Eram 7h quando o despertador tocou. Anna levantou-se, deixando-se levar pela estranha sensação de que iria sentir o primeiro dia de aula pela última vez na sua vida. Sempre foi algo que ela adorava...rever os amigos, conhecer pessoas novas, os professores, todo o material etc. A verdade é que Anna sempre amou ir à escola.

Desde pequena, seus pais sempre a incentivaram a estudar, e ela sempre aceitou esse discurso. “A educação é o maior legado que podemos te deixar”; “Estuda pra você ter uma boa condição de vida no futuro”. Não que ela de fato gostasse de estudar, mas sempre entendeu a importância que isso teria na sua vida, por isso, tomava como uma obrigação e deixava de lado todo o desgosto que tinha por certas matérias e se esforçava o máximo possível. Sempre fora um exemplo a ser seguido.

Era por isso que, diferentemente da maioria de seus colegas, ela adorava ir à escola. Era a construção de seu futuro em jogo, era a possibilidade de ser alguém. Era o lugar onde tinha encontrado seus melhores amigos e vivido boas histórias.

E agora, viveria tudo pela última vez.

Era verão em Lacock. A época mais turística da cidade caracteristicamente medieval, quando pessoas de todas as partes do mundo vinham conhece-la. Anna gostava de onde morava. Era uma vida tranquila, sem muitas emoções, mas perfeita para a rotina que levava. Sabia que um dia teria que sair dali, ganhar um emprego e construir uma vida em uma cidade que lhe dê mais oportunidades. Mas, por enquanto, estava satisfeita. Tinha uma boa relação com seus vizinhos e morava em uma rua onde só havia residências, e as pessoas se conheciam há bastante tempo. Como toda cidade interiorana, Lacock tinha seus encantos. Sem preocupações como violência e trânsito, os habitantes levavam mais ou menos o mesmo estilo de vida, que só mudava de bairro para bairro. Havia várias escolas distribuídas pela cidade. A de Anna, The Team, era a maior e a mais famosa, chegando a se destacar por todo o país e sendo um centro de referência de estudos fora de Londres, Oxford e Cambridge. Nos finais de semana, as pessoas passeavam nas ruas, iam para casa umas das outras, visitavam os museus ou iam à igreja. Anna estudava, lia, saia com seu cachorro ou ia para a casa dos amigos.

Anna vestiu sua roupa. Desceu as escadas de sua casa com um sorriso no rosto, pegou um copo de leite e uma fruta, deu um beijo em seus pais e em sua irmã, Jully, e se despediu.

– Não vai querer que seu pai te leve hoje, filha? – Perguntou sua mãe

– Não, mãe. Quero ir logo, para chegar mais cedo hoje, vou andando, ok?

O pai riu da ansiedade da menina

– Olha lá viu, juízo. Bom começo de ano pra você – disse

– Obrigada, papai – Falou, já fechando a porta atrás de si.

Eram cerca de 15 minutos de caminhada. Anna apertou “Taylor Swift” em seu celular, sua artista preferida, e colocou o volume no máximo. Enquanto andava, observou a movimentação pela cidade. Até ontem, as crianças estavam dormindo a essa hora. Agora, pode ouvir as batidas de porta dentro das casas, o barulho de motor dos carros sendo ligados, o beijo das mães nos filhos, a correria dos atrasados. Amava as férias, mas nada era tão maravilhoso quanto voltar as aulas. Não para ela. No caminho, parou em uma banca de revistas e comprou uma pastilha de morango. “Eu mereço” – pensou sorrindo.

Estava chegando na escola quando foi interrompida:

– Anna! – gritou uma voz, a qual ela não demorou para reconhecer. Virou-se e deu um forte abraço em Alice, sua melhor amiga, que conhecia há exatos 5 anos, desde que mudara de escola.

– Animada? – perguntou

– Bem, depende do ponto de vista. Animada por te ver, sim, animada por encontrar nossos amigos, sim, animada para conhecer gente nova, sim, animada por finalmente estar perto de me livrar dessa escola? SIM! – respondeu

– Para, vai – disse Anna, rindo – Você vai sentir falta depois que tudo isso acabar, sabe disso.

– Talvez, mas foda-se. Odeio essa escola. Enfim, vamos entrar logo que eu quero dar uma boa olhada nos novatos.

– Tipo, não sei se você percebeu, mas essa escola é enorme e é pouco novato para muito veterano pra que a gente perceba. A não ser os que entrarem na nossa sala. E, tipo, dá para se animar com outra coisa que não seja homem?

– Aff, só nerd entra lá na sala. E não, não dá. To sentindo que esse é nosso ano. Sabe, eu to sonhando muito. De verdade, quero dizer. Eu durmo e tenho uns 3 sonhos por noite, é estranho isso? E o pior é que eu me lembro de todos.

– Alice, você é estranha – Disse, rindo.

– Tá, talvez, mas em vários deles eu pegava um loiro maravilhoso. Parecia uma celebridade

– Não quero nem saber de homem esse ano, sério.

– Ta nessa ainda é? Superou o Felipe não?

Anna reprimiu a amiga com o olhar

– Não é isso. Eu só quero manter meu foco nos estudos. Namorados são enviados da concorrência para atrapalhar o meu progresso.

– HAHAHA, tu não existe, Anna. Menos. Vamos entrar logo, vai.

Anna e Alice entraram juntas na escola. Foram cumprimentando as pessoas, muitas das quais não viam desde antes das férias. Como era boa aquela sensação, Anna pensava. Queria aproveitar o máximo curtir aquilo pela última vez. Elas seguiram em direção ao quadro de avisos, onde acharam sua turma e o número da sala:

– 3º Ano A, Sala 17. Bloco C – Disse Anna, em voz alta

– Bloco C? Quer dizer que eu vou ter que subir escada todo dia? – Reclamou Alice

The Team tinha uma estrutura enorme, que ocupava toda a rua. Era a maior construção da cidade, e na verdade era composta de dois prédios, o das crianças e o do ensino médio. A unidade do ensino médio consistia de 3 blocos divididos da seguinte forma: A, para turmas de 1º ano, B, para as de 2º e 3º e C, para as de 1º e 3º.

– Fala sério – continuou Alice – se for abrir uma turma de novatos, certamente eles ficarão no bloco B, como todo ano.

– Quem quer sabe de novato? Esse ano é para consolidar amizades, ficar com nossa antiga turma – respondeu Anna

– Para de ser assim caralho, o ano nem começou e tu já ta se fechando.

– Desculpa se eu to bem decidida

– Amiga, tu é muito chata – Alice falou, brincando – Bora logo pra sala, então.

Andaram pelos corredores lotados de The Team, prestando atenção em tudo. Só felicidade se via no ar. Chegando na sala 17, as meninas avistaram seu grupo de amigos.

Com elas, eram 5. Anna, Alice, Matthew, James e Mary. Alice e Anna tinham uma amizade mais antiga, mas todos os outros chegaram ano passado. Cada um tinha seus amigos, de outras salas, de outras turmas, de outros anos, mas os 5 sempre davam um jeito de estarem juntos. Anna sabia que eram eles que queria levar para o resto da vida.

– Anna! – Chamou Matthew, seu melhor amigo, dando um beijo em sua bochecha e a puxando para um abraço. Quem não os conhecesse, poderia jurar que eram um casal. Viviam sempre juntos, e o amigo era muito carinhoso com ela, apesar de nunca deixar escapar as brincadeiras e gozações. Praticamente um irmão mais velho.

– Senti sua falta, “cara”- Ela disse, imitando-o

– E eu a sua. Deveríamos ter saído mais vezes essas férias. Pelo que te conheço, sei que vai querer enfiar a cara nos livros a partir de agora – brincou.

–Ei, Anna – Gritou James, o amigo mais brincalhão, o mais irritante e o mais divertido do grupo. Desamarrou o tênis da menina.

– Que é isso? – Perguntou, furiosa

– Nova disputa do ano. Prepare-se – Falou, rindo

– Eu não sei por que isso não me surpreende – Anna revirou os olhos

– Tava com saudades de te irritar. Tipo, muita – Falou, também a puxando para um abraço

Anna e Alice sentaram-se junto dos 3. Cumprimentaram os colegas que iam chegando. A sala estava em estado de fervor, todos comentando sobre as férias, as viagens, as festas, as aventuras. A maioria se lamentava pelo fim da vida boa.

Tocado o sino, entrou uma professora na sala, a de Literatura, matéria que Anna adorava. Sempre amou escrever, especialmente poesia, e deixava tudo anotado em seu caderno azul, que deixava escondido em sua escrivaninha. Quase nunca as mostrava para alguém.

Na metade da segunda aula, a diretora da coordenação entrou na sala

– Bom dia, 3º A. Vim desejar boas-vindas a vocês, colocar-me a disposição e desejar um ótimo ano. Sei que vocês estão animados com o primeiro dia de aula, mas queria fazer algumas colocações. Como vocês sabem, esse é o último ano da vida escolar de vocês. Sei que é um ano especial, sei que estão eufóricos, mas tenho um pedido a fazer: não percam o foco. Não se percam. Desde o início, desde hoje, se esforcem para manter os assuntos em dia, façam exercícios, se dediquem. Não vai ser fácil no começo, especialmente se você não estiver habituado a fazer isso de anos anteriores, mas quero que saibam que podem contar conosco pro que der e vier. Lembrem sempre de que o futuro de vocês está em jogo. Quando se sentirem cansados, desmotivados, arrumem algo a que se prender e sigam em frente. Passar no vestibular é o que vai determinar o sucesso ou o fracasso de vocês. No mais, aproveitem o ano e contem comigo para o que precisarem. E, só mais uma coisa, estarei disponibilizando o calendário anual de vocês no site da escola. As primeiras provas já começam no fim do mês.

– Que ótima lição para começar o dia – sussurrou Mary, irônica.

– Ela ta certa – respondeu Anna – a gente precisa nos manter motivados.

The Team sendo The Team – disse Matthew- Mal chegamos e já tem tipo uma porrada de coisas para estudar, lição de moral, blá blá blá, to de saco cheio.

– Gente, vai ficar tudo bem. Vocês não podem absorver tudo que essa escola diz pra gente. É para enlouquecer qualquer um. Só saibam que precisam estudar, mas que não precisam se matar nem desperdiçar o ano por isso – Anna finalizou.

Quando tocou para o intervalo, Alice, Anna e Mary foram em direção ao bloco B, falar com outros amigos. Anna sempre gostara de reparar nas pessoas. Gostava de observar o quanto elas eram diferentes umas das outras. Alice tinha razão, os novatos estavam todos nesse bloco. Ela viu uma garota de cabelo azul, que achou lindo, viu um rapaz muito bonito, moreno e de olhos verdes, viu outro usando um moletom de Harry Potter.

Um menino ruivo, de olhos azuis, tinha um jeito espontâneo que lhe chamou a atenção. Ele estava cercado de outros rapazes, que riam exageradamente de algo que o ruivo falava, encostado na parede, com o cabelo bagunçado, calças jeans e uma camisa larga. Parecia muito enturmado para ser novato, mas era, porque ela lembraria se já tivesse visto algum cabelo vermelho em sua escola.

– Edward – chamou um dos garotos- ele virou-se para falar com ele, mas, acabou percebendo que estava sendo observado, ao encontrar sem querer o olhar de Anna. Ela deu meia volta de uma forma meio atrapalhada, puxando Alice, e seguindo para outro caminho.

– Eu realmente sou péssima nesse lance de espiar os outros – disse, frustrada.

Alice apenas riu.

Naquela tarde, Anna voltou para casa, tomou um banho, almoçou e subiu para o seu quarto. Tirou meia hora de descanso, abriu o seu livro e foi estudar.

Teve, naquele momento, a convicção de aquele seria o ano em que ela conquistaria o que sempre almejou a vida inteira até ali.