The Kostroma Dynasty

Desconhecidos, Conhecidos e Reconhecidos


"Come, come, come, come, come along now

Run away from the hum-drum

We'll go to a place that is safe from

Greed, anger and boredom"

Come Along — Pentatonix

Depois de algumas horas, o quarto de Aleksei se esvaziara e ele podia, finalmente, pensar um pouco.

Não que se incomodasse realmente com a presença dos criados, eram todos conhecidos (ele poderia nomear a todos eles e contar um pouco da família de cada um, se fizesse um esforço de memória) e há alguns anos Aleksei aprendera a até relaxar enquanto o puxavam de um lado para o outro, lhe aprontando para qualquer que fosse o evento daquele dia. Naquele momento em específico, Aleksei beirava a achar cômico o fato de que tanto trabalho resultara em uma aparência tão casual que ele quase podia se convencer de que seria capaz ele mesmo de se vestir daquele jeito. Quase, uma vez que não tinha o mínimo senso de estilo. Se dependesse apenas de si mesmo, dificilmente conseguiria manter aquela imagem elegante que haviam construído para ele, uma imagem que dizia muito sobre sua figura pública. O cachecol verde “que parecia um pedaço de feltro”, nas palavras de Catherina, que ele havia comprado uma vez e agora jazia no fundo de seu armário era a prova concreta de sua falta de noção para essas coisas.

Enfim. Livrando-se de seus pensamentos vagos, Aleksei procurou focar na questão importante ali: se encontraria pela primeira vez com as selecionadas, uma espécie de apresentação informal antes do evento que seria o baile, e ele tentava pensar em algo para dizer. A última coisa que queria era parecer gélido para aquele grupo de mulheres completamente fora de suas áreas de conforto, mas também não conseguia se forçar a ser muito diferente do seu usual: não seria capaz de manter a mentira por muito tempo. Era com certo amargor que imaginava se estaria gastando tanto tempo naqueles pensamentos se não tivesse tido aquela pequena conversa final com Leonor, mas não havia muito o que fazer sobre aquilo. Já ouvira coisas bem piores sobre si mesmo da boca de outras pessoas, de qualquer maneira, era só mais uma crítica com que lidar.

Uma batida leve na porta o informou que já era hora de deixar de divagações e se encaminhar para o mundo real. Abriu a porta para dar de cara, sem surpresa nenhuma, com um homem negro, forte e uns bons cinco centímetros mais alto que o czareviche, em um uniforme tão impecável quanto sua postura.

— Viktor — não pode conter um sorriso sutil de reconhecimento. — Pensei que só o veria daqui a uma semana.

— Meu dever é estar aqui, Alteza, principalmente agora, com as movimentações novas no palácio. — respondeu, direto, enquanto caminhava lado a lado com Aleksei pelos corredores. Yeva contara a Alek no dia anterior que, apesar dos esforços da czarina, o guarda se recusara a usar de todo seu curto recesso, retornando antes do previsto para o palácio e para sua posição de protetor a Aleksei.

Desde que conhecia Viktor, Aleksei nunca perdera a sensação de que o homem era a forma humana de uma muralha. Em parte pela estatura monumental, mas bem mais pela personalidade gélida, silenciosa e impositiva, tudo ao mesmo tempo. Na época da adolescência, Aleksei usava o guarda como exemplo para si mesmo com frequência, almejando a impassibilidade e força do homem. Nunca chegara a tanto, mas era inegável que haviam se tornado um tanto parecidos com o passar dos anos, a cada novo endurecimento da casca que o czareviche criava para si.

Assim, era fácil entender a falta de comunicação entre os dois, mas, apesar ou por conta disso, se entendiam bem. Aleksei confiava sua vida a Viktor, e tinha noção de que o guarda sabia muito mais sobre suas mudanças de humor do fazia parecer, e sabia que ele nunca diria uma palavra sobre isso. Conversavam sobre o que era necessário conversar, se respeitavam mutualmente e assim estava bom.

(***)

Aleksei não estava nervoso. Não, não estava, mas assim pareceu para qualquer um olhando quando ele respirou um pouco mais fundo antes de se dirigir às vinte mulheres à sua frente.

— Bom dia, senhoritas — começou, esboçando um sorriso leve — Espero que tenham sido bem tratadas até agora, e que se sintam bem acolhidas nesse palácio até o fim de sua estadia aqui. Será uma honra conhecer a vocês todas, e espero fazer minha companhia valer a pena, daqui pra frente.

Fora o pequeno tropeço inicial, o rapaz levou seu discurso de boas vindas com sutileza e elegância, e logo liberou as garotas e sua família para comerem o café da manhã que os havia reunido ali. Não fizera nenhuma grande piada, não fora charmoso ou espontâneo, mas também não fora intragável, e estava relativamente satisfeito consigo mesmo. Já aceitara que era uma pessoa pouco apelativa, de qualquer forma, e esperava que fosse o suficiente para tocar aquela Seleção.

— Aleksei, você tem a desenvoltura de um pedaço de ferro — alfinetou Catherina, enquanto se esticava para pegar um pão à sua esquerda — Mas até que foi amigável.

— Tão ruim? Poxa, eu até sorri dessa vez — respondeu, sarcástico, recebendo uma cotovelada da irmã em troca e encerrando o assunto.

Ele se preocuparia com a imagem que criara de si mesmo mais tarde, afinal houvera um motivo para sua hesitação inicial, e ele ainda sentia os efeitos daquilo no corpo.

Quando entrara no salão onde todos estavam reunidos, Aleksei viu vinte pares de olhos desconhecidos voltando-se em sua direção. Quase que ao mesmo tempo, sentiu algo parecido com uma descarga elétrica correndo por suas veias, uma agitação diferente da “coisa”, como se, se isso fosse possível, estivesse soltando uma exclamação de reconhecimento. Aleksei ainda sentia os ecos desse baque estranho em seu corpo, e era difícil se concentrar em alguma assim, ainda mais por ter a vaga memória de já ter experienciado aquela sensação antes, com o frustrante adendo de não conseguir recordar de quando ou com quem.

Aquela Seleção, de fato, já estava lhe proporcionando experiências novas, só não as que ele esperava.

(***)

— Finn, você está mais vermelho que os pimentões da hora do almoço — comentou Grace, observando o colega subir, pela quarta vez, nas cordas grossas da sala de treinamento — Seus músculos já estão desistindo de você, desce daí.

— Jamais — disse, entre um ofegar e outro — Não saio daqui sem fazer esse exercício infernal, se a Anastasia consegue, eu também consigo.

Grace observou o amigo se balançar um pouco na corda, saltando para a outra, e para outra e… Na terceira corda, nem na metade do caminho, suas mãos escorregaram e ele caiu, pela quarta vez, no colchão enorme que forrava o chão debaixo dele.

— Ai, sinceramente — resmungou ela, indo puxar o colega do colchão — Essa sua competitividade vai te matar um dia.

— Menos sermão e mais água, Grace — pediu ele, arfando como se estivesse à beira de um colapso. Grace segurou o sorriso que principiava se formar em seus lábios diante da comicidade que Finn exalava quase que o tempo inteiro, e lhe jogou a garrafa d'água que tinha em mãos.

— Aproveitando que o Finn finalmente desistiu de se matar por exaustão por hoje — começou Yuri, guardando as facas de treino com que estivera praticando — Querem encerrar por aqui e sair para comer alguma coisa?

A sugestão foi muito bem recebida pelos outros caçadores, que prontamente largaram o que estavam fazendo e começaram a se preparar para sair.

— A Maria vai dessa vez, Oly? — perguntou Anastasia, chamando a mais velha por um apelido que só fazia sentido em momentos assim, de descontração. Quando estavam armados até os dentes, algo assim ganhava tom de piada.

— Eu fico até com vergonha de sair com ela nesse estado — respondeu Olesya, apontando para seu “eu” suado e meio descabelado, que era a situação de todos ali, no fim das contas — Mas, sim, ela disse que vai nos esperar no lugar de sempre.

O “lugar de sempre” era um bar no centro da cidade conhecido por abrigar caçadores em suas horas vagas, tanto os de elite quanto os principiando em seus treinos. Era sempre barulhento, explodindo de gente, com uma ou duas brigas acontecendo em algum canto toda noite, mas era aí em que residia grande parte da graça. Além de fazerem o melhor espetinho de carne da cidade, claro.

— A Cat…?

— Não, hoje ela tinha que receber alguns caçadores novatos ou alguma coisa assim — respondeu Roman enquanto fazia seu melhor para limpar a marca que a bota de Grace deixara na lateral de sua calça, desistindo no meio do processo.

Assim, em falta de dois membros do grupo — Grigoriy decidira passar a comida de bar por um jantar com Alina, sua esposa —, foram juntos para o estabelecimento. Lá, foram saudados por outros colegas. Era possível perceber um frenesi por parte dos caçadores mais novos ao reconhecer quem eles eram, e Grace não podia deixar de sorrir um pouco com aquilo. Querendo ou não, seu ego agradecia o olhar de deslumbramento dos novatos.

Mal haviam entrado, Finn já estava encostado no balcão de bebidas ao centro do bar, puxando conversa com a barista de cabelos cacheados por quem ele tinha uma queda desde sempre, os dois em um joguinho antigo de flerte. Olesya estava com Maria, depois que a última, não fazendo caso nenhum da aparência caótica da namorada, lhe enchera de beijos e a puxara para um canto, dizendo que queria conversar sobre algo.

Era sempre assim. Chegavam, dispersavam-se, mas, no fim na noite estariam irremediavelmente juntos de novo. Anastasia e Roman já tinham se perdido no meio da multidão também, mas não seria difícil encontrá-los: era só procurar na mesa dos fundos onde jogavam pôquer. Os dois eram jogadores habilidosos, e havia sempre uma competição não declarada (que acabava ficando muito bem escancarada no fim da noite) sobre qual dos dois levaria a vitória daquela vez.

Yuri estava com seus amigos, os que tinham a sua idade, e que raramente podia ver, por estarem em estágios de habilidades bem diferentes. Grace ainda se lembrava do começo, quando Yuri fora aceito no grupo de elite com apenas dezessete anos enquanto seus amigos mal haviam principiado a sair para patrulhas de rotina. O garoto morria de medo de ser deixado de lado pelos amigos, e foi nessa ansiedade por se encaixar que Grace se dera conta, de verdade, do quão novo Yuri era. Desde então, havia quase que um acordo silencioso entre os outros caçadores de elite para tomar conta do rapaz, jogando-lhe um conselho aqui e ali, da forma mais sutil possível para não ferir a maturidade que ele já tinha desde muito cedo.

Grace estava quase indo para seu “posto usual”, estrategicamente perto do jogo de dardos e do balcão de bebidas, quando viu algumas faces conhecidas. A primeira não lhe causou mais do que uma surpresa sutil por ver aquela pessoa ali. A segunda fez seu estômago se agitar em ansiedade.

A primeira face conhecida era de Mikhail Baranov, um antigo colega que deixara de ser caçador havia um tempo, e os motivos sempre tinham sido um tanto incertos para Grace, mas ela não o conhecia o suficiente para realmente se importar. Era estranho vê-lo ali, uma vez que, depois de deixar o posto de caçador, ele raramente era visto em momentos de confraternização, mas ele deveria ter seus motivos. Com o início da Seleção, ouvira que ele passaria a trabalhar como guarda no palácio por um tempo, já que precisavam, de fato, de um reforço na segurança. Talvez o serviço maçante de passar a madrugada vigiando corredores vazios fosse um bom convite para uma dose de álcool, e ela não podia julgá-lo por isso.

A segunda face era a de Dean Campbell. Esse também era um colega antigo, mas fora algo mais. Caíra pelos charmes típicos de um “bad boy” do rapaz quando ainda treinavam juntos. Fora algo rápido e eletrizante, e acabara tão abruptamente quanto começara, bem na época em que o rapaz fora afastado da caçada. Grace nunca entendera direito porque haviam brigado tanto, e o afastamento completo do rapaz lhe deixara com o coração um tantinho partido, mas já fazia muito tempo. Imaginava se seria apropriado se aproximar e iniciar uma conversa que provavelmente não daria em lugar nenhum, quando sentiu alguém pulando em seu pescoço, dando de cara com uma Anastasia um tanto bêbada e muito, muito animada.

— Grace! O que você está fazendo parada aí, a gente tem que comemorar!

— Comemorar o quê, maluca? — perguntou, rindo da estabanação da amiga — Só se for o fato de que você finalmente saiu daquela mesa de pôquer.

— Estou de acordo com a última afirmativa — disse Olesya, chegando perto das duas, cercada pelos outros caçadores do grupo deles — Mas tem algo pra comemorar de verdade — ela trocou um olhar com Maria, com quem estava de mãos dadas, e Grace finalmente percebeu a felicidade que irradiava das duas — Vamos nos casar, e logo. Chega de esperar por uma paz que está demorando demais a vir.

Tudo o que Grace conseguiu fazer foi se adiantar e dar um abraço nas duas, já que sentia um nó na garganta que provavelmente se desmancharia em choro se tentasse dizer alguma coisa. Amava profundamente aquelas duas mulheres, e vê-las decidindo dar mais aquele passo juntas, apesar da época difícil em que viviam era o tipo de esperança de que ela estava precisando.

O resto da noite passou em uma infinidade de brindes, de histórias, de conversas ininterruptas que se uniam e se embolavam. Apesar da dureza do passado, do gosto de aço que tinha o trabalho que faziam todo dia, apesar das mágoas que carregavam e do sangue que acumulavam, com pouco remorso, nas mãos. Apesar de tudo isso, ainda tinham direito a noites como aquela, que se cristalizariam como memórias do que felicidade significava. E isso era muito mais do que poderiam querer.