Anita não pôde evitar abrir um sorriso bobo, a voz de Mike sempre foi uma das coisas que ela gostara mais de ouvir, aquele tom grave, calmo, que trazia uma doçura gostosa aos ouvidos, não era a toa que ela gostava de obrigá-lo a cantar para ela. Mas isso quando estavam juntos.

- É bom te ouvir também Mike.

- Como está?

- Bem, e você?

Mike soltou um riso seguido de um suspiro do outro lado da linha, o que ele poderia dizer? De repente tudo havia virado de pernas pro ar que parecia que estava no meio de um filme.

- Bom, minha saúde está ótima! – soltou uma risada suave, que Anita logo retribuiu.

- Por que me ligou Spike?

- Eu não sei... eu só liguei, não pensei no que diria, até porque achei que não me atenderia.

- Por que eu não atenderia?

- Eu fui um babaca com você Ann.

- Não Mike, eu te traí, você não era obrigado a me perdoar.

- Me deixa falar, acho que fiquei com isso preso por tanto tempo... eu fui um covarde. – Mike puxou um pouco de ar e começou a falar. – Quando você me contou do que tinha acontecido entre você e o Chester, eu fiquei com raiva, com muita raiva mesmo, fiquei me perguntando o que eu tinha te feito pra você ter feito isso outra vez comigo, pensei que talvez você tivesse pena de mim e por isso estava comigo, eu pensei muita coisa, e todas elas chegavam no fato de parecer que você ama mais o Chester do que a mim, afinal, é sempre com ele que você fica não é? Eu não faço a menor idéia do que você sente por mim, eu não sei se o que você sente é equivalente ao que eu sinto.

- Cala a boca Michael! – Anita tinha permanecido calada como ele pedira, mas não conseguiu mais ficar em silencio. – Você sabe por que eu disse o que tinha acontecido entre eu o Chester no dia do resgate? – Ela não deu chance para que ele respondesse. – Porque eu queria ser honesta com você, porque eu queria que de alguma forma nós dois superássemos isso juntos! Eu amo o Chester, Mike, eu não tenho vergonha de dizer isso, e às vezes parece que ele me adoece e eu não consigo ser racional. Mas eu tento fazer o máximo que eu posso pra não ceder, porque ele me adoece, me machuca, abre uma ferida que nunca conseguiu se cicatrizar. Eu o amo, mas é um amor autodestrutivo e ele sabe disso! – Anita baixou o tom tentando manter a calma. – Eu te amo Mike, não importa se o Chester faz o que quer comigo, é em você que eu durmo pensando todas as noites, você foi o único com que eu já tive esperança de ter uma relação decente, sem me machucar ou machucar alguém. Não fique pensando que você é único que ama por aqui, porque não é. Mas como tudo que eu toco se destrói,eu não quero que se machuque mais, não quero que você e o Chaz briguem por minha culpa, desde que eu cheguei aí tudo deu errado, e o que existe aí entre vocês é muito maior do que eu, não posso me dar o luxo de atrapalhar vocês.

- Você não atrapalha Ann...

- Atrapalho sim, e por isso eu decidi que precisava sair da vida de vocês, não tem mais espaço pra mim aí entre vocês mais... Espero que dê certo entre você e sua mulher dessa vez.

- Espera, o quê? Quem disse isso?

- Preciso ir Mike.

- Anita! – A ligação já havia sido encerrada, Michael deixou o tronco cair sobre a cama de Tyler e ficou encarando o teto por um longo instante.

Fechou os olhos e por um instante pode sentir o cheiro de Anita outra vez, o toque de sua pele, os fios longos e sedosos de seu cabelo. Pensou em como estava se sentindo naquele momento, com Anna tentando forçar uma relação que já estava morta há anos, aquilo era estupidez.

Mike se levantou, já havia tomado uma decisão, se espreguiçou até ouvir a coluna dar um estalo e sorriu sozinho ao perceber que seu corpo ainda gostava de lembrar sua verdadeira idade, na casa dos trinta. Desceu as escadas da casa de Chester e o viu sentado no chão jogando com Tyler, mantinha a expressão séria, provavelmente pensando no que Anna poderia ter feito.

- Estou de saída Chester...

- Hum, mas já? Não está indo atrás da Anna não né?

- Não, eu vou pra casa, vou atrás da Anita. – Chester expressou surpresa. – Vou ligar pro Cadete Strauss no caminho, ele vai saber o que fazer com a Anna.

- Tomara que saiba mesmo... Por que está indo atrás da Anita?

- Não é óbvio? – O asiático deu um leve dar de ombros.

- Ah, tudo bem.

- Vai precisar de ajuda com as meninas esses dias?

- Não, eu vou dar um jeito, sem a Sam fora da cidade parece um pouco mais difícil, mas eu dou um jeito. Pode viajar tranqüilo.

- Okay então. – Mike bagunçou o cabelo de Tyler rapidamente e se despediu.

- Pai presta atenção no jogo, você vai perder! – O menino reclamou.

- Eu já perdi meu filho, já perdi.

**

Anna sentia que teria um ataque nervoso a qualquer instante, antes de entrar no carro respirou fundo algumas vezes, se apoiou no carro, mas não agüentou e vomitou o pouco que tinha no estômago. Toda essa tensão a deixava maluca. Entrou no carro e procurou por algum remédio, achou uns no porta-luvas, os mesmos antidepressivos que tinha dado para Talinda. Ao se lembrar disso deixou o frasco cair sobre o banco, assustada.

- Oh meu deus eu vou enlouquecer! – Abaixou a cabeça sobre o volante e começou a chorar a largos pulmões. Chorou desesperada até soluçar, sentia que precisava encontrar um jeito de não ser pega, mas não fazia a menor idéia de como fazer isso. – Vamos lá Anna, tente manter a calma. – Dizia para si mesma.

Enfim deu partida no carro, dirigiu para casa sem pressa, assim que chegasse tomaria um banho morno e pensaria em algo que a ajudasse a escapar daquilo, teria que ligar para um advogado e pensar em algo para dizer para Mike.

Assim que virou a esquina da sua rua, avistou um par de viaturas paradas, seu coração acelerou imediatamente, apertou o volante com mais força entre as mãos e prendeu a respiração, diminuiu a velocidade para prestar um pouco de atenção, dois policiais batiam na porta enquanto mais dois estavam a dois passos atrás, pode ver um deles girando um par de algemas entre os dedos, outro deles virou rapidamente o rosto e ela o reconheceu, era Luke Strauss, o cadete amigo de Mike.

- MERDA! – Acelerou o carro e saiu da rua. Assim que parou diante do sinal vermelho começou a praguejar de raiva e desespero. Seu celular tocou, olhou de relance a tela jogada sobre o banco, era Mike. Precisava manobrar o carro antes de atender a ligação, acabou demorando e ao enfim conseguir pegar no telefone, havia apenas uma mensagem de voz.

“Anna, sou eu, Mike. Olha, nós precisamos conversar, é algo sério. Estou a caminho do aeroporto agora, não vou estar na cidade nesses dois dias seguintes, mas eu quero que me ligue, preciso que me diga algumas coisas. Me liga assim que puder.”

- Ele não está em casa, não tem ninguém lá. – Respirou fundo e deu meia volta no carro, agora ela já tinha para onde ir.

Por enquanto não podia deixar que Mike soubesse de muito, o cerco estava se fechando, Anna não tinha muitas opções. Teria dois dias para pensar em algo para manter Michael do seu lado, e àquela altura, qualquer medida desesperada era justificada.

**

- Shhh, olha como a bonequinha é engraçadinha, vamos lá bebê, para de chorar. – Ele estava sacudindo a criança há quase dez minutos sem que ela parasse de chorar, àquela altura a outra gêmea despertara e se juntara a sinfonia da irmã. O que havia começado como uma caminhada agradável no parque acabou virando um pesadelo. – Shh, não chora você também bebê. Oh meu deus!

Chester olhou ao redor, onde estavam todas aquelas mães simpáticas que ofereciam ajuda assim que avistavam um pai em apuros? Não tinha ninguém. Tyler jogava futebol na grama um pouco mais adiante, pelo menos ele não estava soando como uma sirene em seu ouvido.

- ONDE EU APERTO PRA VOCÊ PARAR DE CHORAR?!?! – Os olhinhos escuros dela por um momento encontraram os dele e ela ficou em silêncio. Mas só por três segundos, depois retomou o choro com força total. – Vocês duas tão zoando com a minha cara não é?

- Chester?

Ele se virou e viu o que parecia ser uma hippie descabelada sorrindo para ele.

- Eu não quero comprar nada, desculpa. – Um soco acertou forte a parte de trás da sua cabeça – MAS O QUE É ISSO?

- Eu não estou vendendo nada seu babaca, sou eu, Kady!?! Dããr!

Chester se virou para ela e a examinou.

- Você não parece nada com a Cláudia, parece o Dente de Sabre depois de uma surra do Wolverine.

- Haha, como você é engraçado. – Disse em tom irônico. – Meu deus, o que está fazendo com essa menina? Me dá aqui, isso não é um frasco de Gatorade, não precisa agitar antes de usar, seu idiota.

Kady pegou a gêmea do colo de Chester e a aninhou cuidadosamente nos braços, a menina continuou chorando.

- O que aconteceu com a Kady sorridente e fofa? Virou uma troglodita é?

- Agradeça ao seu amigo Robert! – Chester fez uma careta, havia tocado em um ponto ruim. – Tem algo errado com ela.

- Eu sei que tem algo errado, ela está chorando, não ta vendo?

- O que aconteceu com o Chester simpático e amável hein?

- Olha, você não está ajudando sabia?

- Já checou se ela está com a fralda cheia?

- Já, não é isso.

- Deve ser cólica ou gases.

- E como é que eu sei qual desses que é?

- Eu sei lá, nunca criei nem cachorro, imagina uma criança. – Chester já estava impaciente. – Também pode ser que elas estejam com sono, faz horas que elas dormiram?

- É, acho que tem bem umas seis horas que elas não dormem.

- Seis horas? Então é isso. Vamos colocá-las pra dormir okay? – Kady caminhou para colocar a outra menina no berço, mas Chester a impediu.

- Não! Elas não dormem assim, elas dormem no colo, depois eu as passo pro berço, ou pro carrinho.

- Pelo menos alguma coisa você sabe fazer.

- Cala a boca.

- O que vai fazer?

- O que eu sempre faço oras... eu vou cantar.

- Aqui?

- Eu não ligo onde eu estou, eu só quero que elas sosseguem okay? Agora fica caladinha aí.

Chester fez o que Kady recomendara e agora balançava uma das gêmeas de uma maneira tão suave que mal parecia se mexer, depois abaixou o tom de voz e começou a cantar em um ritmo bem suave. Kady se aproximou mais dele para que a outra criança também pudesse ouvir o canto dele. As meninas se acalmaram quase que magicamente.

“You say, you're not gonna fight 'Cause no one will fight for you

And, you think there's not enough love, and no one to give it to”

“Você diz que não vai lutar porque ninguém vai lutar por você

E você acha que não há amor suficiente, e ninguém para dá-lo”

“And, you're sure you've hurt in a way that no one will ever know

But, someday the weight of the world will give you the strength to go”

“E você tem certeza que se feriu de uma forma que ninguém nunca vai saber

Mas um dia o peso do mundo lhe dará a força para continuar”

No final da canção, ambas as meninas dormiam tranquilamente e Cláudia estava de boca aberta.

- Casa comigo pelo amor de deus!!! Isso foi tão perfeito!

Chester sorriu.

- Obrigada. – Colocaram as duas crianças no carrinho e Chester olhou para Cláudia, estava bem abatida e um pouco mais magra do que ele se lembrava. – Que diabos o Bourdon fez com você?

- Eu vou ficar bem, é só uma fase.

- Terminaram há quanto tempo?

- Uns três meses.

- É muito tempo Kady, você é jovem, bonita, ele é meu amigo, mas não se deixe abater por tanto tempo. Eu não estava numa situação muito melhor, mas eu precisei seguir em frente, eu tenho seis filhos caralho! Eu tive que seguir em frente por eles.

Kady sorriu entristecida.

- Eu não tenho filhos pra seguir em frente Chaz.

- Não, mas você precisa seguir em frente por você mesma. Não pode dar uma de Yoko Ono pra sempre.

Chester assoviou e chamou Tyler, o menino resmungou de longe e Chester insistiu, depois disso ele se encaminhou para junto do pai se arrastando e resmungando.

- Ah não, deixa eu ficar mais um pouco pai!

- Me desculpe carinha, já estamos aqui há muito tempo, está começando a escurecer e precisamos voltar antes que suas irmãs acordem.

Tyler fez bico, mas aceitou a decisão do pai.

- Tudo bem então, a gente pode voltar amanhã?

- Hum, vou pensar no seu caso. – Chester bagunçou o cabelo do garoto e se voltou para Cláudia. – Quer carona pra casa?

- Não, obrigada, estou de carro hoje.

- Tudo bem, estamos indo então. Aparece qualquer dia lá em casa, eu não sou loira, não tenho peitos e nem piloto uma moto, mas quem sabe eu sirva pra alguma coisa.

- Obrigada. Tchau Tyler, tchau meninas, tchau Bennington! – Se despediram e a deixaram ali.

Kady se sentou no banco e olhou a tarde ir se colorindo de um tom púrpura, típico do anoitecer. Não se sentia tão deprimida como Chester pensava, apesar de parecer como uma, ela só não sabia mais como voltar ao normal.

**

- BENNINGTON! – O grito da diretora fez com que a loira quase saltasse da cadeira com o susto.

- Sim senhora?

- O que pensa que está fazendo?

- Ahm... colorindo os protótipos?

- Sim, mas que maldita cor é essa?

- Vermelho, não foi vermelho que pediu?

- Eu pedi MAGENTA! Isso não é magenta.

- Oh, me desculpe.

- Me desculpe?

- Eu me confundi, sinto muito, estou com a cabeça meio cheia, devo ter me confundido. Amanhã eu corrijo as cores.

- Amanhã?

- É, já está quase acabando o expediente, amanhã eu volto e...

- NÃO! Eu quero que corrija agora!

- Mas são quinhentas peças! Eu vou levar a noite toda!

- Eu não me importo, ou corrige o que fez, ou eu te ponho no olho da rua.

Anita ficou muda por um instante.

- Ahm, tudo bem, eu fico aqui.

- Ótimo. – A diretora lhe deu as costas e o sinal marcando o fim do expediente soou, e todos os demais trabalhadores da fábrica tiraram seus jalecos e foram se dirigindo para a saída alegremente enquanto Anita apenas suspirava e se sentava em sua cadeira novamente.

Foram cerca de três ou quatro copos de café até que ela enfim completasse sua tarefa, o relógio de pulso marcava 02:50 da manhã. Levantou-se da cadeira gemendo de dor, praguejando a diretora internamente. Se esticou, sentindo todas as juntas rangerem. Caminhou meio trôpega de sono e bateu o ponto, pendurou o jaleco e foi rumo a saída da fábrica. Deu graças aos céus por ter ido de tênis naquele dia, tinha certeza que se tivesse ido de botas, a essa altura estaria rastejando no chão, conseguia ficar mais tonta de sono do que quando bebia.

Na saída o vigia noturno tomava um café fumegante com tranqüilidade.

- Boa noite Willis.

- Dona Anita! Aqui até essa hora?

- É, fui obrigada a fazer hora extra hoje.

- Arg, aquela mulher é uma carrasca.

- Nem me fale, já vou indo! Até logo!

- Hey dona Anita, espera aí. – Anita parou de caminhar e voltou o olhar para o homenzinho. – Tem um moço esperando pela senhora, já está aqui desde as cinco ta tarde, acho até que ele cochilou ali no chão. – Willis apontou um lugar específico do chão, onde uma coisa embolada parecia dormir, usando um buquê de flores como travesseiro.

- Obrigada por avisar Willis, eu sei quem ele é.

- Por nada.

Anita o reconheceu imediatamente, caminhou até ele e o sacudiu pelo ombro. Não precisava de tanto, Mike até que tinha o sono leve, levou apenas um instante para que os olhos castanho-escuro dele se abrissem, Mike ajustou a visão ao escuro da madrugada e a encarou.

- Ann! – Michael se levantou meio torto, fazendo careta por causa da posição em que dormiu, sacudiu a areia do chão de suas calças e bateu a mão no cabelo tentando tirar algumas flores que haviam se emaranhado nos fios.

- Oi Spike. – Ele sorriu ao ouvi-la o chamar daquele jeito, em seguida estendeu as flores.

- Eram pra você, mas graças a minha cabeça enorme estão destruídas, me desculpe.

- São lindas,obrigada. O que veio fazer aqui?

- Vim direto do aeroporto pra cá, era o que eu devia ter feito há muito tempo. Eu precisava te ver, te ouvir ao telefone só me deu mais certeza. Eu te amo. Eu não me importo se você é um poço de azar, por você eu passo o resto da minha vida sem sorte nenhuma.

- Você não entende, eu...

- Não! Eu entendo perfeitamente. Eu sei que você tem medo de que as coisas fiquem muito piores, mas porra eu já levei um tiro! O que pode ser pior? Morte? Se eu morrer por você vai ser a morte mais linda de todas.

- Você não sabe o que está dizendo Michael! – Anita se virou tentando esconder as lágrimas que queriam transbordar em seu rosto, mas Mike a puxou pele braço, a mantendo junto a ele.

- Eu sei exatamente do que eu estou falando Ann. Eu quero você comigo, o resto não faz a menor diferença pra mim. Eu te amo sua estúpida.

Anita já chorava e sorria ao mesmo tempo, o abraçou com força, puxando com toda a força dos seus pulmões o ar com o cheiro dele, até o cheiro do amaciante da sua camisa era viciante.

- Eu te amo Spike.

Mike puxou o rosto de Anita, o encarou por um breve instante, depois beijou os lábios de Anita com suavidade, dando início a um beijo lento, doce e cheio de saudade.