LUHAN

Minha boca tem um gosto estranho quando eu acordo, sangue talvez. Minha cabeça dói e meu estomago está embrulhado, nem me mexo e me inclino colocando tudo o que tinha para fora ali mesmo no chão. Quando termino, minha garganta dói pelo esforço e o gosto da minha boca só piorou.

Olho em volta tentando descobrir onde estou. Paredes tão brancas e limpas que machucam minha visão, uma de vidro a minha frente, porém ela está bloqueada por alguma coisa escura, uma luz branca no teto que fica zumbindo, uma cama dura com um colchão extremamente fino com um lençol branco, um vaso sanitário e nada mais.

Estou em uma das celas do complexo de pesquisa.

Me levanto com dificuldade, minha cabeça dói e gira e minhas pernas bambeiam enquanto meu estomago ameaça colocar tudo para fora mais uma vez. Caio de qualquer jeito na cama e fecho os olhos com força tentando acalmar tudo e fico nessa posição, devem ter usado tranquilizante demais em mim.

Mesmo assim arrisco tentar usar minha telecinésia e expando minha mente, ou pelo menos começo a tentar. Uma fisgada quente na minha nuca me faz gritar de dor. Há algo errado.

Espero alguns segundos e me concentro novamente, algo menor dessa vez, tento apenas mexer o lençol da cama com a mente e mais uma vez a fisgada perfurante, porém dessa vez ela parece perfurar meus olhos para chegar no fundo do meu crânio, eu grito de dor, mas não cedo, pode ser efeito colateral do tranquilizante e eu preciso vencê-lo.

Mas não aguento, quando sinto que minha garganta vai rasgar de tanto gritar e meus olhos começam a derramar lágrimas de dor eu desisto. Nem ao menos consegui mover o lençol da cama. Isso me preocupa. Heechul tem algo a ver com isso, foi ele que enviou Sehun para o campo de testes. Se eu não estou conseguindo usar minha telecinésia, ele deve ter algum dedo nisso, eu tenho certeza.

Minha pesquisa é focada no desenvolvimento da falha genética que quase todos têm graças aos anos de experimentos químicos e genéticos e que pode ser explorada para um novo gene e a pessoa poder fazer o que eu faço, o que os garotos do labirinto fazem. Eu que criei o labirinto, as criaturas, a radiação que desencadeia o desenvolvimento, o líquido no qual ficam hibernando, as placas que foram colocadas no topo do labirinto para liberar a radiação, eu, fui tudo eu que fiz.

Eu preciso achar a cura.

Mas se ele sabe como inibir meus poderes ele deve ter começado a desconfiar de mim ou ter planejado isso há muito tempo. Ele deve ter jogado meus dados no colo de algum pesquisador do complexo para ele desenvolver um inibidor.

Minha cabeça gira e dói ao mesmo tempo enquanto tento pensar e assimilar tudo o que aconteceu e que está acontecendo. Meu Deus, Sehun está lá. Espero que ele tenha conseguido sobreviver e encontrar os outros rapazes.

O que fez Heechul vir até aqui para se intrometer no projeto, para pesquisar sobre mim e minha família para saber que meu irmão mais novo era a cobaia perfeita? O que o faz pensar que Sehun é a cobaia perfeita? Só porque é meu irmão? Ele acha que ser irmão do primeiro homem que desenvolveu a falha genética a ponto de a tornar um gene diferenciado, vai garantir que ele desenvolva e passe por todos desafios? Toda a humanidade atual tem essa falha e o potencial para desenvolver. Desenvolver ou não é igual uma pessoa ser magra, ou gorda, ter cabelo loiro, castanho ou preto.

Tudo depende da genética individual de cada um.

Meu irmão não tem mais chances, Heechul poderia desenvolver e ele não, todos os rapazes que foram para o campo de analises e morreram desenvolveram, só não conseguiram aprofundá-las ou seguir em frente, mas as desenvolveram, tanto que existem os dez...onze agora.

Esse pode até ser o motivo, mas deve haver outro.

Me sento na minha cama com meu estomago ameaçando a jogar tudo para fora mais uma vez, tento acalmar meus sentidos, respiração diafragmática sempre conseguiu me ajudar com tontura, mas não dessa vez, ela foi causada por fatores externos, talvez naquele tranquilizante houvesse algum líquido que age no meu corpo anulando minha telecinésia.

Não, não deve ser isso, se tivesse algo que a anulasse ou ao menos bagunçasse, eu não teria conseguido impedir que se espalhasse por meu corpo, não teria conseguido lutar contra os guardas do Heechul, foi no momento em que vários me atingiram ao mesmo tempo e fui pego de surpresa e o tranquilizante começou a fazer efeito imediatamente. Fizeram alguma coisa comigo quando eu apaguei.

Olho para a parede de vidro, então olho para o chão. Eu não vejo pegadas, eu estava no chão quando acordei, devo ter sido arrastado até aqui e apenas jogado aqui dentro. Por quanto tempo fiquei apagado?

— Ora, ora, ora. – Ouço a voz de Heechul dentro da cela por algum alto falante escondido. – Finalmente acabou a sonequinha. – Não o vejo, mas ouço o sorriso em sua voz, aquele sorriso metido e irritante.

Olho em volta, não acho as câmeras, mas agora sei que estou sendo observado, volto minha atenção para a parede de vidro e quando ela fica transparente, já esperava que ele estivesse do outro lado me encarando atrás do painel de controle. Estou em uma das celas que são usadas para armazenar algumas das cobaias assim que são obtidas.

Ele se inclina em direção ao microfone com ar metido. – É muito diferente estar do outro lado da cela, Dr. Xiao Lu? Qual a sensação de ser o que é observado ao invés do observador? – Sua voz demonstra uma raiva controlada, ira, na verdade.

Ele tem alguns cortes no rosto e um grande curativo na testa, além do braço esquerdo em uma tipoia. Então eu consegui machuca-lo quando o joguei pelo ar. Isso me faz sorrir um pouco. O que parece incomodá-lo.

— Qual a graça, aberração? – Sua voz agora já demonstra um pouco da ira que segura ao tentar me ofender.

— Saber que eu consegui te machucar tão facilmente. – Me esforço para conseguir falar isso. Minha voz quebra perto do final, mas estou tão debilitado que não me importo. Preciso mostrar que por mais quebrado que esteja, não me renderei tão fácil.

— Mas é claro que conseguiu, uma aberração anormal e grotesca igual você é capaz de matar um ser humano. – Sua voz soa quase ultrajada ao falar comigo. – Eu dei sorte de não ter sido assassinado por uma criatura tão grotesca quanto você. – Ele conclui com um terror exagerado.

— Engraçado, que mesmo sendo essa criatura, que nas suas palavras é, grotesca, você se dispõe a estimular, mais e mais e mais e mais garotos todos os dias. Gastando dinheiro e tempo.

— Bem, o que posso dizer? – Ele assume um tom falso de humor. – A sua espécie está de fato, perto de achar uma cura a esse vírus irritante que insiste em matar a humanidade.

— Não...não é só isso... – Me levanto com dificuldade – se fosse apenas isso você não se preocuparia tanto em fazer mais e mais testes com eles no labirinto. – Consigo encará-lo direto nos olhos, mesmo que a distância – No momento em que eles entram em contato com minha radiação, a falha genética é estimulada e então as habilidades aparecem, junto com o gene e a proteína que eu estudo para a cura do vírus.

— E daí? Está tentando me dar uma aula? – Ele tenta debochar.

O canto da minha boca se levanta em um sorriso nervoso e sem humor – Não, não estou não, imperador Kim. Esse gene específico não recebe investimento seu. Tenho tentado conseguir um novo equipamento há meses e nada, enquanto o labirinto está sempre em constante observação e estudo para estimular mais e mais as cobaias, suas habilidades. Seus pedidos de relatórios da cura são mensais, enquanto a cada doze horas relatórios de cada uma das cobaias são enviados para você, habilidades novas, estado de saúde depois de um confronto com alguma criatura. Você fica constantemente avaliando o progresso desse projeto e com medo que ele seja um fracasso igual o anterior.

— Ora, Dr., mas é óbvio, é um projeto caro, obviamente eu temo por uma falha nele e...

— E você não está nem aí para o avanço da cura. Nenhuma cobaia ou voluntário é usado para a cura, todas são enviadas para o projeto EXO, nenhuma é enviada para estudo dos possíveis efeitos da cura, enquanto semanalmente um garoto seria enviado se dependesse de você, além de ficar pacientemente analisando se os que já estão lá dentro conseguem não ser mortos. Cada dia você pede por mais criaturas e cada uma mais perigosa que a outra.

— Isso já está me cansando. – Heechul tenta parecer seguro, mas percebo que está com um olhar um pouco diferente do comum.

— Você está mais preocupado em criar um exército de rapazes com poderes, não é? Usá-los com seja lá qual propósito. A cura nunca esteve em seus planos, não é? NÃO É!? – Bato com ambos os punhos na parede de vidro, mas me arrependo imediatamente.

O movimento repentino me deixou mais enjoado ainda e quase caio de joelhos. Sou obrigado a ouvir sua risada do lado de fora da cela. Estática e sua voz aparece novamente.

— Os inibidores que mandei Woojin fazer estão funcionando bem, não é mesmo? – Ele pergunta com humor.

Estou encarando o chão me concentrando em não vomitar novamente, muito embora, se eu vomitasse, sairia apenas o suco gástrico, uma vez que não tenho nada no estômago mais.

— Quer saber? Você vai gostar de saber que eu comecei sim, esse projeto com o ideal de achar a cura para essa falha genética e esse vírus maldito que ninguém sabe de onde veio ou como trata-lo. Isso é verdade. Mas uma vez que eu vi o potencial que esses garotos tem....ora....você não pode me culpar por ficar totalmente maluco ao ver um homem fazer uma onda com as próprias mãos, ou esmagar um animal movendo pedras como ele bem entende.

“Pelo amor de Deus, com esses recursos eu posso não só tornar meu país autossuficiente, como também fazer meu exército ser temido por todos nesse mundo fodido quase acabado. Eu seria visto como um herói. ”

Seus olhos começam a vagar enquanto ele devaneia loucuras – O homem que descobriu como acabar com a crise hídrica, entre muitos outros títulos que posso receber pelo mundo. Eu seria lembrado como um Deus!

— Como você consegue falar tanta besteira em tão pouco tempo? Como se atreve a tratar esses meninos como apenas um meio de obter poder? – Com dificuldade me mantenho em pé.

— Ora vejam só, você querendo me dar lição de moral? – Novamente ele tem um tom de ultraje na voz – Foi você que os colocou lá para estudar como uma radiação funciona no corpo deles, se bem me lembro. E não me lembro de te ver hesitando em momento algum, e o que é pior ainda. Eles são da sua espécie, da sua própria espécie e você os tratou de maneira fria sem nem ao menos se sensibilizar, sem se pôr no lugar deles nem por um momento.

— Não inventa, você sabe muito bem o porquê de eu ter feito tudo que fiz! Eu acredito firmemente em uma cura e se eu acabei por ser responsável pelas mortes desses rapazes foi por um bem maior. – Minha voz falha e minha cabeça dói, eu não queria ter que fazer isso, eu preciso achar essa cura, não me orgulho e isso me tira o sossego, preciso mantê-lo falando, preciso saber que inibidores são esses, mas ele precisa ficar nervoso para falar demais.

— É patético ver como você realmente acredita no que fala...você acredita, não é? – Ele está em descrença.

— Com todo o meu ser. – Respondo sem titubear porque é verdade – Eu gostaria que houvesse outro jeito de achar a cura e até mesmo de que pessoas como eu pudessem viver em paz, mas ao ver como somos tratados você pode imaginar o porquê de eu ficar receoso de me revelar, não?

— Como você conseguiu? Digo, conseguiu despertar seus poderes, sozinho? – Agora ele parece realmente curioso. Ótimo, posso dirigir essa conversa a meu favor agora.

— Não sei...talvez capricho do destino...sempre fui inteligente...talvez já um sinal das habilidades secretas do meu cérebro. Com o tempo eu apenas comecei a me estudar e tentar entender como meus poderes funcionavam e como poderia fazer outras pessoas fazerem o mesmo. De novo, sozinho.– Acrescento um sorriso metido para fazê-lo querer me desmerecer.

— Tão inteligente que não esperava por essa, não é? – Ele zomba depois de uma risada. Ótimo. – Tão inteligente que não percebeu a construção de um inibidor de gente como você debaixo do próprio nariz.

— Pois é...estava tão focado em entender como estimular que não vi um inibidor chegando.

— E é muito eficiente, aliás! – Heechul se empolga para começar a me humilhar e eu apenas capricho na minha expressão de raiva para que ele fale tudo. – Foi basicamente bem fácil, na verdade, ele só teve que reverter a sua radiação usada no labirinto para desenvolver e desencadear os poderes nas cobaias e coloca-la nessas lâmpadas brancas acima de você para que você seja banhado por ela. Assim, você não consegue fazer absolutamente nada com esses seus poderes e truques de mexer as coisas com a mente.

Ótimo, agora eu já sei como esses tais inibidores funcionam, mas no presente momento eu não posso fazer nada com essa informação, agora preciso saber o porquê ele mandou meu irmão e como me descobriu.

— Ele deve ter te ajudado a descobrir que eu escondia alguma coisa, não?

— Quem? Woojin? Aquele paspalho só serve para receber ordens, não, não, não foi ele que me ajudou com nada, não. – O encaro pelo vidro enquanto seu sorriso cínico aumenta cada vez mais - Eu nunca engoli essa história de que você estudou tanto que conseguiu sair com essa ideia e essa descoberta, simples assim. Eu sempre fiquei com um pé atrás com você e te observando.

“Não foi logo, isso eu tenho que admitir, você demorou para deixar escapar ou deslizar. Eu coloquei câmeras escondidas em seu escritório e apenas observei, até que um belo dia você estava cochilando e acordou assustado e quase derrubou uma caneca, de repente, ela simplesmente voou de volta para a mesa.

“Então eu só esperei e essas coisinhas pequenas aconteceram, as vezes uma folha flutuando ao seu lado enquanto você estava com as mãos ocupadas. O seu erro foi confiar, Xiao Lu. ”

Seu tom de vitória me irrita profundamente.

— Você deve estar se sentindo muito feliz, não é? – Consigo formar um sorriso metido. – Conseguiu desmascarar o grande moleque gênio que trabalhava para você. Superou o grande intelecto do garoto crânio.

— Na verdade, não. Eu não esperava nada menos de mim. – Seu sorriso presunçoso não poderia ficar maior ou me irritar mais.

— Mas agora o projeto não terá mais um coordenador.

— E porquê? Acho que provei que eu posso muito bem continuar, afinal eu te peguei...tenho todos os seus dados...suas pesquisas, relatórios de cada um deles. Não preciso de você, rapaz. Sem você, será muito mais fácil, barato, rápido, prático. Eu tenho grandes planos para eles, novos desafios, como reativar aquela sessão que eu sempre quis e você achava muito violenta, também testarei alguns inibidores neles, forçá-los até onde eles puderem ir. Meu exército não deve demorar a ficar pronto agora. E você fará parte dele, ó grande Xiao Lu.

Com essa frase ele escurece a parede de vidro novamente e sou deixado com meus pensamentos.

Dinheiro. Esse foi um dos motivos dele ter interferido, é claro, é muito caro fazer o que fazemos aqui dentro, testes, analises, equipes para sequestrar pessoas, desenvolver equipamentos, criar vida geneticamente modificada...tudo isso é demais, caro demais. E os resultados são lentos e demoram a aparecer, sem falar que os resultados que são apresentados não são os que ele está querendo obter.

Ele não quer a cura, ele quer os poderes que são desenvolvidos, quer soldados prontos para acatarem ordens dele, lutar e oprimir por ele. Se ele conseguir formar um exército com o projeto EXO, ele poderá controlar o mundo. Tendo em vista o fracasso que o projeto B.A.P. foi, não é surpresa nenhuma ele querer fazer isso. Eu tentei usar garotos com um chip no cérebro para os testes, assim eu que controlaria suas habilidades e seu desenvolvimento, assim como o desenvolvimento do gene, tanto que eu me foquei mais nisso do que nos poderes e os resultados...bem...não foram agradáveis.

E devo imaginar que ele me colocará dentro do labirinto também, a julgar pelo que ele disse de eu fazer parte de seu exército. Será que chegou a hora de eu pagar meus pecados por ter usado pessoas como ratos de laboratório? Nada mais irônico do que eu ser morto por minha própria criação devido minha própria descoberta, não é.

Apagar minha memória será fácil, afinal, fazemos isso com todos os que nós colocamos no labirinto...não...eu preciso dar um jeito nisso...se eu conseguir entrar no labirinto com minha mente intacta eu posso não só fugir, como também tirar meu irmão de lá.

Mas primeiro, preciso dar um jeito nesse inibidor maldito. Ele disse que eles ficam nas lâmpadas e funcionam com radiação também, a minha radiação, outra ironia, ela ser usada contra mim, de novo. Preciso dar uma atenção especial para Heechul por isso quando eu puder. Claro que estou sendo observado, então não adianta tentar achar com as mãos, porque virão me deter, e eu também preciso pensar em uma maneira de guardar e proteger meu cérebro.

Kim Heechul, você pode achar que conseguiu me subjugar, mas meu caro, você está prestes a descobrir que não é assim tão fácil.