila de maneira raivosa.

— Ah, mas eu já pago, todo santo dia, milhões e milhões saem do meu bolso todo santo dia e para que? Nada, a pesquisa está empacada e como cereja do bolo, esse aqui ficou todo torto da cabeça. – Ele estrala os dedos em frente os olhos de Tao, mas ele não reage, continua com o olhar fixo e apagado. – Tanto investimento e virou um grande peso de papel.

— Deveríamos ficar com pena de você agora e decidir te ajudar a continuar com toda essa loucura? – Eu pergunto com minha voz tremendo de raiva.

Heechul me fita por alguns segundos, maxilar travado, narinas infladas, ele definitivamente não gosta de ser desafiado de nenhum jeito – O que vocês deveriam fazer é observar os estragos que eu posso fazer em quem fica contra mim e decidirem se ajudar e evitar mais dor desnecessária.

— Nós somos valiosos para você, você mesmo acabou de falar isso. – Suho desafia.

— Sim, vocês são valiosos, gastei muito dinheiro em vocês, mas não se enganem, eu tenho muitos outros meios de alcançar meus objetivos e conseguir o que quero. – Heechul responde com um sorriso ao mesmo tempo contido e ameaçador – Esse aqui? Puro efeito colateral.

Ele empurra a cabeça de Tao para trás que rebate na cadeira e fica em uma posição torta, ele emite um gemido de dor, mas nada que possa se assemelhar a uma palavra.

— Eu quis usar uma técnica mais rápida e persuasiva porque eu não queria perde tempo, mas já que vocês resolveram dificultar a minha vida, eu posso dificultar e muito a vida de vocês também, recorrendo a métodos mais tradicionais se necessário. – Ele fala olhando para cada um de nós, sua voz está calma agora, quase fria demais – Última oportunidade de evitar mais dor e sofrimento, onde está o HD?

Tudo que ouço é minha respiração ofegante de raiva, todos estão assim, nem mesmo uma única palavra.

— Muito bem, - Heechul fica de pé e joga o blazer por cima dos ombros mais uma vez – eu acho que vocês escolheram o cara errado para ser o líder desse grupinho patético, enquanto esse cabeça de aquário se recusa a cooperar, temos outras pessoas mais colaborativas, talvez devessem começar a pensar mais como o seu amigo.

De que porra ele está falando?

— Como é? – Suho pergunta franzindo o cenho sem entender também.

— Perguntem ao Kyungsoo, ele sabe bem do que estou falando. – Heechul sorri de maneira travessa com a língua para fora, dá dois tapas nos ombros de Kyungsoo e caminha para fora da sala.

— Kyungsoo? – Suho chama seu nome com a pergunta implícita em sua voz.

Durante todo esse tempo, Kyungsoo não abriu a boca para absolutamente nada, permaneceu na mesma posição, olhando para a mesa de maneira estática, emburrada e fixa.

— Não perceberam que faltou uma pessoa aqui? – Ele pergunta sarcástico.

Todos estão cansados e confusos, mas parece haver algo mais nele, uma dor diferente. Ele suspira fundo e começa a falar. - Eu não entreguei o esconderijo nos trilhos do metrô, - sua voz está fraca, parece estar lutando contra o choro – o Tao...eu acho que ele nem teve sequer a chance de pensar se diria ou não, nós tentamos resistir, mas...eu não sei o porquê...tudo que eu sei é que foi o Baekhyun que entregou vocês. – Ele conclui finalmente.

Agora eu entendo, o choro não era de dor ou tristeza, era de raiva, de traição, ele não estava assustado ou algo do tipo, aquelas eram lágrimas de pura revolta.

Brevemente, ele conta como Baekhyun o enganou, todos na sala pareceram prender a respiração enquanto ouviam o que ele tinha a dizer, parecia tão surreal, eu ouvia as palavras, mas eu parecia não conseguir entender, não conseguia achar um jeito para que essas palavras fizessem sentido em minha cabeça.

Baekhyun, nos traiu.

— Eu deveria ter desconfiado, ter tomado mais cuidado, mas eu nunca... – Kyungsoo se atropela nas palavras tentando se explicar e pedir perdão.

— Qualquer um de nós teria caído nessa. – Suho o tranquiliza.

— Isso parece mentira. – Eu resmungo incrédulo.

— Eu queria que fosse. – Kyungsoo responde.

Não conseguimos conversar nada mais que isso, Heechul devia estar nos espionando, ele queria que Kyungsoo nos desse a notícia para nos chocar, deixar totalmente perdidos, e o pior é que ele conseguiu.

Enquanto fazia o caminho de volta para minha cela, eu me sentia enjoado, doente, mas não era da comida, era um enjoo diferente, não sabia explicar.

A imagem de Tao debilitado daquele jeito não saía da minha frente, todas as vezes que fechava os olhos, via seu rosto magro, a costura em sua cabeça, fiquei aterrorizado com aquilo, e pensar que foi Heechul que fez isso com ele.

A que ponto ele poderia chegar?

Essa é a pergunta que fica rodando e rodando em minha mente.