P.O.V - Carter

Tudo o que desejava era que assim que abrisse os olhos, aquilo não tivesse acontecido...

P.O.V - Melissa

Tudo o que desejava era que os erros do passado pudessem ser concertados...

P.O.V - Adan

Não pude ficar encarando os dois. Dei as costas a maldita Dawn e seu primo nojento, Leon.

Sai da quadra e começo a andar em passos rápidos nos corredores do Delarriva. Sequer desvio o meu olhar para os dois me seguindo, aqueles que eu chamava de melhores amigos... Não tinha jeito de esconder mais, aquela sensação... Tudo havia voltado...

Ao longo do caminho encontro Dylan parado na porta, sorri ao me ver, tinha prometido tomar um sorvete com ele, para ver se continuava bem. Depois vi Chloe chorando em um banco perto da sala do diretor, logo tiro a conclusão de que a conversa com Gewn não havia sido algo bom, pra falar a verdade sabia que ela não tinha sentimentos por Chloe, mas não queria magoa-la dizendo isso, magoa-la como eu fui magoado.

Não conseguia me expressar, as palavras não saiam da minha boca. Eles chamavam pelo meu nome em minhas costas. Segui assim, calado até a grande porta de vidro. Ao sair, senti algo muito forte, como se fosse sair dali apenas mais aquela vez, em seguida era como pisar brasas de fogo do inferno, um lugar escuro e cheio de dor.

Chamo um táxi que estava parado do outro lado da rua, sem pensar, subo e peço para me tirar dali. Posso sentir os dois seguirem o carro durante duas ruas, até o cansaço físico falar mais alto. Tudo que queria era sumir, para sempre.

Chego em casa, não digo uma palavra a Elizabeth. Subo ao meu quarto, tranco a porta e digo para ela não me incomodar. Mesmo estando preocupada, ela cede ao meu desejo. Nunca me sentia tão mal como aquele dia, era como se todas as cores do mundo tivessem desaparecido, e junto a elas toda a vivacidade e humanidade, era tudo um completo vazio.

Não preciso dizer que chorei, era fraco e isso acontecia com pessoas frágeis como eu. Pego no sono ao por do sol, sem sequer ver as milhares de mensagens e ligações feitas por Carter e Melissa.

Acordo de madrugada com os soluços do choro de Elizabeth. Ela falava ao telefone, escutando a conversa, desuso que era com Theo.

— Filho, eu não sei mais como agir. Adan está ficando frágil de novo. Eu tento ser a melhor mãe do mundo para ele, mas eu não sei se consigo. Se ficar daquele jeito mais uma vez, eu não vou conseguir suportar...

Ela não parava de chorar, enquanto eu ouvia a conversa olhando para o teto acinzentado do meu quarto. Desvio o olhar para minha escrivaninha, lá estava uma foto da família, com meu pai junto a ela. E ao longe, bem na ponta, estava mais uma fotografia. Meu padrinho e eu pescando no Brasil, onde ele morava. Era uma pessoa alegre, nunca quis casar, seu único desejo era ser feliz, e conseguiu. Sempre me amou, desde que era um garotinho. De vez em quando ele vinha nos visitar, sempre me trazia um presente de lá, as melhores e mais curiosas coisas do país. Foi ai que tomei minha decisão.

Esperei Elizabeth pegar no sono. Sentei-me em minha escrivaninha, peguei lápis e papel, e as palavras iam surgindo conforme as emoções.

"Elizabeth! Não quero que pense que você é uma mãe ruim, sei que não tenho como provar, ou na verdade tenho, só não sei como explicar. Você é de longe a melhor. Nunca achei que poderia contar tanto com alguém sobre meus sentimentos por exemplo, mesmo assim você estava lá do meu lado sempre. Nos últimos dois anos e meio você foi além de mãe, um pai para Theo e eu, mesmo sentindo falta do papai, a sua alegria consegue nos contagiar e fazer nossos corações se acalmarem. Eu te amo e sempre vou te amar, mamãe! Só prometa que não vai chorar."

De: Seu filho

Desci as escadas na ponta dos pés para não acordá-la. Não demorei a arrumar minha mala, não tinha muitas coisas preciosas. A única coisa que fiz questão de colocar entre os meus pertences, foi a primeira foto que Carter, Melissa e eu tiramos, só para lembrar que mais uma vez eu fui um idiota, e que mais uma vez eu me enganei. Como eu já esperava, não existem amizades verdadeiras, muito menos amor verdadeiro. Eu amei Carter mais que tudo na vida, pena que ele não mostrou sentir o mesmo. Aquele sentimento estava me cobrindo cada vez mais, fazendo-me esconder ainda mais sobre um manto de dor psicológica. Acreditem, não era exagero.

Abro a porta lentamente, tentando fazer o mínimo de barulho possível. O táxi já me esperava em frente a calçada.

— Boa noite jovem, chamou bem tarde. É minha última corrida. 7

— Sinto muito mesmo senhor.

— Para onde vai a essa hora? - pergunta o motorista.

— Vou até o aeroporto. Não tenha pressa, tenho todo o tempo do mundo...

Tempo perdido (Legião Urbana)

Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo

Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder

Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem! Selvagem!
Selvagem!

Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos

Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso…

O caminho todo, fui olhando pela janela, pensando, refletindo... A corrida nem foi tão cara, tinha que economizar para a passagem, não poderia nem forrar o estômago, senão o dinheiro não restaria para a passagem. O aeroporto estava praticamente vazio. De qualquer modo teria que esperar amanhecer para meu voo. As pessoas iam passando e encarando-me, deviam pensar "O que um garoto tão jovem faz aqui sozinho?". Pois é, nem eu sabia muito bem, só tinha a absoluta certeza que tinha de qualquer modo, ir embora daquele lugar.

Vou até o guiche para comprar a passagem. Entrego tudo que a moça da recepção pede, meus documentos, passaporte, e o mais importante, a assinatura da minha mãe junto a autorização de viajar sozinho. Sorte que a caligrafia da Elizabeth era tão simples, que sabia copiar perfeitamente sua assinatura desde a quarta série, por isso evitei vários sermões de notas baixas. Lá estava, a passagem para o Brasil. Ainda havia me sobrado mais ou menos cinco reais, comprei um refrigerante na máquina automática.

Já com a passagem em mãos, pego no sono, sentado na cadeira dura e gélida da sala de espera do aeroporto.

................................................................................................

Os raios de sol me acordam duas horas antes do horário do meu voo. Ando um pouco pelo lugar apreciando as lojas de brindes caros que aquelas tias sempre compram.

Quando vejo, já estou na fila para entrar na linha de embarque. Dou uma última olhada para trás. Memórias passam pela minha cabeça, todos os momentos felizes, ou pelos menos aqueles que achava que estava feliz, aparecem instantaneamente e rapidamente em minha mente.

Os dias de jogar video game com meu irmão, meu primeiro e desastroso dia de ensino médio, Melissa se dispondo a ser minha amiga, minha primeira festa de adolescente, meu primeiro beijo, as crueldades da minha ex rival Chloe, as conversas de incentivo com Dylan, meu primeiro amor... Me fizeram derramar uma última lágrima falsa de gostar de tudo aquilo, as pessoas são cruéis. Seria mais fácil se naquele primeiro dia de aula, eu tivesse ficado isolado como antes, se o fizesse, nada dessas coisas teriam acontecido, não acharia que já havia sentido a felicidade. Esse sentimento de alegria não era e nunca foi para mim.

Finalmente consigo voltar meu olhar para frente e continuar colocando um pé na frente do outro mais uma vez...