Os filhos de Fëanor

Estava anoitecendo em Nam Elmoth, quando Ëol retornou à sua casa. Estava tudo silencioso, as luzes estavam apagadas e não se via sinal de nenhum de seus serviçais. Ele estranhou aquilo, e a estranheza tornou-se ainda mais evidente ao entrar em seu quarto e não encontrar Aredhel, sua esposa. Ela deveria estar lá. Maeglin deveria estar lá. Mas não havia sinal dos dois. A Lareira estava fria, a dispensa havia sido esvaziada. E não havia sinal dos malditos serviçais!

Ele procurou sua espada. Mataria qualquer miserável que tivesse invadido sua casa e tomado sua esposa e filho. Mas logo desistiu da ideia, convencido de que ninguém havia invadido. Aredhel havia esvaziado a dispensa, a cama estava feita e sua espada... Onde estava sua espada?

— Vadia maldita! — Ele praguejou.

Anguriel havia desaparecido.

Eles fugiram. Como eles poderiam? Após tudo o que ele fizera por eles? Ëol montou seu cavalo e cavalgou furioso através da floresta densa. Os rastros ainda estavam visíveis, eles não poderiam ter ido longe. A trilha desviava para o Sul e depois para o Norte, mas ele não soube exatamente que caminho seguir. Sabia que a morada dos filhos de Fëanor estava naquela região e uma fúria cega cresceu dentro dele ao lembrar-se disso. Após anos mantendo-a viva e aquecida, ela ainda procurava os fratricidas, os assassinos de seu povo.

Curufin o recebeu sem muita paciência, e agradeceu aos Valar por seu irmão mais velho, Celegorm não estar presente. Ele havia se oferecido para levar Aredhel até a metade do caminho ao norte.

— O que procuras, Elfo Escuro, em minhas terras? Uma matéria urgente, talvez, para fazer com que alguém tão tímido do sol viaje de dia.

E Eöl, conhecendo seu perigo, refreou as palavras amargas que lhe surgiam na mente. Não tinha mais paciência para aqueles jogos, e ele sabia que quanto mais tempo levasse alí, mais tempo Aredhel teria para escapar.

— Descobri, Senhor Curufin, — respondeu ele, — que meu filho e minha esposa, a Dama Branca de Gondolin, saíram para visitar vocês quando eu estava longe de casa; e me pareceu apropriado que me juntasse a eles nessa viagem.

Então Curufin riu de Eöl e disse:

— Que bom que não o fez. Você não é bem vindo aqui. E duvido que Aredhel tivesse apenas "vindo nos visitar para depois voltar para você" — O olhar de Curufin era sombrio e irritado. Esperava que Ëol retornasse logo para casa, e para a bela surpresa que ele e Celegorm haviam preparado para ele. — Não faz dois dias desde que passaram pelo Arossiach e de lá cavalgaram velozmente para o oeste. Parece que tentaste me enganar; a menos, de fato, que tu mesmo tenhas sido enganado.

E Eöl replicou:

— Então, senhor, talvez possa me dar licença para ir e descobrir a verdade.

— Faça como desejar. — assentiu Curufin. — Quanto antes você sumir de minha vista, melhor para mim.

Ele e seus homens acompanharam Ëol até a saída, em silêncio, pois aparentemente Curufin não pretendia dirigir-lhe a palavra para mais do que fosse necessário. Apenas não o mataria alí mesmo, pois as leis dos Noldor não lhes permitiam tal coisa. Mas ele teria o que merecia. Como teria!

Então Eöl montou seu cavalo, dizendo:

— É bom, Senhor Curufin, achar um parente assim gentil na hora da necessidade. Lembrarei disso quando retornar.

Curufin o encarou com olhar sombrio.

— Não me chame assim. Não ostentes o título de tua esposa diante de mim. — Retrucou. A mão apertou o punho da espada. — Pois aqueles que roubam as filhas dos Noldor e as desposam sem consentimento delas ou a benção de seus pais, não ganham parentesco com seus parentes. Dei-te permissão para ir. Vá. Pelas leis dos Eldar, não posso matar-te neste momento.

Ëol assentiu e preparou-se para partir.

— Obrigado, Senhor.

— Ëol. — Curufin o chamou novamente. — E este conselho acrescento: retorna agora à tua morada na escuridão de Nan Elmoth; pois meu coração me adverte de que, se agora perseguires aqueles que não te amam mais, nunca retornarás.

Celegorm retornou com seus homens logo após Ëol desaparecer. Curufin agradeceu por isso, afinal ninguém estava a fim de que ocorresse um novo fratricídio, dessa vez dentro de sua casa, com seu filho e sua esposa nela. De qualquer forma, seu irmão tinha um sorriso satisfeito nos lábios.

— Está feito. — Ele disse. — Mesmo que deseje voltar a Nam Elmoth, Ëol não terá mais uma casa para onde voltar.

Os dois riram, olhando para a fumaça que subia do sul. A floresta ao leste de Doriath, nada mais seria que um punhado de cinzas e troncos retorcidos quando ele voltasse. Celegorm começou logo após deixar Aredhel, cavalgou até a morada do Elfo Negro, e antes que ele retornasse, tomou todos os servos e os matou na floresta, então incendiou os corpos, amarrados em árvores.

Então Eöl saiu a cavalgar apressado, e estava cheio de ódio por todos os Noldor; pois percebia agora que Maeglin e Aredhel estavam fugindo para Gondolin. E, levado pela raiva e pela vergonha de sua humilhação, cruzou os Vaus do Aros e cavalgou desabalado pelo caminho que eles tinham seguido antes; mas, embora não soubessem que ele os seguia, e embora ele tivesse a montaria mais veloz, nunca chegou a vê-los até que alcançaram o Brithiach e abandonaram seus cavalos. Então, por má sina foram traídos; pois os cavalos relincharam alto, e a montaria de Eöl os ouviu e correu na direção deles; e Eöl viu de longe a vestimenta branca de Aredhel e observou por qual caminho ela seguiu, buscando a trilha secreta montanhas adentro.

••

Maeglin estava ansioso por aquela noite. Vestiu as roupas que seu tio lhe havia emprestado e para sua surpresa, ele ficava muito bem nelas. Turgon riu, animado, como um pai que vê o filho, já crescido usando suas próprias roupas.

— Você está muito bem! — Ele disse. — Mas embora preto combine muito bem, com você, talvez devesse usar algo com alguma cor.

Maeglin deu de ombros.

— Eu gosto assim.

— Jovens... — Turgon brincou. — É melhor se apressar, então. Sua prima pode ser um doce à primeira vista, mas você vai perder o encanto logo quando fizer com queela se atrase a primeira vez.

— Certo. — Disse. Ele não via como poderia perder o encanto por Idril.

Eles se despediram e Maeglin a encontrou no salão, discutindo qualquer coisa feminina com Aredhel. Elas acenaram para ele e sua mãe lhe deu um suave beijo na testa, enquanto Idril enganchava deu braço no dele.

— Ecthelion vai começar a tocar daqui a pouco. — Ela disse animada. — Você vai adorar os concertos de Gondolin.

— Acredito que sim. Embora eu nunca tenha visto nenhum concerto.

— Ah... Bem... Isso vai mudar.

— Não fique até muito tarde. — Pediu Aredhel.

Ela estava acostumada a ter apenas um filho, agora eram dois. E Idril parecia feliz em levar o primo para o mau caminho dos concertos e jardins perfumados. Daqui a pouco a encontraria penteando os cabelos do primo e enfeitando-o com folhas de cerejeira.

— Ela parece animada. — Aredhel saltou no lugar onde estava e pôs a mão sobre o coração. Turgon franziu o rosto para isso. Ela começava a demonstrar traços do mesmo comportamento estranho que Celegorm havia notado nela. — Me desculpe, eu não quis te assustar.

— Está tudo bem. Isso não deveria acontecer, mas... Bem. Eu estava distraída.

Ëol costumava assustá-la dessa forma. Uma maneira que ele usava para observar o que ela fazia sem que ela notasse sua aproximação. Não funcionaria com um elfo normal, que não estivesse sob muito estresse.

— Elenwë e eu pensamos que Idril iria gostar de ter um irmão. Eu sempre tive medo disso, porque ela quase morreu no parto, mas ver a tristeza nos olhos dela quando o curador disse que ela não poderia mais conceber foi devastador.

— Eu estava lá. — Aredhel concordou.

— Eu fico feliz que ela tenha Maeglin. — Ele riu. — Minha filha, agora simplesmente parece ser uma criança de novo.

— Ela não teve chance de ser criança, Turgon.

— É verdade... — Observou o rei. — Nisso ela e Maeglin são muito parecidos.

— Sim... — Aredhel sorriu para o irmão. — Eu preciso te falar uma coisa. Por favor, não brigue comigo, só... me ouça.

— Eu não vou brigar com você.

Ela o puxou de volta para o escritório e trancou a porta, o olhou profundamente e mordeu o lábio, sem saber como poderia dizer a ele sem causar um inferno em sua família.

— Turgon, eu... Estive com Celegorm antes de vir aqui. — A expressão dele ficou mais seria, mas ele havia prometido que não brigaria. — E eu... Ele me beijou.

— Aredhel...

— E eu... Amo ele, mas...

— Ele é filho do Fëanor.

— Eu sei, mas...

— É nosso primo. — Ele a olhou com uma carranca de desgosto.

— Turgon, me ouça...

— É um assassino.

— Ele não teve escolha.

— Todos tiveram escolha. — Ele cerrou os dentes. — Até eu. Até nosso pai. Finrod, Artanis e você, todos nós tínhamos uma escolha.

— Turgon...

O rei suspirou e segurou a cabeça entre as duas mãos.

— Você realmente o ama, não é?

— Desde que éramos crianças.

— Fingon me avisou várias vezes, e eu nunca quis acreditar.

Ele havia prometido não brigar. Estava tudo bem. Ele detestava Maedhros e os irmãos, mas imaginou que eles seriam a seu modo melhores que Ëol.

— Você está bravo, não é?

Turgon negou com a cabeça, levantou-se e se aproximou, mas não muito. Aredhel ainda evitava deixar que qualquer pessoa que não fosse seu filho ou Idril a tocasse, mesmo que fosse apenas seu irmão mais velho.

— Eu amo você, Aredhel. E se você estiver feliz, eu estarei feliz. Mesmo que tenha que aturar Celegorm. — Ele riu, mas então uma expressão estranha tomou seu rosto. — Terei que legislar sobre divórcio. É algo que nunca passou pela mente dos Eldar.

— É... Eu sei. — Ela disse. — Me pergunto se é realmente o que devemos fazer. Quero dizer, eu sou casada, de alguma forma...

— Ele estuprou você, Aredhel! O que ele fez não é casamento, não é justo e muito menos é amor! Eu preciso que você entenda isso. — Turgon disse seriamente e ela pareceu assustar-se com aquela palavra. Quase como se finalmente percebesse o que realmente Ëol fazia com ela. O que ela passou doze anos tentando ignorar ou mascarar com outras palavras ou histórias. — Me desculpe, eu não deveria...

— Não. — Ela interrompeu e segurou a mão de seu irmão. — Obrigada. Eu precisava disso. Obrigada por cuidar de mim.

Ele se aproximou e a abraçou, dessa forma Aredhel não se afastou. Ele a apertou em um abraço terno e deu-lhe um beijo na testa.

— Eu sou seu irmão mais velho. Meu dever é cuidar de você. Embora eu esteja falhando miseravelmente nisso.

— Turgon, você não...

— Shh! — Ele pediu. — Está tudo bem. — Então olhou pela janela para as luzes e músicas na praça do mercado. — As crianças irão demorar, talvez devamos ir descansar

A lua estava alta no céu, quando Aredhel voltou para o quarto. Sentia-se finalmente em casa, após muitos e muitos anos. Maeglin parecia feliz e ela não precisava se preocupar. Sentou-se na cama e começou a desamarrar os cordões que prendiam seu vestido, quando seus olhos captaram uma sombra no espelho. Ela se levantou e olhou na direção da janela.

— Por favor, não pare por minha causa. — Disse o elfo. — Eu realmente não me importo de admirar sua beleza mais uma vez.

— Ëol...

— Sim. Sou eu. Ëol, seu marido! — Ele exclamou, aproximando-se. — E vim para levá-la para casa.