The Queen

Capítulo 1: Sombras do Passado


Alissa acordou num pulo, sentando-se imediatamente na cama.

Seu coração parecia retumbar no corpo inteiro, a respiração acelerada e inconstante.

O dormitório da Sonserina estava escuro, e o silêncio pelo ar indicava que as garotas não haviam acordado com seu pânico do sono.

Alissa respirou mais um pouco, controlando o fôlego, conforme agarrava com toda a força nos lençóis e fitava a escuridão.

Mais um sonho. E Ali, mais uma vez, se vira naquela casa de novo. Naquele dia.

“Respire, Ellie, respire”, pensou Alissa rapidamente. “Você não é mais aquela garota assustada e indefesa. Você agora é Alissa. Você agora finge ser Alissa. Finja direito”.

Mas era difícil. Ela sabia que era. Todos os dias, ou melhor, todas as noites, a jovem era perturbada com pesadelos de sua antiga vida. De quando as pessoas ainda a chamavam de Ellie.

Alissa merecera tudo aquilo. O que sua irmã mais glorificara um dia foi a vida perfeita que conquistara em Hogwarts.

Vida que, agora, estava nas mãos de Ellie.

A jovem sorriu, passando as mãos pelos fios longos e louros de seu cabelo. Às vezes, ela sentia falta de ser morena. Mas não era uma mudança definitiva, ao menos. Talvez Ellie pudesse voltar a ter o próprio rosto algum dia, quando estivesse segura.

Mas, por enquanto, ela precisava ter o rosto de Alissa. Precisava ser Alissa. Por dentro e por fora.

Completamente.



* * *

— Quer um pouco? — perguntou Vanissa, balançando um pacote estranho na frente do rosto de Ali. — Peguei com os meninos. Dizem que funciona perfeitamente.

A Sonserina sorriu, um sorriso maléfico e travesso por baixo daquela pele pálida.

Alissa, porém, franziu a testa, o corpo debruçado sobre a mesa do café da manhã ao fitar o pacote suspeito.

— Que porcaria é essa?

Vanessa revirou os olhos diante do tom azedo de voz de Ali, apesar dele ser comum.

— O que você acha que é? Veio dos mesmos criadores da bala de vômito, ué. Aquelas que usamos para escapar da aula semana passada.

Alissa analisou sua amiga, tentando enxergar nos olhos dela se a garota mentia.

Vanissa era, de fato, bem parecida com Alissa Frescott; e não apenas no nome. A jovem, que possuía cabelos prateados lisíssimos na altura do queixo e uma pele mais clara do que tudo, era uma Sonserina tão perversa e ambiciosa quanto Ali. Elas eram discretas nas multidões, é claro, pois precisavam permanecer como as queridinhas dos professores, mas entre os alunos, as duas fugiam das aulas, vendiam balas perigosas aos alunos mais novos e desprezavam aqueles que mereciam. Não eram apenas garotas da casa de cor mais chamativa e reputação de mais ambição. Não… Alissa Frescott e Vanissa Mellon eram muito mais do que isso. Ninguém as superava.

Não que Ellie se agradasse disso. Desde que começara a fingir ser Alissa, ela teve de se tornar melhor amiga de Vanissa também. Era um cargo difícil, um cargo malvado, mas as coisas estavam dando certo.

Isso, é claro, quando ela não se arrependia das armadilhas que armavam para os bruxos sangue-ruim… uma tradição semanal que Alissa Frescott inventara em seu terceiro ano em Hogwarts, quando ela e Ellie tinham apenas treze anos.

Agora que as coisas mudaram, Ellie, ou melhor, Ali, gostaria de acabar com a tradição de torturar alunos que sua irmã inventou. Mas ela ainda não sabia como fazer isso sem parecer suspeito.

— Tá, vou experimentar — anunciou Ali de repente, arrancando o saquinho da mão de Vanissa antes que ela pudesse se dar conta.

— Ei! Não é pra pegar tudo pra você! — reclamou Vanissa, parecendo realmente preocupada que Ali acabasse com tudo quando se inclinou sobre a mesa gigantesca, tentando pegar um pouco também.

Mas Ali esticou o braço, deixando o pacote totalmente longe do alcance da amiga. Ela sorriu, de um jeito muito babaca, se lembrando de quando a verdadeira Alissa fizera isso com ela uma vez.

— Opa… parece que alguém não consegue alcançar as balas agora — cantarolou Ali, aumentando o sorriso.

Vanissa suspirou, voltando a se sentar conforme resmungava:

— Vadia.

— Também te amo — disse Ali em resposta, levantando-se da cadeira e afastando-se dos Sonserinos ao caminhar pelo Salão Principal. Todos os alunos, de todas as casas de Hogwarts, almoçavam distraidamente em suas respectivas mesas, embora alguns notassem Alissa conforme ela passava por eles.

Alissa Frescott era popular. Sempre fora. Os olhares não eram novidade. Por isso, ela escondeu o pacote atrás de suas vestes, para que os bruxos não notassem, ao desviar das pessoas e caminhar confiantemente.

Ellie também era bonita em… bom, em sua verdadeira forma. Mas Alissa sempre costumara ser mais ousada, levantando a saia propositalmente para os garotos e usando decotes, desde que elas tinham doze anos. Isso, obviamente, fizera com que os garotos olhassem mais para ela do que para Ellie.

Mas agora Ellie era Alissa. E recebia absolutamente os mesmos olhares.

Lembre-se de que você continua não sendo eu — dissera Alissa uma vez, com veneno nos olhos, em uma das poucas vezes em que Ellie a viu depois da troca. — Pode ter roubado o meu lugar, pode ter pegado o meu rosto e a minha personalidade, mas você continua não sendo eu, Elliezinha. Não de verdade. Então vá lá e pegue a minha vida, faça o que quiser, vadia. Mas não se esqueça de que, no fundo, você vai sempre ser aquela garotinha assustada e indefesa. Você vai sempre ser a zé-ninguém que você é.

Alissa piscou, afastando a lembrança. Então engoliu em seco, ajeitando a postura e forçando-se a abandonar a expressão de medo que provavelmente devia estar estampada em seu rosto.

Ela já havia alcançado as portas do Castelo que davam para o Saguão. Alissa, então, recuperou o fôlego e voltou a desfilar.

Suas mãos, agora suadas, ainda seguravam no pacote, mas o nervoso não tinha nada a ver com as balas perigosas que ela carregava. Não. O nervoso, na verdade, era devido às palavras de Alissa que ainda retumbavam em sua mente. Da verdadeira Alissa. Chamando-a de zé-ninguém. Dizendo que ela ainda era uma garotinha.

“Acalme-se, Ellie. Você está no controle agora. Você tem o controle.”

Ela ainda repetia a frase na mente quando passou por um grupo de grifinórias e seguiu em direção ao jardim de Hogwarts. Porém, antes que pudesse passar pelas portas, alguém alto surgiu em sua frente, impedindo o caminho.

— Opa…. — disse uma voz masculina grave; repleta de diversão. — A princesinha vai a algum lugar?

Alissa segurou mais firme no pacote, a raiva subindo pelo seu corpo.

Merda”.

Merda mesmo.