Ryan checa seu relógio de pulso com impaciência, pelo que parece ser a vigésima vez seguida, e novamente disca um número em seu celular. A linha chama uma, duas, três, várias vezes seguidas, sem resposta. Ryan morde o lábio inferior, olha para o palco mais uma vez; os atores já estão começando a ocupar os seus postos e ele torce os longos dedos nervosamente. Alisson sempre fora pontual, o completo oposto de Ryan. Aliás, essa era uma palavra essencial para defini-los : opostos. Enquanto ela sempre estava nos lugares marcados, em horários devidos, Ryan acabava por perder-se, atrasar-se, ou sofrer desvios até alcançar seus compromissos, lhe faltava o senso de organização, agilidade e pontualidade que Alisson possuía de sobra.Era até engraçado pensar que já estavam juntos há 3 anos, mas ela era gentil, não fazia perguntas demais, o deixava confortável e por muitas e muitas vezes seu senso de responsabilidade e pontualidade, ajudaram Ryan quando os dois ainda eram novatos no curso de teatro, e passavam madrugadas ensaiando, decorando falas e mergulhados em várias xícaras de café seguidas no meio da sala de estar da casa dos pais dela. Ryan a fazia sorrir, lhe apresentava boas bandas de rock antigo, lhe comprava livros de poesia e a fazia sair da rotina. Ela definitivamente colocava alguma organização na vida de Ryan, e o lembrava de que ás vezes a rotina e a ordem eram necessárias e importantes. De certo modo, funcionavam bem juntos.A situação atual, porém, era totalmente estranha ao comportamento dos dois, Ryan esperava impaciente e Alisson não havia aparecido 20 minutos mais cedo do que o horário marcado como sempre acontecia quando participava de alguma peça na academia de artes na qual cursavam.

-É um papel pequeno, mas tem importância e é de certo modo marcante para o enredo da história. – ela o contou empolgada quando recebeu a noticia de que o papel era seu. – Quem sabe não seja o meu gancho para que eu finalmente vá para a turma sênior? E quem sabe depois eu realmente queira isso, você sabe, para minha vida... Ser uma atriz. – Completou suspirando ao que Ryan apenas sorriu em resposta, fazendo carinho em seus fios loiros enquanto ela repousava a cabeça em seu ombro.

Ryan já estava na turma sênior, incrivelmente, apesar de sua falta de organização e pontualidade, poderia dizer-se que o garoto compensava tendo um certo charme único, com seus sorrisos discretos e tímidos, e seus cachos castanhos desalinhados, e também era do tipo cativante, todas as pessoas gostavam dele, sempre ganhava bons papeis com algum destaque, o que o ajudou a alcançar boas notas e aumentar seu nível no curso rapidamente. Alisson por outro lado, era bonita e tinha muito potencial, mas não tinha tanta sorte em conquistar os papeis que atrairiam o olhar publico e as boas notas em seus fichamentos, o que fez seu crescimento de níveis ser um pouco mais lento que o de Ryan. Essa peça seria sua grande chance, como ela mesma havia repetido zilhões de vezes durante todo o semestre que a antecedeu. Os olhos dela sempre se iluminavam quando estava no palco, e ela sempre sabia aonde encontrar Ryan na plateia, e o seu sorriso era o mais brilhante para ele, que aplaudia energicamente à todas as peças as quais ela participava.Ryan sabe o quão essa noite é especial e importante, então a ausência dela não faz sentido, eles conversaram sobre isso na noite passada, Ryan segurando sua mão e lhe dizendo palavras de confiança, ela parecia ansiosa mas ainda muito animada.

Ele tenta o celular dela mais uma vez, e se vira em seu assento para olhar as portas de entrada para o palco no topo do auditório.

–Hey Samantha – ele sussurra se inclinando sob o assento acolchoado, chamando a garota sentada atrás dele. –Allie está atrasada...

A garota rola os olhos para ele, arqueando suas sobrancelhas extremamente delineadas.

-Oh, você acha? – ela abre os olhos verdes fazendo uma expressão de falsa-surpresa. – É culpa sua de qualquer modo, lesado. – Após soltar as palavras, sua expressão de superioridade se contrai um pouco e seus olhos se fixam, como se ela estivesse quase chocada de ter colocado as palavras para fora, mas ela recompõe-se, seus olhos começam a vagar pela sala sem olhar diretamente para o rosto de Ryan, como se ela percebesse que dissera algo que não deveria ter dito.

Ryan inclina-se mais sobre a cadeira, as sobrancelhas unindo-se enquanto ele tenta entender algo sobre o que acabou de ouvir – É minha culpa por ela estar atrasada? Como diabos é minha culpa?

–Porque foi você quem a engravidou, em primeiro lugar?! Deus. Agora faz todo o sentido ela ter furado para poder ir tomar as providências sobre isso.

Enquanto Ryan viver, ele sempre se lembrará desse momento, o jeito que sua pele arrepiou-se e um tremor passou por todo o seu corpo, seus ombros pesaram e seus dedos pareceram amolecer e quebrarem-se ao meio.

-O quê? – ele pergunta e ela fica quieta, piscando os longos cílios apressadamente. – Em que clinica, Samanta? – ele sussurra as palavras, o corpo em modo automático enquanto ele se inclina mais em direção a ela, e ele não sabe por que mas os olhos dela abrem-se quase espantados e ela lhe diz, as palavras saindo apressadamente de sua boca.

Ele se levanta e sai da sua cadeira em menos de um minuto e ninguém sequer o encara enquanto ele sai do auditório. -Não demora muito para que ele chegue, ainda tremendo e pensando sobre todos os segundos, minutos e horas em que Alisson poderia estar lá, se ela ainda está esperando e se eles já fizeram o procedimento e tudo está acabado, e algo que pertencia tanto à ele quanto a ela já havia sumido desse mundo.

Ele estaciona em uma vaga em frente à construção de tijolos, que parece mais um consultório de dentista do que uma clínica de aborto.Não há quase ninguém na sala de espera, sendo Alisson a primeira coisa que ele vê quando ele vai em direção às portas de vidro. Ela está sentada em uma cadeira próxima à mesa de recepção, vestida com um suéter e um casaco antigo de Ryan, as mãos sobre o colo e a cabeça baixa, a longa franja loira caindo sob seus olhos, mas Ryan tem quase a certeza de que ela o viu antes que ele a visse, e ele tem quase a certeza de que ela estava esperando por isso quando ele se curva sob os joelhos dele, envolvendo as mãos dela com as dele mas a expressão dela é séria e ele quase não pode ver os seus olhos, os fios loiros criando uma sombra sob seu rosto. Ele tem que dar algum crédito a ela, porém : ela não pergunta o que ele está fazendo ali. Ela esteve chorando, as bochechas levemente avermelhadas, e seu pequeno nariz também.

–Allie, – ele diz, porque ele não sabe o que mais dizer, mas sabe que só há uma solução – Allie, eu tomarei conta de você, eu prometo.

Ela toma fôlego, afastando sua franja de seu rosto, e força os seus olhos a se abrirem. Eles estão vermelhos e inchados, mas ela está acenando afirmativamente com a cabeça, ao menos, e isso já é alguma coisa.

–Você vai- - a voz dela é baixa, ele mal pode ouvi-la e então, as palavras saem de sua boca, ficando no ar em vonta deles, quebrando o vazio.

–Case comigo. – ela pisca, os olhos ainda úmidos, ele sorri fracamente para ela, e o modo como ela também curva seus lábios em um pequeno sorriso é o suficiente para ajudá-lo a acreditar.