De volta à Gondolin

Celegorm chegou da janela e observou Maeglin brincar com Huan, o grande cão. O menino não parecia temer Huan e o cão não lhe estranhava. Aquilo era bom, embora fosse incomum. Aredhel estava sentada em uma poltrona, ao lado da lareira, quando seu primo tirou-a de seus pensamentos.

— Ele é forte. — Observou. — É diferente. Alto para a idade que têm.

— Lómion é um ótimo garoto. — Ela riu, levantou a xícara quente de chá aos lábios.

Celegorm ainda parecia inquieto.

— Você não era casada da última vez que a vi. — Então era isso. Ela levantou os olhos para o primo e abriu a boca para responder, mas ele se adiantou. — E aparentemente, seu pai não sabe sobre seu casamento.

— Celegorm, por favor, me perdoe...

— Eu posso conviver com isso. — Ele estava magoado. Ele a amava desde a infância, e ainda assim, seu amor não era suficiente para ela. — Mas eu pensei... E por muito tempo pensei... Que você me amasse. — Aredhel ainda não tinha palavras. Sentiu-se culpada pelo tempo em que o rejeitou. Lómion poderia ter sido filho de seu verdadeiro amor, ela não teria se afastado por tanto tempo de sua família, as casas de Fingolfin e Fëanor talvez pudessem viver em paz...

— Eu nunca quis magoar você. — Seus olhos começavam a lacrimejar e Celegorm decidiu aproximar-se e consolá-la.

— Eu sei... Você não poderia, de qualquer forma. Eu a amo demais para ficar magoado com você. Mesmo que tenha entregue seu amor a outro.

— Você não entende. — Ela se afastou e caminhou até a janela. Seu filho estava distraído, mas olhou para ela por breves segundos. — Eu não tive escolha, ele... Ele não me deu escolha.

A compreensão finalmente alcançou os olhos claros de Celegorm. Seus lábios se entreabriram e seu rosto se retorceu em uma mistura de raiva e pesar. Havia falhado com ela. Falhado em demorar a voltar para casa, falhado em não ter insistido por seu amor, falhado em ter acreditado que ela estivesse morta.

— Ah... Você não quer dizer...?

Ele se aproximou, notando que Aredhel estava lutando para não dar um ou dois passos para trás. Ele deveria ter notado. Deveria ter percebido que havia algo estranho no comportamento de sua prima.

Ela só o havia abraçado uma vez, quando se viram na entrada de Himlad, mas além disso não permitia que ele sequer encostasse nela, mesmo que fosse apenas para pegar sua mão. Ela não o olhava nos olhos, ela evitava ficar sozinha com ele a menos que fosse em um ambiente aberto, como era agora, e começava a tremer toda vez que Celegorm se aproximava na intenção de abraçá-la novamente, o que o desencorajou, mas ele nunca entendeu o porquê.

— Eu sinto muito... — Ela finalmente disse e desabou em lágrimas. Deixou o corpo cair no sofá ao lado de uma ampla janela e seus soluços o fizeram ficar dividido entre envolvê-la em seu braços e confortá-la, ou cavalgar até Nan Elmoth e incendiar a maldita floresta com o bastardo que havia causado tal sofrimento à sua amada.

— O que ele fez... Não foi sua culpa, Aredhel.

— Eu não deveria ter saído de casa. Eu não deveria ter saído daqui. — Ela chorava compulsivamente, com as mãos sobre o rosto vermelho.

— Não, não deveria. Mas ele não tinha o direito de violá-la, mesmo assim. — Aredhel não respondeu. Seus soluços tornaram-se constantes e quebraram o coração do terceiro filho de Fëanor. Ele sentou-se ao seu lado, notando novamente aquela tensão do corpo dela ao te-lo tão próximo. Hesitou por um momento, mas envolveu-a com um dos braços. Aredhel se assustou, mas ele a apertou contra si e sussurrou para que se acalmasse: — Shhh... Irissë, não vou te machucar... Nunca vou te machucar.

Celegorm não concordava em deixar Aredhel seguir sozinha de volta ao reino oculto. Lómion estaria com ela, claro, mas ainda assim, temoa que Ëol, pudesse encontrá-los no caminho. No entanto, ela insistiu que deveriam ir, por mais que amasse o primo e seu coração se deleitasse em matar a saudade que tinha dele, Curufin, Caranthir, Amrod e Amras, ela não poderia abandonar os de sua própria casa ao engano e à desesperança. Ela precisava voltar para Turgon, e para Idril.

— Você tem certeza? — Ele insistiu, vendo-a guardar as poucas coisas que ele lhe dera para ajudá-la na viagem. A esposa de Curufin lhe emprestara alguns de seus vestidos, já que ela não trazia mais de Nan Elmoth que as roupas do corpo.

— Você sabe que eu preciso fazer isso. Você viu Lómion?

— Ele estava no quarto polindo a espada. Uma bela espada. — Disse simplesmente, ignorando a estranheza no rosto de Aredhel.

Maeglin não tinha uma espada. Ela fechou a mochila de viagem e virou-se para perceber Celegorm muito próximo. Tão próximo que seu corpo quase se chocou com o dele quando se moveu.

— Celegorm...

— Eu deveria ter insistido com você. — Ele disse, acariciando suavemente seu rosto. Ela não tremeu com seu toque, não dessa vez. Em vez disso, segurou carinhosamente sua mão. Seus olhos brilhavam com lágrimas que logo seriam impossíveis de conter. — Ma melilyen, Irissë?

M-Melinyë Tyelkormo.

E pela primeira vez desde que se conheceram, Celegorm teve coragem de deixar seus lábios tocarem os de sua amada. Ele depositou sobre eles um beijo terno e carinhoso, mas apaixonado, embora não intenso, pois temia assustá-la se fosse assim. Aredhel, no entanto, deixou a mochila cair dos ombros e o abraçou, segurando o rosto do elfo e o beijando com maior intensidade, afastando-se um pouco depois, ofegante, mas satisfeita. Era bom, finalmente estar nos braços de quem ela amava.

Amya? — Eles olharam para a porta, de onde Maeglin os observava. Aredhel afastou-se imediatamente do primo e encarou o filho, que embora alternava o olhar entre os dois, manteve o rosto indiferente ao que havia visto. — Estou pronto.

— Ah... Certo! — Ela pegou novamente a mochila. — Você vai se despedir de Lorde Celegorm?

Maeglin concordou e se aproximou, parecendo suspeitamente confortável em ter visto sua mãe e o primo dela aos beijos há não mais que dois minutos.

— Espero que façam uma viagem segura. — Desejou Celegorm.

— Eu agradeço por tudo, Lorde Celegorm. — Disse o menino. — E por fazer minha mãe sorrir novamente.

Aredhel riu involuntariamente daquilo e sua reação pareceu alegrar tanto Celegorm quanto seu filho.

— Eu a faria sorrir por toda a eternidade. — Suspirou ele, sem perceber que estava há tempo demais encarando sua amada Irissë. Bem, ela também o encarava.

Um pigarro chamou a atenção dos dois, e Maeglin pareceu pela primeira vez desconfortável. Bem, de qualquer forma eles deveriam partir antes do pôr do sol. Celegorm lhes forneceu cavalos jovens e fortes e suprimentos suficientes para viajarem. Um suspiro escapou de seus lábios ao ver Aredhel partir novamente, com o vento nos cabelos e seu filho Maeglin como guarda costas. Ela nunca ficaria presa novamente. Ele sorriu e sentiu-se feliz, pois mesmo que não pudesse tê-la, poderia ao mesmo alegrar-se por sua felicidade.

Mesmo após anos, o caminho para Gondolin era conhecido para Aredhel e ela o guiou até o principal portão. Os guardas se espantaram ao reconhecê-la e levaram-na imediatamente a Turgon, o alto rei dos Noldor. Houve alegria em toda Gondolin quando, pois sua dama branca havia enfim retornado Turgon chorou de emoção ao ver a irmã, e ignorando qualquer formalidade tola, correu as escadas de sua gloriosa torre e a envolveu em um abraço saudoso e apertado, suas lágrimas molhando a túnica luxuosa do rei, enquanto ele a abraçava e chorava, ignorando os olhares espantados de seus guardas, que até então jamais o havia visto chorar.

— Aredhel, pelos valar! — Ele recusou-se a soltá-la, mesmo depois que seu aperto fez com que sua irmã enrijecesse o corpo e tentasse se afastar. — Eu pensei que nunca mais veria você. Como você pôde? Como pôde me deixar tão preocupado?

— Turgon...

Ele se afastou, ao sentir a mão dela em seu peito, empurrando-o com delicadeza.

— Me perdoe. Você deve estar cansada. — Seu olhar alternou entre sua irmã e o rapaz que a acompanhava. Um menino, elfo, que não deveria ter mais que a altura de Idril, embora parecesse muito mais novo que ela.

— Ah... esse... — Ela pegou a mão de Maeglin e o puxou para perto. — É meu filho, Maeglin, a quem também chamo Lómion.

— Você... — Turgon a olhou incrédulo. — Você tem um filho?

— Sim... Bem, eu posso explicar tudo, mas não aqui.

Ele concordou e sorriu para o garoto, antes de surpreendê-lo com um abraço também. Aredhel riu ao ver o espanto no rosto do filho.

— Seja bem vindo, Maeglin, meu sobrinho. Espero que aprecie a morada de sua família.

— Com certeza, aprecio, meu senhor.

— Chame-me de tio, se preferir. — Ele disse. — Ou apenas Turgon. Você é filho de minha irmã e será como um filho para mim.

Uma agitação se ouviu entre os guardas e Turgon se virou ao ouvir a voz de sua filha, Idril, era uma voz doce, mas imponente, quase como a de sua mãe e ela veio correndo, abrindo caminho entre os guardas e curiosos da cidade. Seus olhos prateados brilharam ao ver Aredhel e ela pulou nos braços da tia, que soltou uma risada alta enquanto a abraçava.

— Aredhel! Você voltou!

— Eu disse que voltaria. — Aredhel a soltou e a analisou. — Céus, como você cresceu!

— Bem, eu já era adulta quando nos despedimos.

— Sim. — Ela riu novamente.

— Por favor, prometa que não vai mais embora. — Suplicou Idril, à tia.

— Eu prometo. — Elas se afastaram e Aredhel trouxe Maeglin para perto novamente. — Idril, quero que conheça seu primo, Maeglin, meu filho.

A jovem elfa ficou boquiaberta, mas fez o possível para não parecer surpresa. Ela sorriu para Maeglin e ele pegou sua mão, depositando um beijo terno nela. Idril sorriu amigavelmente para ele.

— É um prazer conhecê-lo, Maeglin! É bom ter mais alguém para conversar além do rabugento do meu pai. — Ela riu.

— Ah... — Maeglin olhou para a mãe e para o tio e eles tinham olhares encorajadores para o menino. — Então creio que ficarei honrado em fazer-lhe companhia, prin...

— Idril. — Ela disse. — Nós somos primos, lembra?

Ele concordou. Na verdade, ele pareceu bem menos à vontade na presença dela do que estivera com Turgon ou até mesmo com Celegorm. Idril possuía uma beleza única e seus olhos brilhantes prenderam-no quase que como uma hipnose. Seus cabelos dourados reluziam à luz da bela Gondolin. Ele percebeu que ela mexia desconfortavelmente os pés dentro das sapatilhas azuis, que combinavam com o belo vestido, mas nada nela parecia menos belo, por mais estranho que fosse às vezes.

Turgon pediu que eles fossem levados à seus aposentos. Maeglin estava encantado com Gondolin e Idril se ofereceu para mostrar-lhe tudo no dia seguinte. Ele falava incansavelmente sobre ela, como se fosse algum tipo de divindade.

— Aqui é a praça do mercado. — Apontou-lhe. — As pessoas vendem todo o tipo de coisa por aqui.

— Tudo é muito belo, princesa. — Maeglin seguia animado. Na verdade, sua atenção estava nela. — Qual o seu lugar favorito aqui?

Ela o olhou e sorriu um pouco tímida, então tomou-o pela mão e o conduziu à um belo e vasto jardim, que se estendia desde o mercado até a praça do rei.

— Eu passo bastante tempo aqui. Normalmente quando preciso pensar. Me faz lembrar de casa. — Idril suspirou sonhadora.

— Mas... Essa não é sua casa?

— Sim. Ah, bem... Minha outra casa. Em Tirion, há muito tempo atrás.

Eles ficaram em silêncio por algum tempo e logo ela virou-se para o primo com um sorriso alegre e disse que talvez fosse hora de voltarem. Seu pai os esperaria para o almoço e ela não desejava que Glorfindel, da casa da flor dourada, comesse toda a geleia de amoras.

Turgon estava na janela do quarto de sua irmã, quando os viu voltar. Idril era gentil e tratava seu primo de forma cordial, a fim de deixá-lo confortável. Aquilo era bom, uma vez que eles provavelmente conviveriam por bastante tempo.

— E o pai dele? — Perguntou à Aredhel, que estava sentada na cama, folheando um livro antigo. Ela levantou os olhos, surpresa com a pergunta do irmão. — Ora, Aredhel! Você não pode tê-lo feito sozinha.

— Minha relação com o pai de Maeglin é... Complicada.

— Isso não é resposta. — Ele exigiu, e a encarou com gravidade.

— Maeglin não foi concebido como Idril, meu irmão. Eu não o queria, não amava o pai dele. Eu estava ferida, doente e fraca, na casa de um estranho que me salvou de ser devorada por aranhas na floresta.

— Está me dizendo... Que ele forçou você? — Um brilho furioso acendeu no belo rosto do rei. Aredhel abriu a boca para dizer, mas ele a interrompeu. — Diga-me quem é esse miserável, que ousa tocar em minha irmã sem minha benção ou a sua?

— Turgon... — Ela pediu, mas ele não se acalmou. — Ele não me forçou. Bem, não na primeira vez. Eu estava desacordada. Ele me drogava e então só depois ele... — Suas palavras se perderam novamente. — Bem, você deve saber. Depois que eu descobri sobre a droga, ele passou a simplesmente me forçar. Todas as noites, por todos os malditos doze anos. Maeglin foi a única coisa que tenho de bom dele.