— Anna, pelo amor de Deus, larga esse celular só um pouquinho – Mary implora.

Eles estavam sentados na cantina do colégio, era intervalo, discutindo sobre o aniversário de Mary. Alice, Matthew e James tentavam, sem sucesso, dar alguma sugestão que agradasse a menina.

— Por favor – ela continua – você é a amiga mais criativa que eu tenho.

— Ei! – Protesta James, se fingindo ofendido.

— Desculpa, Mary - Anna responde, enfim tirando os olhos do seu celular – Não tenho nenhuma ideia por enquanto. Me dá um tempo pra eu pensar.

— O que diabos você tanto faz ai, Anna? – Pergunta Matthew.

— Han...só to lendo

Alice a olha, sem entender.

—...sobre?

— Música – a garota responde, sem hesitar.

— Tá, sabe-se lá o que se passa nessa sua cabeça perturbada – finaliza Alice, rindo.

Anna estira a língua e revira os olhos para a amiga.

— Vei – fala James – a gente tá tipo no começo do semestre e já estamos entediados pra caralho. Mary, você tem que arrumar alguma coisa pra gente fazer no seu aniversário porque, sério, pelo menos é uma desculpa pra eu convencer meus pais a me deixar sair a noite.

Os 5 amigos passam o resto do intervalo discutindo algo para fazerem juntos. Na maioria das vezes, planejam mais do que fazem, mas mesmo assim gostam de fazer planos. Quando o sinal toca, Anna é a primeira a abandonar a mesa, que nesse momento está uma baderna, com todos os outros 4 falando ao mesmo tempo. Ela sorri e tenta gravar a imagem na cabeça, certa de que, daqui a um ano, estará sentindo muita falta de tudo isso.

Antes de voltar para a sala, a garota inverte o caminho para ir até o banheiro. Quando está em frente ao pátio, seus olhos automaticamente olham ao redor, a procura de Ed. Lá está ele, sentado em uns banquinhos com mais dois amigos, debaixo de uma árvore. Ela sorri ao perceber que, mesmo conversando, ele não tira os fones de ouvido. Parece que já nasceram grudados no ouvido dele. Pensa em ir até lá e falar com ele, mas ele não a vê, e os dois nunca se falavam na escola. Quase nunca se viam, e, quando se viam, estavam sempre acompanhados. Já faziam 15 dias desde que ela tinha ido até a casa dele. Desde então, tinham apenas trocado mensagens pelo celular e se visto poucas vezes no colégio (A estrutura era tão grande que cada dia Anna tinha a impressão de ver alguém diferente por lá, e talvez isso realmente acontecesse). Anna o perguntara diversas vezes se os seus resumos estavam servindo pra alguma coisa, mas ele sempre desconversava com alguma piada ou enviando algum vídeo de música para ela. “olha esse cover aqui”. “Essa banda é fantástica” e outras coisas que ela sempre recebia com um revirar de olhos e um sorriso brincalhão nos lábios. Apesar de ele ser meio cabeça dura com os conselhos dela, a garota estava feliz por conhecer alguém diferente em um ano que ela achou que teria poucas alegrias. Falar com Ed e ainda por cima “aprender” sobre música a estava deixando feliz.

Durante a aula de História, porém, ela foi surpreendida quando seu celular vibrou, anunciando uma nova mensagem. Hesitou antes, porque era sua aula (e seu professor) preferido, mas acabou cedendo ao aparelho.

Ed: Passa lá em casa mais tarde! Preciso muuuuuuito te mostrar algo ;) E antes que vc reclame (to começando a te conhecer bem, olha só kkkk), tem que ser lá mesmo, a não ser que vc queira trazer meu violão pro colégio, e isso é impossível, pq eu jamais deixaria rs

Anna: Pode ser, mas tipo, bem mais tarde, pq tenho muita coisa pra fazer hj. E tem mais, quero um parecer verdadeiro sobre meus resumos! Vc tá me driblando direitinho.

Ed: Como quiser, Srta. =P Até mais!

Se perdeu em pensamentos, imaginando qual banda conheceria hoje e qual desculpa Ed daria por não ter sequer tocado nos seus resumos da escola, e de repente a aula de Revolução Francesa nem pareceu tão interessante assim.

— Filho, eu tava lendo no jornal que o prazo para as inscrições pro Vestibular Nacional desse ano já está no fim – Imogen falou assim que o filho entrou em casa.

Ed foi até sua mãe, que cortava tomates na bancada da cozinha e lhe deu um beijo na testa.

— Mãezinha querida, eu já fiz minha inscrição faz tempo, não se preocupe.

A mãe o encarou, incrédula.

— Tá brincando? Assim, sem eu e seu pai precisarmos cobrar e te dar mais lições de moral?

— Aham – ele respondeu, colocando sua mochila em cima da mesa e tirando os sapatos. – mas na verdade quem me dá as lições é você né, mãe, o papai me aceita melhor.

— Não fale assim, Edward. Você sabe que eu só quero o melhor pra você – Ela aproximou-se do filho e bagunçou o cabelo dele – mas estou orgulhosa de você! Achei que eu fosse ter que fazer a inscrição no seu lugar.

— Uma amiga me lembrou logo na primeira semana. Aliás, ela disse que se eu fizesse a inscrição logo, poderia escapar de uma bronca. Claramente ela estava certa.

A expressão de Imogen tornou-se séria.

— Tem mais uma coisa que eu queria falar – começou, a voz vacilando - A escola me ligou, filho. Suas notas...

Ed abriu a boca, pensando no que falar, mas a mãe continuou.

— Edward, eu não quero ouvir desculpas – disse, quase chorando, o que fez Ed se calar – eu preciso ao menos que você TENTE, filho, por favor. Isso é seu futuro em jogo, você não pode viver às nossas custas ou às custas do seu irmão. Até agora eu tentei te entender, nunca te proibi de nada, mas se você não mudar sua postura, você vai me obrigar a tomar outras medidas. E a primeira delas, você sabe, é eu tomar o seu violão.

Essas palavras feriram Ed como um soco no estômago. De subido, sentiu tristeza, decepção, mas logo foi dominado pela raiva e sentiu vontade de gritar com a mãe, de querer fazê-la enxergar a verdade.

— MÃE! Você não ENTENDE, e você nem se ESFORÇA pra entender. Quer que eu “tente” estudar esse monte de merda que não vai servir pra nada na minha vida e é INCAPAZ de OUVIR e CONFIAR em seu próprio FILHO. Sabe qual o problema dessa casa? É que VOCÊ acha que pode mandar na minha vida, quando na verdade ela é MINHA – disse, enfatizando cada palavra, o rosto agora da mesma cor que seu cabelo.

— Pro seu quarto – ela disse, lagrimas escolhendo pelos olhos – agora.

Respirando fundo, porém sabendo que não podia mais gritar com sua mãe, saiu da cozinha. Passada meia hora, seu pai o chamou para o almoço, que se seguiu em um silêncio ensurdecedor.

Depois do almoço, Ed juntou-se a Matt em seu quarto. Ele fazia faculdade de música e estudava música clássica, que Ed nunca se interessou, mas gostava de ouvir conselhos de seu irmão. De todos da família, ele era o que mais apoiava Ed e entendia que ele não queria fazer faculdade.

— Maninho! – Falou Matt, dando tapas no ombro do irmão.

— E ai, cara – ele disse, suspirando.

Matt o encarou e foi logo percebendo o desânimo de Ed.

— O que que foi? – Questionou.

— Cara, sinto falta, da cidade grande, do papai me levando pra shows, de eu puder chutar toda essa porcaria de matéria escolar pra puta que pariu e passar horas tentando tocar músicas do Eric Clapton!

Matt o olhou firme:

— Ed, você não tem que parar de fazer o que gosta. Claro, por hora você tem que fazer o que a mamãe diz, e sério, estuda, se você reprovar de ano, vai ficar preso à escola, em vez de se livrar logo e poder tocar!

— Você não entende? Isso não tem fim, irmão, depois da escola ela vai querer que eu faça faculdade, e nessa brincadeira minha vida vai passando!

— Acho que você deveria confiar em si e no seu talento. As coisas vão dar certo se você acreditar e, obviamente, se esforçar. Tenha um pouco de paciência, Ed.

Ed tinha adormecido no quarto do irmão, quando ele o acordou:

— Ed – Matt disse, com um sorriso malicioso no rosto – sua namorada está na sala esperando você.

Ele abriu um olho, sonolento, e tacou o travesseiro na cara do irmão.

— Deve ser engano, então, porque não tenho namorada – Falou, se levantando rápido. Olhou-se no espelho. O cabelo estava uma bagunça e ele começou a arrumá-lo.

Matt mantinha o sorriso no rosto, encarando Ed e esperando uma reação.

— Ela não é minha namorada – falou, revirando os olhos e batendo a porta do quarto atrás de si.

Ed chegou a sala e observou a cena de longe: Anna estava sentada no sofá, e John, pai de Ed, conversava com ela, o que o deixou desconfortável. Imogen sentava-se à mesa, trabalhando em seu computador, mas ria e parecia também estar participando da conversa.

— Anna – disse ela – obrigada por ter lembrado a Ed das inscrições. Você é uma boa influência pra ele.

A garota corou e se mexeu no sofá, sem jeito.

— Não tem de quê, Sra. Sheeran.

Ed limpou a garganta, e os três viraram para ele. Seguiu-se um momento constrangedor, porque ele não queria se juntar à conversa, mas tampouco queria interromper. Felizmente, Anna se levantou e foi até ele, dando-lhe um abraço, o que o pegou desprevenido.

— Vamos, Ed, temos muito a estudar hoje – disse.

Antes que ele pudesse protestar ou ter qualquer reação, levou-a automaticamente em direção ao quarto, apenas feliz por se livrar daquela situação, deixando pra trás pais com sorrisos satisfeitos no rosto.

— O que diabos tá acontecendo? – Ele perguntou, com ar de confusão

— Sua mãe me contou o que aconteceu. Ela tava preocupada, acho que apenas queria desabafar, me pediu pra conversar com você e disse que talvez você me ouviria.

Ed sentiu-se humilhado. Não era um bebê que precisava de ajuda. Sentiu sua pele esquentar, e Anna percebeu seu desconforto.

— Ei! – Ela disse, pegando na mão dele – Não vou te dar nenhuma lição de moral nem fazer você ouvir a causa da sua mãe. Você sabe que eu penso como ela, mas quero deixar bem claro que também entendo o seu lado, e que não te acho um completo maluco. Na verdade, estou aqui pra fazer uma proposta.

— Continue – ele disse, soltando-se da mão da menina.

— Eu vou te ajudar a estudar. Só o básico, algumas horas por semana, o suficiente pra fazer suas notas subirem.

Ele abriu a boca para falar, mas ela continuou:

— É o único jeito, Ed. Pensa: você não tem nada a perder. Isso vai deixar seus pais felizes, e vai te dar tempo pra estudar música também. E, claro, sua mãe não vai tomar seu violão. E, ah, em troca, você pode me mostrar quantas músicas quiser – finalizou, com um sorriso no rosto.

— Anna...isso vai te atrapalhar.

— De jeito nenhum – ela disse- ensinar também é uma forma de estudar, de aprender.

Ele olhou para os lados, depois para a garota à sua frente, sem acreditar no que estava acontecendo. Foi para a frente e a envolveu em um dos abraços mais sinceros que já dera em toda a sua vida.

— Sinceramente – disse, com o a boca próxima ao ouvido dela – Você é a melhor coisa que me aconteceu nessa cidade idiota.

— Ei! – ela falou, rindo e o empurrando – Não fale assim da minha cidade!

Eles se encaram, ele com um olhar de gratidão e ela feliz por poder ajudar.

Ela sorriu pra ele com um sorriso malicioso e erguendo a sobrancelha:

— Mas e ai? – Perguntou – Cadê meus resumos?

Ele riu, depois abriu uma gaveta, revelando os resumos preciosos da garota, intocáveis.

— Não acredito! Você nem tocou neles, seu ridículo – ela disse, rindo – Vamos mudar isso agorinha.

Sentaram-se na bancada do quarto de Ed, e a menina começou a falar alguma coisa sobre a Evolução dos Modelos Atômicos. Naquele quarto, ouvindo aquela voz o ensinando, longe do caos da escola e da chatice dos professores, ele sentiu as horas voarem.

Já passava das 17h quando os dois pararam, exaustos. Ed finalmente achava que tinha aprendido algo, e Anna estava feliz com o avanço.

— Será que agora – ele disse – eu posso te mostrar algo que não me faça querer morrer lentamente como química faz?

Isso fez a garota gargalhar.

— Deixa de ser exagerado, Edward!

Ele levantou-se da cadeira e se sentou na cama, em cima da qual o violão descansava. Pegou-o e dedilhou alguns acordes antes de falar para Anna, que o observava atentamente, com um olhar de admiração que o deixava extremamente feliz:

— Então...- começou – fiz uma música.

A garota abriu a boca e levou as mãos ao rosto:

— Ai meu Deus!

— Não é a primeira, na verdade, mas todas as outras ficaram...ruins. Quer dizer, são tão ruins que eu sequer me atreveria a mostrar pra alguém, porque eu escrevi muito novo, e era um garoto que não tinha muito a falar. Mas enfim, você é a primeira pessoa a ouvir essa aqui:

You give me life like lots of oxygen

You treat me like I was in love again

And I hold you tight, tight enough to know

That you are mine, I'd never let you go

And it's you I miss, and it's you I miss

So let it out, let it out, now

I let it out, I let it out now, now

(...)

Ali, naquele quarto, com aquela voz cantando e externando sentimento, com aqueles olhos azuis a encarando, ela nem sentiu o tempo passar.