Anna acordou sentindo-se exausta. Hoje fazia exatamente 1 mês que suas aulas tinham se iniciado e, sim, ela já estava cansada. Suas provas teriam início amanhã, e a menina passara todo o mês se preparando. Hoje só precisava revisar. É bem verdade que, em contrapartida, sentia-se animada e feliz, ainda determinada. Não é tão difícil de entender: ela se preparou para esse ano sua vida inteira. Ouvia das pessoas que o terceirão era “um pesadelo”, que “ninguém tem vida” e por isso já entrou blindada para essas coisas.

Anna sempre fora um exemplo a ser seguido na escola. Desde pequena, seus pais a ensinaram a importância dos estudos e da dedicação ao colégio. Sabe aquela história de que “primeiro suas obrigações e depois o lazer”? Pois é, ela sempre absorveu e entendeu isso. Dessa forma, nunca precisou que a obrigassem a estudar, que a deixassem de castigo ou que a punissem por notas baixas, pelo contrário, a garota sabia das responsabilidades que lhe foram atribuídas. Era assim que encarava a escola: obrigação. Não porque gostava de estudar, não porque queria. Mas porque era necessário.

Por toda a sua vida, Anna teve que conviver com piadinhas, ser chamada de cdf e nerd inúmeras vezes, coisa que ela nunca se importou. A menina tinha uma personalidade muito forte, e dificilmente se deixava abater por coisas pequenas. Tinha seu grupinho de amizade e era feliz daquele jeito, com sua vida rotinada. Convenceu-se de que era estudando para a escola que realizaria todos os seus sonhos, que estavam prestes a serem realizados naquele ano.

Por isso que, em 1 mês, organizou seu horário de estudos e o cumpriu de forma integral. Havia poucos descansos, mas suficientes e, sobretudo, memoráveis. Ela buscava ficar com sua família, ler bastante e sair com seus amigos. Tudo isso a mantinha feliz e satisfeita, pronta para mais uma semana de estudos.

Anna levantou-se da cama, foi ao banheiro, escovou os dentes, trocou de roupa e desceu para a cozinha. Não havia ninguém. Olhou o relógio: 8h em ponto. Constatou que, de fato, estava cedo para estar acordada, afinal, era domingo. Mas era difícil acordar tarde depois de uma semana toda acordando cedinho. Fez ela mesma seu copo de leite e voltou ao seu quarto. Ligou o computador e deparou-se com a seguinte notícia:

“Estão abertas as inscrições para o Vestibular Nacional 2008”

Não hesitou em clicar.

“Os alunos que desejarem ingressar no ensino superior podem, a partir de hoje e até o dia presente do próximo mês, realizar suas inscrições para o Vestibular Nacional (VN), prova seletiva que os dará essa oportunidade. Para realizar a inscrição, é necessário ter ou estar concluindo o ensino médio. Depois, o candidato deve informar seus dados no site, ...”

Anna nem terminou de ler. Clicou no site, digitou seus dados e fez sua inscrição. Um nervosismo preencheu o corpo da garota e ela sentiu como se a ficha de que seu tempo de escola estava acabando caia aos poucos. Entrou em seu twitter, rede social que mais amava e usava e postou:

“Acabei de fazer a inscrição pro Vestibular Nacional. Ansiosa”

Desligou o computador e voltou a cama para ver se conseguia dormir.

Acordou com seu telefone tocando, uma de suas amigas pedindo o assunto da prova.

Olhou no relógio: 11h. Droga. Tinha dormido demais. Desdeu as escadas apressada e encontrou sua família tomando café da manhã, um horário tipicamente dominical.

– Bom dia – falou

– Bom dia, meu amor. Venha tomar seu café – disse seu pai

– Valeu papi, mas eu já comi. Acordei mais cedo e só depois voltei a dormir. Ah, adivinhem só: Já fiz minha inscrição pro VN

– Não entendo por que tu fala isso com tanta empolgação – desdenhou Jully

Anna estirou a língua para ela.

– Bem, deixa eu adivinhar: não devo esperar o almoço antes das 15h hoje, confere?

– Essa é minha garota! – respondeu sua mãe, rindo

– Tá, eu tenho prova amanhã. Vou dar uma volta agora com o Nick pra dar uma relaxada e já já volto pra estudar.

– Certo, Tome cuidado – recomendou seu pai

– Sempre – ela respondeu.

Anna colocou a coleira em seu cachorro, despediu-se de sua família e fechou a porta atrás de si, Nick já correndo em direção a rua.

– Calma, rapaz! – pedia.

Ela era apaixonada por cachorros. Pediu um para a mãe sua vida inteira, mas só ganhou um ano passado. Acha que sua mãe ficou com o coração amolecido porque sabia que ela passaria por um ano estressante. Então foi assim que, no final do ano passado, uma amiga de sua mãe ofereceu um cachorrinho que acabara de nascer. Quando Anna viu as fotos, conversou mais uma vez com sua mãe sobre o quanto queria um bichinho e, para a surpresa dela, tinha sido atendida dessa vez.

Fecharam o portão da casa e seguiram. Nick parava para cheirar tudo que via pela frente. Era um cachorro muito bonito, e as pessoas os paravam o tempo todo para alisá-lo, principalmente as crianças. Isso sempre fazia com que o passeio levasse uma distância curta, porque eles levavam muito tempo para conseguir passar por um local. Porém, como hoje era domingo, e ainda por cima perto da hora do almoço, a rua, que era muito longa, estava vazia. Eles estavam caminhando há exatos 10min quando Anna ouviu alguns acordes de violão.

Parou e tentou identificar de onde vinha o som.

– We're drivin' down the road, I wonder if you know I'm tryin' so hard not to get caught up now

Taylor Swift. Puta que pariu. Alguma voz maravilhosamente linda estava cantando Taylor Swift, com um violão. Anna gelou.

Concentrou-se e seguiu a voz. Era doce, extremamente bonita, diferente de tudo que ela já havia escutado. Por duas vezes mandou Nick parar de latir para ouvi-la melhor, até que enfim conseguiu achar. Vinha da casa no fim da rua, a que costumava brincar quando era mais nova, a mesma que sua mãe lhe disse, há 1 mês atrás, que estava com gente nova. Por sorte, ela conhecia aquele espaço muito bem. A casa era rodeada por um jardim e tinha um muro baixo que a separava do exterior. Anna sabia bem cada detalhe, especialmente por costumar brincar de pique-esconde por ali. Ela chegou discretamente atrás do muro, sentou-se, segurou a boca de Nick para que não latisse e ficou assim, abaixada, esperando a música acabar.

– And I don't know why but with you I would dance In a storm in my best dress

Fearless

Achou engraçado o fato de ser uma voz masculina que estava cantando aquilo.

Quando a música acabou e o violão já dedilhava os acordes de outra música que, dessa vez, ela não conhecia, resolveu espiar. Levantou-se devagar para olhar por cima do muro, de modo que só a ponta da sua cabeça estava visível.

Era o ruivo. O ruivo-popular-novato da escola. Anna jamais imaginaria que alguém com toda aquela pinta meio “cheio de si” na verdade fosse um puta músico e sensível o suficiente para ouvir Taylor Swift, uma artista country que estava começando a subir na carreira e que Anna era extremamente apaixonada. Teve que segurar seu queixo para que ele não caísse. Caralho, era demais. Aquele cabelo vermelho era maravilhoso, aquela voz era incrível, aquele gosto musical era inacreditável. O garoto estava sozinho, concentrado em tocar seu violão, e o fazia de uma forma que parecia tão natural quanto coçar a cabeça. Parecia querer fazer aquilo pra sempre

Anna olhou para os lados e começou a travar uma guerra dentro de si

Falo ou não falo falo ou não falo falo ou não falo falo ou não falo Puta merda Falo ou não falo falo ou não falo Ele gosta de Taylor Swift, tenho que falar Não, é muita cara de pau Será que ele é chato, parece ser tão enjoado falo ou não falo To fora, vou pra casa estudar porque tem prova amanhã

Começou a dar os primeiros passos para voltar quando, acidentalmente, pisou no rabo de Nick, que escandalizou um latido. Anna e o violão pararam no mesmo instante, e um silencio tomou conta da situação. Ela se abaixou rapidamente e permaneceu imóvel, esperando que o garoto ignorasse tudo e voltasse a tocar seu violão, ou que, melhor, entrasse em casa e fosse estudar. Em vez disso, ele olhou para todos os lados e disse apenas:

– Oi?

Merda

Respirou fundo e se preparou para sair de fininho. Porém, como não obteve resposta, o garoto levantou-se e começou a caminhar em direção ao portão, onde ela ainda estava escondida e quase sem respirar. Qualquer movimento e seria vista

Quando Nick latiu novamente, dessa vez por estar tanto tempo parado, Anna o reprimiu com um olhar repleto de raiva. Certamente agora estava mais do que clara para o rapaz a presença de alguém ali, mesmo que fosse só um animal. Porém, imaginando ser patética a cena de ele abrindo o portão de casa e dando de cara com uma menina abaixada em sua frente, ela levantou-se rapidamente e se virou para ele, que deu um pulo para trás.

– Oi! – ela disse, arrependendo-se imediatamente.

O garoto a encarou com uma expressão curiosa, e levantou as duas sobrancelhas com um objetivo que ela não demorou a entender: explique-se

Ta, foda-se

Começou a falar quase atropelando todas as palavras. Não era tímida para conversar com estranhos quando necessário, mas ficava nervosa quando tinha que lidar com situações constrangedoras como aquela.

– Oi, me desculpa, não quis te perturbar. É que eu tava passando e tipo eu sou muito fã da Taylor e dai eu te ouvi cantando e quis terminar de ouvir a música depois eu te vi e te reconheci da escola e ai eu ia saindo mas meu cachorro latiu e, bem, foi isso. Foi mal ai

Edward continuou a encarando com uma expressão séria e curiosa. Segundos depois, riu.

– Da escola? Estuda no The Team?

– Sim. Há anos

– Ah, legal. Sou novato lá, mas acho que você já sabia – comentou, piscando pra ela

– É, é que seu cabelo meio que chama a atenção

O garoto dessa vez fez uma expressão do tipo “é, realmente”

– Olha – ela continuou – me desculpa. É que realmente eu tinha que parar para ver quem estava cantando Taylor tão bem. De qualquer forma, temos prova amanhã e eu tenho que ir

– Tão bem? Você gostou mesmo do arranjo que eu fiz? – Perguntou, animando-se

– Sim, adorei. Você toca muito bem

– E você sabe tocar algo?

– Só enrolo um pouco – ela disse, tímida – realmente tenho que ir. Me desculpa de novo...vou te deixar estudar também.

– Relaxa, não está atrapalhando. Eu já to quase pegando uma música nova.

– Bem, na verdade, eu to falando da escola.

Edward deu um sorriso irônico, quase debochado, e Anna se sentiu um pouco ofendida.

– Tchau, Edward. – encerrou, e saiu correndo com Nick no colo, antes que o rapaz pudesse sequer reagir.

Edward a encarou correndo e não pode esconder um sorriso. Que maluquinha, pensou. Uma maluquinha que sabe meu nome. Só me meto em furada. Lembrava-se até que bem dessa garota que o tinha encarado na escola, no primeiro dia de aula, durante o intervalo. Ela tinha saído correndo daquela vez, tal qual o fez agora. Achava engraçado pessoas tímidas.

Ele virou e andou para casa. Chegou na cozinha e abriu o armário, quando seu irmão, Matthew, apareceu

– Quem era aquela? – Fez a pergunta com o tom e a expressão dotados de segundo sentido

Edward o reprimiu com o olhar

– Uma fã da Taylor Swift que me ouviu cantando e deu uma surtada

– hahahaha ta – debochou Matt

– É sério, ué. Tchau vai, to meio ocupado

Ed voltou para o jardim, a boca cheia de Doritos, pegou o violão, sentou-se na grama e começou a dedilhar suas ideias.

Para ele, foi uma ótima tarde de estudos.