The Only Exception

A maior prova de amor


Quando acordei no dia seguinte, pensei que tivesse sonhado tudo aquilo. Fiquei um bom tempo em minha cama, olhando para o teto, pensando. Rika me ama... Sorri. Não há palavras para descrever tamanha felicidade.

Algum tempo depois, quando finalmente resolvi me levantar e me arrumar para ir para a escola, já estava bem atrasado e Yuki brigou comigo, mas eu nem liguei, apenas sorri novamente: no dia em que a conheci, estávamos atrasados também. Aliás, assim como naquele dia, tivemos que esperar para entrar no segundo horário. Tanto faz.

Então, assim que o sinal bateu e nos deixaram entrar na sala de aula, a primeira coisa que fiz foi procurar Rika em seu lugar. Quando nossos olhares se cruzaram, ela rapidamente abaixou a cabeça, corando. Tão kawaii!

O tempo parecia não passar, enquanto eu esperava pela companhia de Rika-chan nos intervalos. Conversamos normalmente e nenhum de nós falou sobre o que aconteceu no dia anterior – mas ela estava decididamente mais tímida. Quando o último sinal bateu, Tohru a convidou para ir até nossa casa fazer conosco a pilha de deveres que os professores tinham passado. Ela aceitou. No caminho, eu não sei bem por que, resolvi segurar a mão dela; ela não fez nenhuma objeção, pelo contrário, olhou para mim e sorriu. Eu estava inexplicável e incrivelmente feliz com aquilo tudo. Ficamos tão bobos quando estamos apaixonados, não? Normalmente, eu chamaria qualquer um que estivesse agindo como eu estava agora de idiota... Mas agora eu entendo.

Chegando em casa, Tohru abriu a porta, e quando íamos entrar – eu ainda de mãos dadas com a Rika – sem aviso prévio alguma coisa saltou sobre mim, quase me derrubando, abraçando-me. Foi tão rápido que eu não tive tempo de reagir! Só ouvi:

– Kyooooo-kuuuun, meu amor!!! ­– Kagura me sufocava, passando os braços em volta de meu pescoço. Eu tentava me libertar, mas estava realmente difícil. Eu já não tinha certeza se ela estava tentando me abraçar ou se planejava me esganar mesmo.

– Kyo! Eu pensei que eu fosse a única!! – eu não sei se Rika queria dizer que pensava que era a única de quem eu gosto (e, se for o caso, ela tem toda a razão) ou se ela se referia ao fato de eu ter dito que ela era a única garota que podia me abraçar. De qualquer forma, ela já ia se virando para ir embora, porém eu segurei com mais força sua mão, mantendo-a ali. Eu precisava me explicar... Se sobrevivesse ao “abraço” de Kagura.

– Me solta!! Me solta!!! Rika, espere!! Kagura!!! ME SOLTA!!! Rika!! Espera!!! – eu tentava desesperadamente me libertar dos braços de minha prima e ao mesmo tempo manter Rika-chan ali. Não estava dando muito certo.

O pior é que ninguém movia um dedo para me ajudar! Tohru ficou apenas olhando com aquela cara de boba e de surpresa que só ela sabe fazer; Yuki ficou somente olhando tranquilamente; mas ninguém superou Shigure – ele simplesmente chegou e disse:

– Nossa, que barulheira é essa aqui no meu quintal...? Ah! Bem-vinda, Kagura! – e sorriu. Não posso acreditar que ele estivesse dando boas-vindas para ela, enquanto ela tentava me matar (ao menos, era o que parecia que estava fazendo)!

Demorou algum tempo, mas enfim consegui fazer com que Kagura me soltasse e Rika-chan parasse para me ouvir. O assustador foi ver as duas se encarando: pareciam que iam voar uma para cima da outra e tentariam se matar a qualquer momento.

– Kyo, quem é essa daí? – perguntou Kagura, num tom perigosamente doce.

Acho que, antes de continuar contando o que aconteceu, preciso falar um pouco sobre a doida da Kagura. Bom... Ela é minha prima e vive dizendo que me ama e me atormentando. Não sei se me ama mesmo, mas se for verdade ela tem um jeito muito estranho de demonstrar... Me batendo! Eu vivo apanhando da Kagura – e é claro que não posso revidar, porque no fim das contas ela ainda é uma garota! É isso o que posso falar dela... Ah, sim! Ela também é um dos 12 e representa o javali da lenda. Agora, de volta à discussão...

– Esta aqui é Suzuki Rika, minha... – eu ia dizer “amiga”. Porque não éramos namorados... Eu acho. Mas Rika-chan me interrompeu.

– Sou a namorada dele! – ela lançou para Kagura aquele mesmo olhar mortal que outrora lançara para o Yuki. Eu olhei estupefato para ela, mas reprimi o impulso de perguntar “Namorada???”. Não que eu não tenha gostado disso, é claro.

– Namorada??? – embora tenha sido Rika quem falou, a pergunta foi para mim. Kagura me olhava com uma expressão tão furiosa... Eu acho que nunca a vira tão brava. – Como assim, Kyo???

– Kagura, eu... – não sabia o que falar, mas tentei começar uma explicação. No entanto, não tive tempo: Kagura voou para cima de mim e começou a me bater como nunca na vida.

– Kyooooooo!!! Como você pôde fazer isso comigo??? Eu sou a única que pode ser sua namorada! A única, ouviu??? Pode terminar!!! Agora!!!

– Deixe o Kyo em paz, garota!! – foi Rika-chan quem gritou, irritada.

– Como ousa gritar comigo??? – Kagura já ia para bater na Rika, preparando um soco. Naquela hora eu vi que não podia simplesmente ficar apanhando dela: tinha que tomar uma atitude. Então, quando Kagura foi dar o soco em Rika, eu apareci na frente dela e interceptei o golpe.

– Kagura, escute aqui! – eu estava gritando com ela. ­– Quem você pensa que é para bater na... – hesitei por um instante – na minha namorada?! Eu escolhi a Rika, está bem??? Você não tem nada a ver com isso!! Então a deixe em paz!!! E se você levantar a mão contra ela mais uma vez...! – não conclui a frase, porque sabia que, apesar de tudo, não teria como eu bater em uma garota: isso ia contra os meus princípios.

Eu parei, olhando para ela, esperando sua reação. Todos os outros – Rika, Yuki, Tohru e Shigure – também olhavam para ela. Todos nós (exceto Rika, que não conhecia Kagura) esperávamos pela tempestade. Esperávamos que ela viesse para cima de mim e começasse a me espancar, como sempre fizera. Mas a reação dela pegou a todos nós de surpresa: ela começou a chorar. Não estou nem brincando. Kagura estava chorando mesmo!

– Kyo... Você... Eu... Como...? – ela murmurou essas palavras desconexas e depois saiu correndo, em direção ao bosque que ficava próximo à nossa casa.

– Kagura-san!! – Tohru tentou chamá-la de volta, mas Kagura já ia longe.

Nós todos ficamos parados ali, olhando para o ponto em que minha prima sumira entre as árvores. Ninguém pensou em segui-la. Eu poderia ter esperado qualquer coisa dela, menos isso. Nunca antes imaginara ver Kagura chorando... por mim. Por algum motivo, aquilo me fez me sentir muito mal. Mas mesmo assim eu não fui atrás dela.

– Obrigada por me defender, Kyon... – Rika-chan disse isso timidamente, talvez com medo de que eu estivesse bravo com ela.

– Claro... Eu não podia deixar que ela batesse em você. – forcei um sorriso para ela.

Rika-chan fez o dever conosco, mas teve que ir embora cedo porque a mãe a obrigara a limpar a casa naquele dia; então ela se despediu de nós e foi embora. Assim que ela saiu, eu subi para o meu quarto, na esperança de meditar um pouco, parte de meu treinamento. Não consegui. Simplesmente não conseguia esvaziar minha mente: toda vez que tentava, começava a lembrar da expressão no rosto da Kagura chorando... Aaargh! A culpa já estava me irritando! Por que ela tinha que chorar? Não podia simplesmente ter me batido como sempre???

Os dias foram se passando, sem que minha culpa diminuísse. Certo dia, resolvi ligar para a Casa Principal e falar com ela; mas a pessoa que atendeu me disse que Kagura não tinha voltado para casa desde aquele dia e que não havia notícias dela. Ótimo! Como se eu já não tivesse motivos o suficiente para me sentir culpado, agora ainda tinha de me preocupar com o desaparecimento dela! Eu tentava de todas as formas esquecer aquilo e até estava dando certo... Isto é, até a hora em que eu me deitava para dormir. Toda vez que eu tentava dormir, a culpa me invadia e a imagem do rosto dela chorando aparecia em minha mente...

Já havia se passado uma semana desde que Kagura desaparecera. Todos da família – exceto talvez Akito – estavam preocupados. Claro que agora eu não era o único a me culpar: todos me culpavam. Por isso, eu já estava quase enlouquecendo de culpa, quando ela apareceu em minha casa naquela quarta-feira pela manhã:

– Bom dia, Kyo... – ela falou numa voz sem emoção alguma.

– Kagura! O que v... – Parei. Havia muitas coisas que eu queria dizer, mas achei melhor esperar e ouvir o que ela tinha a dizer primeiro.

– Como você está? Tudo bem? – ela perguntou, ainda sem emoção alguma na voz. Eu não entendi. Qual era a daquelas perguntas?

– Bem? Como eu poderia estar bem?? Você some de repente e fica fora por uma semana! Todos estão preocupados! – eu fiz uma pausa e, desviando o olhar, murmurei: – Eu estava preocupado.

– Você estava preocupado... Comigo? – ela ergueu o olhar para mim.

– É claro que sim! – eu disse, ainda sem voltar a olhar para ela. Eu não sou muito bom com isso de falar sobre sentimentos...

– Ah! Kyo! – ela me abraçou, começando a chorar de novo. Eu não a impedi; pelo contrário, retribui o abraço dela.

– O que aconteceu com você, Kagura?

– É que... – ela se afastou de mim, enxugando as lágrimas dos olhos e de repente me encarando. A velha Kagura estava de volta. Que bom. – Kyo, quando eu dizia que te amo, eu estava falando sério! Eu te amo muito, muito mesmo! Então você não pode nem sequer imaginar o que eu senti quando você disse que tinha escolhido aquelazinha em vez de mim! Você não faz ideia do que é ter seu coração partido daquela maneira! Não sabe o que eu passei! Não sabe como eu sofri! – ela falava rapidamente e eu não a interrompi. Deixei que gritasse comigo, que pusesse para fora tudo o que estava sentindo. – Eu... Eu até agora não posso me conformar com a ideia de que você está com outra! Não posso! Dói demais! Só de pensar que você a preferiu... – ela balançou a cabeça, provavelmente tentando expulsar a ideia.

Ficou calada por um instante, pensativa. Eu não disse nada, apenas esperei. O silêncio se arrastou por alguns minutos e, quando começou a ficar incômodo, ela falou:

– Mas eu tomei uma decisão. – a voz dela agora estava estável e ela falava com convicção; estava mesmo decidida.

– E qual foi? – eu temia que ela dissesse que não iria desistir, que dissesse que iria declarar guerra contra Rika ou algo assim. Como se já não bastasse o Akito nos causando problemas...

– Kyo, esta será, de todas, a minha maior prova de amor.

– Ahnm? – prova de amor? O que diabos ela estava dizendo?

Ela respirou fundo e continuou:

– Eu estou aceitando abrir mão de você, para que você seja feliz ao lado da pessoa que você escolheu. – ela fez uma breve pausa e, baixando os olhos, concluiu, falando baixo: – Porque a sua felicidade é a minha felicidade.

Diante daquelas palavras, eu fiquei completamente sem reação. Kagura estava me surpreendendo mais uma vez. Eu poderia esperar tudo, tudo mesmo, menos que ela desistisse! Ela esperou, e, como eu não respondi ­– tinha perdido a capacidade de falar –, chamou:

– Kyo?

– Kagura... Eu... Obrigado! – foi tudo o que eu consegui dizer, ainda não recuperado do choque.

– De nada! Apenas não esqueça: eu te amo! – então ela sorriu para mim e eu, de alguma forma, tive certeza de que ela estava sendo sincera.

Eu mal podia acreditar que conseguira me livrar – e sem fazer nada para isso – do problema que Kagura representava. Agora, me sentia ainda mais confiante de que seria mesmo capaz de enfrentar o Akito. Então, naquela mesma quarta-feira, eu falei com Rika-chan e ela concordou em ir comigo naquele domingo à Casa Principal para finalmente resolvermos aquele último problema que nos impedia de ficarmos juntos. Claro que eu tinha um plano. Mas... Será que eu seria mesmo capaz de convencer o chefe de minha família?